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Coluna

O risco presente na propagação dos alimentos ultraprocessados

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"Os ultraprocessados são produtos fabricados industrialmente que contém ingredientes artificiais [...]." - Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Arquivo
O que são esses alimentos ultraprocessados?

Por Ana Loísa Brito Duarte Gomes* e Alexandre Cesar Cunha Leite**

Ao nos referirmos a problemas de ordem nutricional, é importante atentarmos na mesma intensidade ao conteúdo nutricional dos alimentos, pois a fome não se limita ao problema de restrição ao acesso ou à ausência dos alimentos. Há estudos suficientes que indicam que a prevalência de fome e da desnutrição entre crianças menores de idade está diretamente relacionada a fatores sociais, como a falta de cuidados pré-natais, a falta de saneamento básico, a dificuldade de acesso a serviços de saúde e a falta de recursos financeiros, o que pode levar à procura por alimentos mais baratos, como os ultraprocessados. 

: Como pensar nutrição e saúde alimentar pelas lentes do social :

Refletir sobre alimentação e sobre o alimento passa também por entender a dinâmica do mercado alimentício e a criação de uma cultura alimentar impulsionada pela globalização e a prevalência de padrões alimentares acelerados, prontos para consumo, como fast food e as refeições congeladas. A disseminação desse tipo de alimento tende a resultar no consumo de dietas não centradas em qualidades nutricionais, mas que se encaixam de forma mais adequada à velocidade proposta pelo sistema capitalista. Um sistema voltado absolutamente para a geração de ganhos em escala crescente requer velocidade de circulação de bens e serviços. 

Essas grandes corporações (na maioria oligopólicas) [...] criam novos padrões de consumo, apresentando ao público consumidor 'novidades' alimentares que, em sua maioria, não entregam valor qualitativo nutricional.

Assim, entendendo que as grandes corporações do setor alimentício fazem parte desta dinâmica acelerada, é coerente e imperativo que elas adequem sua produção ao ritmo acelerado da vida cotidiana atual. Uma consequência já observada é que essas grandes corporações (na maioria oligopólicas) tendem a impulsionar a promoção do consumo dos alimentos ultraprocessados de baixo valor nutritivo e criam novos padrões de consumo, apresentando ao público consumidor “novidades” alimentares que, em sua maioria, não entregam valor qualitativo nutricional.

Mas o que são esses alimentos ultraprocessados, como são apresentados e por que há alto consumo mesmo havendo tantos malefícios para a população? Os ultraprocessados são produtos fabricados industrialmente que contém ingredientes artificiais, como corantes, conservantes, açúcares e sódio, possuem um alto valor calórico, mas são pobres em nutrientes essenciais. Normalmente, são ricos em aditivos químicos artificiais que ressaltam a percepção gustativa e sua palatabilidade tornando o alimento mais atrativo via componentes que destacam seu sabor. Esses alimentos apresentam-se mais acessíveis ao consumo, seja via preços seja via “economia de tempo” no preparo. Portanto, adequam-se facilmente ao ritmo de vida acelerado contemporâneo. 

Nesse contexto, as grandes corporações alimentícias focam na produção desses alimentos devido ao seu alto valor energético e baixo custo de produção, priorizando o lucro em detrimento do conteúdo nutricional. Tal prática permite que essas mercadorias sejam frequentemente oferecidas a preços acessíveis (baixos em comparação aos alimentos naturais sem presença de modificações químicas), favorecendo sua disponibilidade e variedade no mercado. 

Uma consequência dessa prática produtiva por parte das grandes corporações é a segmentação do mercado consumidor e de práticas de propaganda que promovem tais produtos, mal informando o consumidor sobre suas características. Quer identificar como isso ocorre? Simples: compare como são as campanhas das empresas produtoras e das grandes redes de supermercados quando estas vão ofertar e divulgar marcas de biscoitos recheados e como elas divulgam o feijão. Observe os recursos utilizados para propagar sucos artificiais e refrigerantes em comparação ao velho, bom e saudável suco de laranja natural (sem conservantes). 

Os alimentos ultraprocessados são responsáveis indiretamente por 57 mil mortes anuais no Brasil, representando 10,5% das mortes precoces de brasileiros entre 30 e 69 anos.

