Paraíba

Memória Histórica

Dossiê Grupo da Várzea Parte V: os Velloso Borges após o golpe de 1964

Nessa parte, vê-se a força política da família, desde Aguinaldo Velloso Borges a seus netos Daniella e Aguinaldo Ribeiro

João Pessoa - PB |
Aguinaldo Velloso Borges, patriarca da família durante a ditadura militar - Reprodução

Por Luanna Louyse Martins Rodrigues*

Conforme evidenciado nos artigos publicados anteriormente, as oligarquias paraibanas vinculadas ao Grupo da Várzea foram, em diferentes períodos históricos, se reorganizando e criando formas de permanência em um lugar de privilégio e poder no cenário político paraibano. Poder esse, é preciso frisar, capaz de retirá-las do alcance da Justiça mesmo tendo sido implicadas em diversos crimes cometidos contra camponeses paraibanos. 

Durante a Ditadura Militar de 1964, os partidos políticos do MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partidos do período da repressão, eram representados pelos nomes dos herdeiros das mesmas famílias políticas que vinham se reproduzindo no controle e dominação das instâncias de poder na Paraíba nos períodos anteriores.

A força política das oligarquias que integravam o Grupo da Várzea foi construída por meio da tessitura de alianças entre famílias poderosas. As redes de relações estabelecidas entre essas famílias irão, ao longo do tempo, constituindo-se em uma das características do fazer político na Paraíba. Conforme sinaliza a pesquisadora Linda Lewin em sua obra Política e parentela na Paraíba: um estudo de caso da oligarquia de base familiar, o poder familiar foi absorvido e legitimado como parte do interesse público na Paraíba, possibilitando que uma mesma família controlasse politicamente um município por décadas, através de seus descendentes. 

O capital simbólico vinculado ao nome da família perpassa gerações. Mudam-se os nomes, permanecem os sobrenomes, o que se comprova com a manutenção do patronímico nos herdeiros. Mantém-se o sobrenome e perpetua-se a influência política. 

Neste artigo, enfocaremos parte da trajetória política da família Velloso Borges, integrante do Grupo da Várzea, definida como uma família política por José Marciano Monteiro, professor da UFCG e autor de A Política como Negócio de Família.  O patriarca da família, Aguinaldo Velloso Borges, implicado nos assassinatos de duas das mais expressivas lideranças camponesas na Paraíba - João Pedro Teixeira em 1962 e Margarida Maria Alves em 1983 - era proprietário da Usina Tanques em Alagoa Grande-PB. Aguinaldo construiu uma extensa rede de relações políticas a partir do entroncamento com outras famílias poderosas, resultando em uma influência que o projetava da escala local para a esfera federal. 


A antiga Usina Tanques, criada em 1926, foi adquirida por Agnaldo Velloso Borges em fins da década de 1950 / Reprodução

Para esta análise nos valeremos dos autores já referidos, Linda Lewin e José Marciano Monteiro, bem como de Jean Blondel (As condições da vida política no estado da Paraíba), Martha Santana (Nordeste, açúcar e poder: um estudo da oligarquia açucareira na Paraíba) e Margot Matwychuck (Estratégias de casamento, história de mulheres, e experiências de mulheres entre famílias de usineiros em Paraíba, Brasil), entre outros que enfatizam a família como uma categoria central quando se busca entender o modus operandi de se fazer política na Paraíba, assim como em todo o país.

Entre as famílias entrecasadas com os Velloso Borges, destacam-se as famílias Ribeiro Coutinho, Maroja, Ribeiro e Gusmão. Todas estas são tradicionais oligarquias vinculadas à indústria açucareira, à pecuária e/ou ao algodão.


Genograma da família Ribeiro Coutinho em que se destaca a entroncamento com a Família Velloso Borges, ambas integrantes do Grupo da Várzea / José Marciano Monteiro

Jean Blondel enfatiza o domínio político dos entrecasados Ribeiro Coutinho e Velloso Borges, destacando os latifúndios e a base familiar para explicar o controle político deles em diversos municípios paraibanos. No mesmo sentido, César Benevides, autor de Camponeses em Marcha, destaca o poder econômico baseado no monopólio da terra e a força política dos “barões do açúcar”.

Apesar de ser sempre citado como forte liderança política reacionária da oligarquia paraibana, Aguinaldo não concorreu muitas vezes a cargos eletivos. Conforme pesquisa no site do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE/PB), constatamos que ele foi eleito prefeito de Pilar em 1947 e Deputado Estadual em 1950, 1962 e 1966, tendo ficado como suplente de Deputado Estadual no pleito eleitoral de 1958, suplência essa que lhe rendeu imunidade parlamentar por meio de escandalosa e orquestrada manobra para que não respondesse pelo assassinato de João Pedro Teixeira, conforme detalhado no Dossiê anterior.

Mesmo não saindo diretamente candidato, o usineiro, por intermédio de uma extensa rede política familiar e de laços personalísticos de amizade, exerceu, ao longo de toda a sua vida, um domínio muito forte na Paraíba. De acordo com José Avelar Freire, na obra Alagoa Grande: sua história, de 1625 a 2000, Aguinaldo Velloso Borges era a liderança política de maior prestígio com o Governo Federal durante a Ditadura Militar:

Velloso Borges, depois do Governador João Agripino Filho, era, na Paraíba, quem mais prestígio tinha com os militares, quer no Estado, quer em Brasília; e esse prestígio durou até o seu falecimento em 1990.

