Após anos evitando a disputa eleitoral direta, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciou uma nova fase, focada em conquistar espaços legislativos no Brasil. O maior movimento social da América Latina, conhecido por suas marchas pela reforma agrária e apoio a candidaturas progressistas, decidiu adotar uma postura mais ativa após o avanço do conservadorismo durante o governo Bolsonaro e o fortalecimento da bancada ruralista. Em 2022, o movimento já havia lançado 15 candidaturas para as assembleias legislativas, elegendo 6 representantes, entre eles 2 deputados federais e 4 estaduais, em Pernambuco e Ceará.
A estratégia para 2024 é eleger um número maior de representantes, tanto assentados quanto aliados, para as Câmaras Mnicipais em todo o Brasil. A renovação política proposta pelo movimento vai além das bandeiras tradicionais de acesso à terra e produção de alimentos saudáveis. As candidaturas do MST também abordarão temas como a defesa da educação pública, o resgate das políticas sociais e o combate ao machismo e à LGBTfobia.
Nessa segunda-feira (12), candidatos de pelo menos 14 cidades paraibanas (Patos; Pedra de Fogo; Pitimbu; Casserengue; Caaporã; Mari; João Pessoa; Campina Grande; Alhandra; Sumé; Santa Rita; Riachão do Poço; Aparecida; Monteiro) que representarão o MST nas eleições municipais reuniram-se no Centro de Formação Elizabeth e João Pedro Teixeira, em Lagoa Seca, próximo a Campina Grande. Durante o encontro, alguns dos 22 candidatos/as, entre integrantes e aliados do movimento, estiveram com lideranças do MST, assessores e equipes de apoio para definir estratégias para as eleições de outubro.
O evento contou com a participação de representantes de partidos de esquerda e centro-esquerda, além de outros movimentos sociais paraibanos, que demonstraram apoio e se comprometeram com a participação ativa nas campanhas. As discussões abordaram a conjuntura nacional, as posições estratégicas e históricas do MST, além de uma análise detalhada de cada candidatura, considerando suas possibilidades, viabilidades e propostas.
Para Dilei Schiochet, coordenadora do Movimento na Paraíba, é hora de ocupar os espaços legislativos com a militância:
"A proposta é ocupar um novo espaço, o poder legislativo, que há tanto tempo foi cedido a outros. No entanto, nem sempre esses outros falaram por nós. Chegamos à conclusão de que quem deve falar por nós somos nós mesmos, os oprimidos e os mais excluídos da classe trabalhadora deste país — aqueles sem saúde, sem terra, sem casa, sem trabalho, sem emprego ou sem escola. É por isso que o MST quer ousar, ouvir e falar. Não estamos ocupando esse espaço apenas por ocupar; estamos ocupando esse espaço para construir um projeto de nação para o povo brasileiro", destacou ela, durante a reunião.
Assista aqui um vídeo com a Dilei falando sobre este momento.
Dilei Schiochet / Foto: Carla Batista - Comunicação MST/PB
Reuniões similares estão acontecendo em todo o Brasil, com a expectativa de que o MST consiga ajudar a eleger diversos representantes comprometidos com a luta pela reforma agrária e o combate à fome e à pobreza, tanto no campo quanto na cidade.
De 09 a 11 de julho, houve um encontro das candidaturas do MST a nível nacional, numa plenária com a presença de mais de 300 candidaturas que se lançaram à disputa institucional das eleições de 2024 para prefeito e vereador.
"Diante da conjuntura, que não é favorável não só para o MST, mas também para a esquerda, com uma ampla bancada de direita, centro-direita e o avanço das pautas conservadoras, entendemos que é nossa responsabilidade, pelo acúmulo que temos nesses 40 anos, fazer essa disputa dentro das esferas institucionais. Temos um conjunto de militantes a nível nacional, com mais de 700 candidaturas, onde esses militantes se colocam a serviço dessa disputa. Nós, da Paraíba, também teremos diversas candidaturas a nível estadual, para vereadores e vereadoras, frutos de nossos assentamentos e acampamentos, além de companheiros aliados que têm uma história atrelada ao MST ao longo desses 40 anos", explica Débora Mendonça, direção do MST na Paraíba.