Mas por que é necessário compreender essa diferença entre os tipos de alimentos? Uma pesquisa realizada por um consórcio composto por instituições como a Universidade de São Paulo (USP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidad de Santiago de Chile, publicada em 2022, revelou que os alimentos ultraprocessados são responsáveis indiretamente por 57 mil mortes anuais no Brasil, representando 10,5% das mortes precoces de brasileiros entre 30 e 69 anos. Este dado faz com que seja urgente reavaliar o modelo alimentar atual e refletir sobre a ascensão no consumo de alimentos ultraprocessados. 

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), os principais fatores de risco para mortalidade nas Américas são a hipertensão, a diabete e a obesidade; não por acaso, doenças que estão diretamente associadas à alimentação com excesso de açúcares, gorduras e sódio. Também não é coincidência que tais ingredientes estejam presente em altos níveis nos alimentos ultraprocessados.

De acordo com o relatório da OPAS, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) - são condições de saúde de longa duração, como diabetes e doenças cardíacas, que não podem ser transmitidas de uma pessoa para outra e geralmente estão ligadas a fatores de estilo de vida - foram a principal causa de morte na região das américas, com uma taxa de mortalidade de 412 mortes por 100 mil habitantes em 2019 para homens e mulheres.

É necessário refletir sobre a capacidade e o poder das grandes corporações do setor alimentício global.

Pelo que foi apresentado até aqui, é possível compreender que é necessário refletir sobre a capacidade e o poder das grandes corporações do setor alimentício global. Essas corporações têm domínio de mercado, têm mecanismos sofisticados de convencimento, têm um enorme aparato logístico e detêm uma grande variedade de produtos; produtos estes que são comprovadamente prejudiciais à saúde. Ainda, essas corporações possuem força política suficiente para capturar e influenciar decisões de políticas públicas. Lobby, persuasão, captura e ganhos econômicos são alguns dos mecanismos utilizados para moldar decisões políticas em prol dos seus interesses e em detrimento da população. 

No ano de 2022, entrou em vigor a lei de rotulagem de alimentos (RDC 429/2020 e a IN 75/2020), cujo objetivo é tornar mais claras as informações nutricionais dos rótulos de alimentos, ajudando o consumidor a fazer escolhas mais conscientes. A implementação dos rótulos de advertência frontal presente em alimentos e bebidas processados representa um passo inicial importante para enfrentar os problemas relacionados aos ultraprocessados. No entanto, a eficácia dessa medida é limitada pela falta de políticas complementares como campanhas informativas e educacionais sobre os efeitos do consumo dos ultraprocessados. No Brasil, o objetivo da lei foi “facilitar a compreensão, respeitando a liberdade de escolha de todas as pessoas”, a redução dos níveis de obesidade e doenças crônicas não foi um propósito explícito. 

Os vetores que levam a uma melhoria qualitativa na alimentação da população, e consequentemente na saúde desta, são mais complexos e mais integrados do que a mera avaliação do acesso ao alimento. A ausência de políticas informativas e educativas conjugada com a força dos grandes conglomerados oligopolistas que dominam a cadeia produtiva alimentar acabam criando um ambiente favorável ao superlucro e desfavorável à saúde da população. A ação destas grandes corporações disseminando o consumo de alimentos ultraprocessados, associada à sua envergadura e controle da cadeia produtiva e logística, tornam o cenário inóspito, dificultam a implementação de políticas públicas e afetam a saúde da população, especialmente da camada de renda mais baixa. Isso indica que é essencial questionar o impacto dessas práticas na saúde pública e reconhecer que a construção de soluções eficazes de regulação deve vir do Estado, ao entender que só o Estado possui a capacidade e a escala necessárias para abordar essas questões na sua amplitude. 

*Ana Loísa Brito Duarte Gomes é discente do curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), integrante do Saciar LAB - Laboratório de Economia Política da Fome.

**Alexandre Cesar Cunha Leite é docente da UEPB, coordenador do Saciar LAB e criador da Cozinha Solidária SACIAR (@_saciar), pesquisador do FomeRI (Fome e Relações Internacionais/UFPB).

***Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB

 
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Edição: Carolina Ferreira