Paraíba

POR DIREITOS

Comissão de Direitos Humanos realiza visita a famílias despejadas de Dubai

Várias violações foram identificadas

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Crianças brincam em meio ao que restou do despejo, no Ginásio Hermes Taurino. - Heloisa de Sousa

Na madrugada do dia 23 de novembro, a luz e a água da ocupação sem teto Dubai - localizada no bairro de Mangabeira 8, em João Pessoa - foram cortadas. Por volta das 3h da madrugada de terça (23), um cerco de 600 policiais militares se posicionaram ao redor de Dubai. Junto a eles, guardas municipais e 4 retroescavadeiras. Sem entender direito o que estava acontecendo, a comunidade Dubai logo percebeu o que lhe aguardava. 

As retroescavadeiras se movimentaram e foi anunciado o despejo. Pegos de supetão, muitas coisas materiais obtidas com extremo esforço pelas famílias da ocupação foram perdidas, quebradas ou deixadas para trás. Não houve tempo.


Despejo na comunidade Dubai, em Mangabeira 8. / Reprodução

É o que nos conta Sara. Ela tem 21 anos, morava na Dubai há 1 ano e meio, com 8 meses de gestação, ela relata como foi o despejo. "Foi terrível, eu não tirei os meus troços direito e derrubaram com meus troços dentro e eu estou com os meus 3 filhos aqui, de 5, 4 e 2 anos e esse para nascer", disse Sara, que está abrigada no Ginásio Hermes Taurino, em Mangabeira.

Assim como a família de Sara, cerca de outras 399 ficaram em situação parecida. Por isso, nessa sexta (26), uma Comissão de Direitos Humanos saiu em visita aos três lugares para onde as famílias removidas de Dubai foram levadas: os ginásios das escolas CPDAC, no bairro de Valentina, João Gadelha e Hermes Taurino, em Mangabeira. As famílias removidas da comunidade Dubai estão alojados nos ginásios das escolas, e não nas salas de aula, por causa da realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que vai acontecer neste domingo (28).


Situação dos abrigadas nos ginásio de Dubai / Heloisa de Sousa


O que restou após despejo - Ginásio Hermes Taurino. / Heloisa de Sousa

O Brasil de Fato Paraíba acompanhou a visita da Comissão ao CPDAC e ao Ginásio Hermes Taurino. Encontramos a catadora de materiais recicláveis, Ivanilda Nascimento dos Santos, que nos falou do que estava precisando: moradia. "A gente não está precisando de auxílio aluguel não, que a gente não está de esmola não. A gente quer é moradia. Estamos jogados. Graças a Deus que estamos aqui, mas morrendo cozinhado, que é quente", disse Dona Ivanilda, se referindo ao ginásio Hermes Taurino. 

Ao seu lado, uma amiga venezuelana e um de seus filhos ajudavam Ivanilda a relatar a situação que estão passando. "Estamos aqui e graças a Deus tem almoço, tem janta, tem lanche, tem tudo, mas o que a gente quer é moradia. Chegaram lá 4 horas da madrugada cortando água, cortando luz, até minhas galinhas que estavam deitadas no ninho não deu tempo salvar, porque passaram por cima, derrubaram, quebraram cama, tudo o que eu tinha, nem roupa deu para tirar, nem roupa. Chegou doação de roupa agora para a gente. Quando trouxeram a gente para cá, já foi não sei que horas da noite. A gente sofrendo lá, no escuro, muita grávida sofrendo.", disse Ivanilda. E a amiga venezuelana completou: "Sem água, sem comida, a comida chegou 16h e a gente estava lá desde manhã", disse.


Em busca das doações de roupas. / Heloisa de Sousa


Mulheres conversando sobre o direito à moradia. / Heloisa de Sousa


No ginásio Hermes Taurino. / Heloisa de Sousa

Esses relatos reais de vida são de pessoas que já tem muito pouco, mas que estão na luta por dignidade, moradia e direito à cidade.

Reunião da Comissão de Direitos Humanos


Reunião entre ex-moradores de Dubai e Comissão de Direitos Humanos, realizada no CPDAC. / Heloisa de Sousa

Em uma das salas da escola CPDAC aconteceu uma reunião que juntou representantes de Dubai, Defensoria Pública da Paraíba, Conselho Estadual de Direitos Humanos, Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos, as deputadas estaduais Cida Ramos e Estela Bezerra, os vereadores de João Pessoa, Marcos Henriques (PT) e Julio Leandro (PDT), promotor da Infância e da Juventude do Ministério Público da Paraíba, Alley Escorel e representantes do Governo do Estado da Paraíba e da Prefeitura Municipal de João Pessoa. 


Reunião entre moradores de Dubai e Direitos Humanos, realizada no CPDAC. / Heloisa de Sousa

A defensora pública Fernanda Peres da Silva disse que teve conhecimento do processo de despejo de Dubai apenas após a desocupação e explicou que de acordo com o processo houve uma ação civil pública que foi protocolada pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, a partir de um inquérito civil, dirigido pelo Ministério Público do Estado. "O fundamento dessa ação teria sido o fato dessa área ser de preservação permanente e não poderia ser objeto de ocupação e também em razão de estar sendo dominada por facções criminosas. A Prefeitura pediu liminarmente que fosse determinado aos moradores que no prazo de 20 dias, eles se apresentassem a Secretaria Municipal de Habitação Social para realizar a identificação e cadastro em programa habitacional e que caso não fizessem isso no prazo solicitado de 20 dias que aí sim fosse determinada a desocupação da área. Pela decisão do juiz, ele foi além do pedido e já determinou imediatamente a desocupação e demolição das construções. O que nós vimos foi que por uma decisão liminar de maneira que não houve respeito ao devido processo legal à ampla defesa e nós só tomamos conhecimento dessa ação depois do exaurimento desta", explicou Fernanda.