Para ela, é importante o alinhamento com as pautas históricas o movimento: "Não nos interessa participar do processo disputando com as mesmas práticas que contestamos. Queremos que esse processo também seja dialogado com a nossa história. Estamos muito animados, e ontem foi um momento muito importante em Lagoa Seca-PB, onde reafirmamos esse compromisso de fazer as disputas nas redes, nas ruas e agora nas urnas.
O programa tem que ser bem delineado: "Estamos vivenciando, nesses últimos anos, uma disputa de classe muito clara e explícita, que se intensificou de 2015 para cá. Em 2015, tivemos uma disputa acirrada nas eleições de Dilma, seguida pelo golpe, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro. Nesse último processo eleitoral, conseguimos uma vitória elegendo o companheiro Lula, mas não conseguimos concretizar essa vitória na política. Basta olhar para as representatividades nas assembleias legislativas e no Senado; o governo fica muito acuado por conta dessa bancada que está alinhada às pautas da direita e centro-direita", conclui Debora
Depoimentos de algumas candidaturas definidas
- Sueles Fideles, é candidata, em Pitimbu, litoral sul da Paraíba, pelo PDT; ela é filha e neta de assentados da Reforma Agrária.
"Comecei a me engajar muito cedo, e aos 17 ou 18 anos já estava na direção estadual do MST na Paraíba. Participar desse processo enquanto movimento sem terra, quando a organização decide que nossa luta vai além da conquista da terra e da dignidade nos assentamentos, é fundamental. Precisamos também ocupar o campo legislativo, e essa foi uma das escolhas do movimento. Colocar o nome nessa bandeira é uma grande emoção, especialmente porque, durante a pandemia e nos últimos seis anos de desgoverno, entendemos que o movimento sempre defendeu algum partido, sempre defendeu algum candidato, sempre tomou partido no processo eleitoral. Nunca ficamos em cima do muro. Hoje, o movimento defende com muita segurança e convicção que essa frente parlamentar é necessária para que possamos avançar em outras áreas, principalmente nas políticas públicas que tanto defendemos para moralizar nossos pensamentos. Observamos que, em toda a América Latina, há um ataque aos poderes legislativo e executivo, e isso tem suas razões. Precisamos fazer diferente, promover um contra-ataque e uma formação que não houve no primeiro governo Lula, colocando os quadros da militância para liderar essa luta e esse enfrentamento. Nossa campanha tem a tarefa de ser diferenciada, alcançando a população com debates ideológicos e sobre políticas públicas, ou a falta delas, e seus impactos. Esta é também uma campanha de formação de base, que utiliza nossos instrumentos para ampliar o nível de organização e a consciência do nosso povo".
- Augusto Belarmino de Souza é assentado no assentamento Che Guevara, município de Casserengue, e é pré-candidato pelo PT
"Nós analisamos a situação na América Latina, observando o processo reacionário crescente e a ascensão do fascismo. Vemos isso na disputa política em países como Peru, Venezuela e Argentina. Isso nos faz valorizar a importância do processo público que enfrentamos atualmente. É essencial termos milhares de pessoas da área social para disputar espaços nas instâncias legislativas, seja nas câmaras de vereadores, assembleias ou qualquer outro espaço que possa apoiar a reforma agrária popular e outras lutas dos povos. Ao estudar a composição da América Latina, percebemos que este é o momento de avançar, trazendo novos quadros políticos dos movimentos sociais para o parlamento, a fim de discutir leis que beneficiem não só o homem do campo, mas toda a população, incluindo a luta pelos direitos das mulheres, da juventude e a pauta da reforma agrária. Hoje, o movimento discute a importância de formar novos quadros, preparando-os para a disputa de ideias não apenas no processo público, mas também nas trincheiras de luta: ocupações de terras, manifestações de rua e, principalmente, na elaboração de projetos públicos nas Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas. Essa conjuntura é crucial para a militância de esquerda, e eu estou envolvido nesse propósito, discutindo medidas que beneficiem os povos. Estamos firmes e fortes, cientes de que é de extrema importância ocupar todos os espaços. Se antes isso já era importante, agora, com a direita e o fascismo avançando, é ainda mais crucial que bons militantes estejam à frente, propondo novos projetos que realmente beneficiem a sociedade.
