Os meios de comunicação exercem um papel crucial na conscientização e formação da opinião pública
Por Mabel Dias*
“Em quem confiar? O marido que diz que ama a mulher e faz isso? A gente vê um negócio desse e lembra de Whindersson Nunes; confiando na mulher, levou um par de chifres de lascar!”
“É negócio de satanás mesmo, né? Porque a mulher apanha, apanha e depois perdoa o marido.”
Essas são algumas frases ditas por apresentadores e repórteres de programas de TV, em João Pessoa, ao comentar reportagens sobre casos de feminicídio e violência contra as mulheres. O primeiro diz respeito ao feminicídio de Pâmela Bessa, em Poço José de Moura, em 2020, grávida de 6 meses e assassinada pelo marido, e o segundo relacionado a outra mulher, agredida pelo namorado, em um apartamento, no bairro dos Bancários, também no ano de 2020.
Na TV aberta da Paraíba, situações como essas acontecem cotidianamente, principalmente em programas classificados como policialescos. Além do discurso machista em relação às mulheres, há também a exposição de mulheres agredidas em reportagens, recheadas de sensacionalismo, exibidas em horário nobre na televisão paraibana, entrevistas com os agressores, romantização de casos de violência sexual, culpabilização das mulheres vítimas e sobreviventes e desinformação sobre os serviços que prestam assistência às mulheres e sobre as leis que as protegem.
O Guia de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres: diretrizes para uma cobertura responsável trata dessas situações. Lançado no último 6 de setembro pela Secretaria de estado da Mulher e da Diversidade Humana, o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Observatório Paraibano de Jornalismo e a Rede de Atenção às Mulheres Vítimas de Violência da Paraíba (REAMCAV), o Guia traz recomendações para os meios de comunicação da Paraíba, visando a promoção de uma cobertura dos casos de violência contra as mulheres e de feminícidio de maneira ética e sem violações aos direitos humanos, frisando também as responsabilidades que os meios de comunicação, como rádio, TV e sites têm ao divulgar seus conteúdos.
A Constituição Federal e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, da Organização das Nações Unidas (ONU) são algumas das leis que trazem responsabilidades aos meios de comunicação no Brasil. A Constituição Federal, em seu artigo 221, inciso I, afirma que a mídia deve prezar por conteúdos com finalidades educativas, informativas e culturais.
Já a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, assinada pelo Brasil, estabelece que “os Estados Partes condenam a discriminação contra a mulher, em todas as suas formas”, e o protocolo de Beijing, elaborado durante a 4º Conferência Mundial da Mulher, realizada em Pequim, em 1995, estabelece em seu capítulo J, intitulado “A Mulher e os Meios de Comunicação”, que sistemas de comunicação, governos e ONGs devem adotar medidas para estimular o equilíbrio entre os gêneros, coibir a imagem estereotipada da mulher na mídia e aumentar a participação feminina, nos diversos tipos de mídia.
Nesse sentido, e sob a inspiração do Guia de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres: diretrizes para uma cobertura responsável, o Ministério Público Federal, o Ministério Público da Paraíba e a Defensoria Pública do Estado da Paraíba, aliadas à Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana, o Intervozes, o portal Paraíba Feminina e o Departamento de Jornalismo da UFPB elaboraram duas recomendações: uma para os meios de comunicação hegemônicos da Paraíba, como rádio e TV (concessões públicas) e blogs e sites, para que se atentem a não violação dos direitos humanos das mulheres, em reportagens que tratem sobre casos de violência de gênero e de feminicídio. Os documentos foram assinados na terça-feira (10), Dia Internacional dos Direitos Humanos, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), secção Paraíba, pela Defensora Pública do Estado, Lorena Oliveira, a promotora de Justiça, Rosane Araújo e o procurador da República, José Godoy.
A segunda recomendação está direcionada para as Secretarias de Comunicação do governo da Paraíba e da Assembleia Legislativa da Paraíba para que, no âmbito das contratações, diretas de publicidade e de forma indireta de empresas e agências de publicidade, firmem nesses contratos o acatamento da recomendação, que visa a proteção dos direitos das mulheres e o estabelecimento de uma mídia que respeite os direitos humanos.
Tanto os entes que elaboraram o Guia, quanto os que elaboraram as recomendações, vem se empenhando há anos em relação a esta pauta. Um dos marcos desta questão aconteceu em 2018, quando o movimento de mulheres e feminista da Paraíba protestou em frente a emissora de TV Arapuan, em João Pessoa, contra as falas misóginas e racistas de um apresentador de programa policialesco, contratado pela empresa. O protesto resultou em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com a emissora, e uma Ação Civil Pública contra o apresentador, que se tornou réu na Justiça Federal da Paraíba. No entanto, as violações de direitos humanos na mídia paraibana não cessaram, ficando mais graves a cada dia.
Os meios de comunicação exercem um papel crucial na conscientização e formação da opinião pública, porém, em busca de audiência e do lucro gerado por ela, têm apelado para a produção de programas com conteúdo misógino, racista, LGBTfóbico e anti-jornalístico. É importante que a sociedade paraibana e os movimentos sociais também se engajem nesta questão, pois será a ação coletiva que irá coibir e fazer valer as recomendações e as legislações voltadas ao setor da mídia no Brasil.
Além do Guia para uma Cobertura Responsável da Mídia e das recomendações, assinadas pela Procuradoria da República, o Ministério Público da Paríba e a Defensoria Pública estadual, uma campanha para as redes digitais também foi elaborada e está sendo divulgada nas plataformas. São cards e vídeos que buscam conscientizar aquelas e aqueles que fazem a mídia paraibana sobre as suas responsabilidades ao informar sobre a violência contra as mulheres e o feminicídio, questionando: “E se fosse sua mãe ou sua filha, como você daria a manchete?”
Para acessar as peças, as recomendações e o Guia, basta clicar neste link.
*Mabel Dias é jornalista, associada ao Coletivo Intervozes, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo e conselheira da COAR- Agência Nordestina de Checagem Independente. Mestra em Comunicação pela UFPB, doutoranda em Comunicação pela UFPE e autora do livro A desinformação e a violação dos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional, da editora Arribaçã.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato Paraíba.
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Edição: Carolina Ferreira