Paraíba

Coluna

A MPB morre de morte matada

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Imagem grafitada no portão de uma loja, em João Pessoa - Foto: Ulisses Barbosa
Um minuto para o fim do mundo

Por Ulisses Barbosa*

“Meu canto à alguns incomoda, nos outros dói demais. Mas o que eu posso fazer? Não posso agradar com a minha dor. Meu canto pode ser muito, nos outros, afunda o pudor…” - Rosa Varjão

Começo este texto com esse refrão, ou parte de uma letra, composto por Rosa Varjão que, além de amiga pessoal, jornalista experiente e ativista, é também cantora testada e aprovada pelos palcos da vida. Rosa vive hoje em Juazeiro - BA, aposentada mas não calada, e com esse canto ela expressa sua solidariedade a uma colega/amiga que viveu no mês passado, talvez,  uma das maiores violência que uma ou um artista pode sofrer: a censura e o desrespeito ao seu trabalho.

O caso viralizou nas redes sociais; a artista foi expulsa do palco junto com seu parceiro por, supostamente, não estar dentro da linha musical da casa. No momento da grotesca “interrupção”, ela cantava uma música de Zé Ramalho. Os artistas em questão são Cida Alves e Leandro Silva, ambos excelentes representantes dessa categoria cada vez mais sufocada e maltratada no circuito musical de João Pessoa, a saber: bares, restaurantes, casas de shows e eventos (públicos e privados). A casa responsável pela agressão: BOTECO GAIATO.

Que a Paraíba é um “celeiro” de grandes artistas, isso ninguém tem dúvidas. Poderia enumerar vários talentos que conheci e ouvi ao longo dos meus 27 anos de Paraíba e palcos, mas não vou fazê-lo por dois motivos; o primeiro, seria um livro só de nomes; segundo, ainda assim poderia incorrer no erro da omissão e, além disso, fugiria do propósito deste texto que é exatamente falar desse desrespeito e desprezo aos artistas locais. 

E nem é preciso muito esforço para constatar isso. A maioria que atua na noite regularmente recebe cachês irrisórios para o prazer que proporcionam; outros ainda dependem do “couvert artístico” que sempre é uma variável, nem sempre positiva. Mas mesmo assim, lá estão eles emprestando seus talentos para entretenimento dos frequentadores, que cantam juntos e/ou pedem suas favoritas.

Quando falo dos artistas da noite, falo também daqueles que ganharam alguma projeção, formaram seus públicos e, com isso, fazem shows com um pouco mais de recursos e visibilidade. Mas estes também, mesmo com músicas autorais que “bombam” nos “streamings” - mas nunca nas rádios locais - também enfrentam a discriminação em grande eventos (públicos ou privados) que vai desde a passagem de som, camarins precários até, e principalmente, a diferença abissal de cachês. Quando o evento é público ainda tem que enfrentar a demora do pagamento, “que já foi empenhado”, mas demora sair dependendo da “boa vontade" do gestor. 

Vou usar um exemplo gritante, diria até, estridente, já que falamos em música e músicos, que é o maior “São João do Mundo”, que para mim mais parece uma festa cover de Barretos, que é imitado por outras cidades paraibanas neste período da maior festa do NORDESTE, que não tem nordestinos no palco, e os que têm, são humilhados com cachês irrisórios, o de Campina Grande por exemplo é de R$ 800. 

Imagina a humilhação do artista que canta sua terra, canta o forró, que é o motivo da festa, relegado a essa condição de coadjuvante em sua própria casa. Enquanto isso, atrações que em nada representam a festa recebem, adiantados, seus cachês milionários, não vou nem entrar no mérito da lavagem ou desvio de dinheiro público nesse processo que está na mira da receita federal e outros órgãos de fiscalização.

Voltando ao descaso com nossos artistas e nossa cultura, vi um anúncio de um gestor de um dos principais equipamentos de cultura de João Pessoa de um périplo de uma comitiva pela Europa para divulgar o forró com nosso patrimônio imaterial. Ótima iniciativa, claro, se aqui dentro, na terrinha mesmo, os que fazem esse patrimônio reverberar em bares, eventos e shows Brasil afora tivessem o devido reconhecimento aqui dentro. Não ouvi um único pronunciamento oficial de nenhum gestor cultural ou até mesmo autoridades do estado chamando a atenção para o respeito que deveria ser dispensado aos nossos talentos. Aqui, “farinha pouca, meu pirão primeiro”, não vale.

Então volto ao começo, volto ao canto de Rosa Varjão, que poderia ser um aboio, expressão nordestina afirmada por Luiz Gonzaga e que remete a rotina dos vaqueiros. Não é um canto de tristeza, é um canto de vida. Como disse Nietzsche, sem música a vida seria um erro. E eu digo, sem nossas e nossos artistas a vida seria uma chatice. Respeitem os artistas da música paraibana (MPB)!

*Ulisses Barbosa é Jornalista, Radialista e Mestre de Cerimônia

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.


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Edição: Heloisa de Sousa