- Elenice é pre-candidata na cidade de Mari pelo PSB, e assentada da Reforma Agrária;
"Olá, meu nome é Elenice, conhecida como "Ministra" no assentamento. Sou assentada da reforma agrária e estou aqui no assentamento onde cultivamos mandioca e produzimos polpa de fruta para a cooperativa.
Eu acredito que toda essa disputa política ocorre porque o movimento percebeu a necessidade de disputar as câmaras municipais para garantir que o nosso povo seja representado. O que vemos é que as pessoas só procuram a nossa base a cada quatro anos, sem dar a devida importância ao nosso processo contínuo de luta.
Sou candidata a vereadora na cidade de Mari, no estado da Paraíba, e para mim é um grande orgulho fazer parte dessa luta. Ser uma das pessoas escolhidas pelo movimento para ocupar o legislativo é muito gratificante. Sinto-me honrada por ter sido selecionada entre tantos outros quadros.
As principais pautas da minha campanha incluem o combate à fome, a produção de alimentos saudáveis, a defesa do meio ambiente, a luta por moradia, educação, cultura, saúde e a luta das mulheres. Tenho certeza de que o movimento acertou ao criar essa frente política, pois, se não ocuparmos esses espaços, não conseguiremos defender nosso futuro.
Reprodução / Imagem: Reprodução
- Marcos Freitas, ou Marquinhos Nossa Voz, é pré-candidato a vereador de João Pessoa pelo PT, militante dos movimentos sociais, colaborador em dezenas de movimentos sociais, partido, sindicatos, além de construir hoje em dia o Movimento Brasil Popular. É servidor público na Universidade Federal da Paraíba.
"O papel que o movimento Sem Terra cumpriu na luta de classes no Brasil foi de suma importância, especialmente na luta política pela preservação da democracia: contra o impeachment da presidente Dilma, contra a prisão de Lula, pela eleição de Lula e pela derrota de Bolsonaro. Além disso, a garantia de que os alimentos produzidos pelos trabalhadores do campo chegassem aos trabalhadores da cidade reposicionou os movimentos sociais na sociedade brasileira. Isso revelou a verdadeira face do movimento: um movimento que luta pelo bem da vida e por um projeto popular que resolva os problemas do povo brasileiro. Muitas pessoas, incluindo artistas e militantes, têm se identificado com essa luta. O movimento não poderia delegar essa responsabilidade a políticos de carreira, por assim dizer. Portanto, o MST se desafia a convocar companheiros e companheiras para assumirem a tarefa de serem candidatos e ocuparem o "latifúndio" legislativo. Dessa forma, nós mesmos, com nossas vozes, poderemos escrever as leis que visam resolver os problemas do povo, promovendo a produção de alimentos, combatendo a emergência climática e estabelecendo políticas que preparem as cidades para enfrentar os desafios climáticos, como o calor excessivo e as chuvas intensas que têm ocorrido, por exemplo, no Rio Grande do Sul e em João Pessoa. É crucial que obtenhamos bons resultados nesse acúmulo de forças para a democratização da política brasileira"
Para fortalecer a militância e os ideais socialistas, Dilei retoma as palavras do Comandante Che Guevara: "Nosso primeiro compromisso, como dizia Che Guevara, é 'sentir profundamente que qualquer injustiça, em qualquer parte do mundo, é uma ameaça à justiça em todo lugar.' Portanto, defender a Palestina, defender a Venezuela e defender o internacionalismo é tarefa de cada militante que ocupar o parlamento neste país", arremata ela.
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Edição: Cida Alves