"Chegamos ao local em torno das 9h30 e praticamente todas as casas já haviam sido demolidas. Foi uma ação muito rápida", completou a defensora pública. 

Todos os parlamentares presentes se solidarizaram e se disponibilizaram a contribuir na reparação dos danos causados para as famílias, tanto os materiais quanto emocionais. Já os representantes do Governo do Estado da Paraíba e da Prefeitura Municipal de João Pessoa, afirmaram que estão dando todo o apoio e assessoria necessária para as famílias abrigadas, incluindo alimentação, materiais de higiene, segurança, assistência social e de cuidados à saúde.


Vacinação contra Covid-19 no CPDAC / Heloisa de Sousa

"Minha criança não pode ver uma arma que se treme toda", relatou um dos presentes ao falar da presença da polícia militar com armas de calibre grosso andando todo o tempo pelo CPDAC, mesmo na presença de crianças muito pequenas. O despejo inclusive ocorreu sem a presença do Conselho Tutelar. "Meu filho de 10 anos está traumatizado pois, durante o despejo, o policial colocou uma arma na cabeça dele", relatou uma das pessoas despejadas de Dubai.

Constatadas uma série de violações a crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e aos cidadãos em geral, a comunidade Dubai levantou a voz para dizer que não interessava a ela quem tinha razão, se a Prefeitura, o Governo do Estado ou os parlamentares presentes, mas que suas vozes eram as principais e elas dizem: queremos moradia.


Ginásio Hermes Taurino. / Heloisa de Sousa

Durante a reunião, o Conselho Estadual dos Direitos Humanos da Paraíba (CEDH/PB) informou que havia ajuizado Reclamação Constitucional 50.740, no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a Decisão do juiz Antônio Carneiro, da 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, que despejou as mais de 400 (quatrocentas) da Comunidade “Dubai.

A reclamação agora aguarda a apreciação pelo Ministro Relator, que decidirá se acata ou não os argumentos apresentados pelo Conselho Estadual dos Direitos Humanos da Paraíba, determinando a suspensão do despejo e a volta à área dos moradores que assim desejarem.

Violações cometidas pelo Despejo

O CEDH/PB afirma que a decisão do Juiz, Antônio Carneiro, de despejar e demolir sumariamente as casas e barracos de Dubai desrespeita a determinação do STF, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828, de que, enquanto durar a pandemia de COVID-19, não pode haver despejos em comunidades em situação de vulnerabilidade social, em todo o país. Assim como desrespeita a Lei 14.216/2021, aprovada recentemente, que prevê que não haja despejos em ocupações coletivas, pelo menos até o dia 31 de dezembro de 2021.

Além disso, o Conselho de Direitos Humanos também elencou na petição protocolada no STF que a própria recomendação do Tribunal de Justiça da Paraíba não foi seguida pela 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, que recomenda avisar a Comissão de Prevenção e à Violência no Campo e na Cidade (COECV/PB), vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Humano do Estado da Paraíba (SEDH/PB), casos de despejos coletivos.

Para Olímpio Rocha, Presidente do CEDH/PB, “o STF deve se posicionar nos próximos dias sobre a ilegalidade cometida pela 4ª vara da Fazenda, determinando que se suspenda a decisão reintegratória, considerando que os fundamentos dela não são críveis, posto que não se pode dizer que mais de 800 pessoas estariam, indistintamente, sem individualização de condutas, praticando tráfico de drogas ou desmatando a área!”

Para o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos da Paraíba (MTD-PB), o despejo foi um conjunto de abusos, "o fato de estarmos em plena pandemia é revelador que o Ministério Público Estadual, junto com a Prefeitura Municipal de João Pessoa, se tornam o polo ativo do despejo, mas ignoram o fato de ter uma lei de autoria da deputada Natalia Bonavides (PT/RN) que impede despejos nesse momento, somado a decisão do Supremo Tribunal Federal, que garante que as famílias que ocuparam áreas antes de 20 de Março de 2020 não sejam despejadas, além de um conjunto de recomendações do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de Direitos Humanos, inclusive naquilo que se chama de Despejo Administrativo".

Nesta segunda (29), às 9h, os movimentos populares lançam a Frente Popular contra Despejos e Remoções na Paraíba, junto com a retomada da Campanha Despejo Zero. O evento vai ser realizado na sede da Central Única dos Trabalhadores da Paraíba (CUT-PB) e para apoiar às famílias de Dubai quem quiser doar alimentos não-perecíveis, roupas, calçados e produtos de higiene pessoal, pode entrar em contato pelos telefones (83) 9 88255680 (falar com Gleyson) e o (83) 99331-5592 (Falar com Bárbara).


 

Edição: Heloisa de Sousa