Tal afirmativa é corroborada pelo trecho publicado no Jornal O Norte, em 21 de agosto de 1983, ou seja, dias após o assassinato de Margarida Alves, com a seguinte notícia:

Maluf desembarcou ontem, às 12h30, no Aeroporto Castro Pinto, para entendimentos com o Governador Wilson Braga e com o usineiro Aguinaldo Velloso Borges. O usineiro lidera um grupo de três deputados federais, cinco deputados estaduais, 50 prefeitos no interior do Estado e controla pelo menos 10 de um total de 27 representantes da Paraíba no colégio eleitoral destinado a escolher o próximo Presidente da República. 

Esse grupo político controlado por Aguinaldo foi também mencionado por Maria da Penha, sindicalista e companheira de luta de Margarida, no livro Violência Rural e Reforma Agrária. A autora vincula a impunidade do crime à força política e econômica dos acusados, pautada na concentração da terra.


Margarida Maria Alves, assassinada posteriormente a mando do Grupo da Várzea, discursa em comício sindical / CONTAG

Ao longo de nossa pesquisa, não foi possível reconstruir integralmente a árvore genealógica da família devido à ausência de informações a respeito. Filho de Anísio Pereira Borges e Virgínia Velloso Borges, Aguinaldo Velloso Borges casou-se com Maria Luiza Peixoto Velloso Borges, com quem teve quatro filhas: Virgínia Maria Peixoto Velloso Borges, Mariza Peixoto Velloso Borges, Adette Peixoto Velloso Borges e Walquíria Peixoto Velloso Borges. Consta, segundo Monteiro, o nome de Solange Velloso Borges como filha de Aguinaldo. 

Como só teve filhas, Aguinaldo construiu sua rede política por meio da inserção de seus genros na carreira. Conforme Margot Matwychuck, uma estratégia de casamento típica das famílias sem filhos homens que possam conduzir a reprodução da linhagem política enquanto “herdeiro político” é buscar, nos genros, habilidades específicas para conduzir os empreendimentos da família ou representar a família na arena política.

De fato, os casamentos de suas filhas agregaram poder econômico e força política à família, que, atualmente, continua a ocupar cargos eletivos na Paraíba. O caso de uma de suas filhas, Virgínia Maria Peixoto Velloso Borges, é bastante elucidativo. Tanto ela quanto o marido e dois de seus filhos, Aguinaldo e Daniella Ribeiro, lançaram-se na vida política no Estado.

Seu marido, Enivaldo Ribeiro, é descendente de uma tradicional oligarquia paraibana vinculada à produção de algodão e cana-de-açúcar. Sua avó paterna, Ermelinda Ribeiro, era irmã do Coronel Salvino Figueiredo, pai de Argemiro Figueiredo e Vicentina Figueiredo, e possuía grande influência política na Paraíba. Vicentina casou-se com o major Veneziano Vital do Rêgo (avós, portanto, do atual senador Veneziano Vital do Rêgo Segundo Neto e do Ministro do Tribunal de Contas da União, Vital do Rêgo Filho), agregando ainda mais força política à família. 

A força política e econômica do grupo familiar perpassa gerações, projetando-se nos netos de Aguinaldo Velloso Borges, que são: Daniella Ribeiro e Aguinaldo Velloso Borges Ribeiro.


O deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP) e a senadora Daniella Ribeiro (PP), netos de Aguinaldo Velloso Borges e base de apoio do governo Jair Bolsonaro / Reprodução

Daniella Ribeiro ocupou cargos de deputada estadual e vereadora. Aguinaldo Ribeiro foi, seguidas vezes, eleito deputado estadual e federal. O reconhecimento do poder político da família evidenciou-se, também, por meio da nomeação de Aguinaldo Velloso Borges Ribeiro para assumir o Ministério das Cidades no primeiro mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff, a qual, em visita ao Estado da Paraíba no ano de 2013, foi almoçar na granja da família Velloso Borges Ribeiro. 

Em âmbito local, Virgínia Maria Peixoto Velloso Borges foi eleita para a prefeitura do município de Pilar-PB e o seu marido, Enivaldo Ribeiro, já assumiu cargos de prefeito, vice-prefeito, deputado estadual e federal. Na tabela abaixo, podemos visualizar exemplos de cargos eletivos ocupados pela família Velloso Borges:


Cargos eletivos ocupados pela família Velloso Borges / Fonte: . Organização da autora.

A rede política de Aguinaldo ia além de seus parentes próximos, incluindo amigos junto aos quais o usineiro tinha prestígio e respeito e que, por isso mesmo, foram decisivos para a proteção que o usineiro recebeu ao longo de toda a sua vida, falecendo sem ter sido levado à Justiça pelos assassinatos de João Pedro Teixeira e Margarida Maria Alves, dos quais foi apontado como mandante.

 

*Doutora em Geografia pela UFPB. Atualmente é professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA.

Edição: Heloisa de Sousa