Paraíba

Coluna

E se os territórios populares fossem prioridades públicas?

Jardim Continental, em Campina Grande. - Foto: Bruna Almeida.
Ao longo do tempo, como esses territórios foram tratados pelos governos no Brasil?

Por Lívia Miranda* e Demóstenes Moraes**

Os territórios populares, com suas várias origens, configurações e denominações (favelas, loteamentos irregulares, comunidades urbanas etc.) constituíram-se nas principais alternativas habitacionais e de inserção nas cidades brasileiras para a população em situação de pobreza. Foram autoconstruídos a partir da ocupação em terras mais baratas pela falta infraestruturas e serviços urbanos e por estarem, em sua maioria, em áreas de fragilidade e risco socioambiental.

As estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, apontaram para 13.151 favelas e comunidades urbanas, com mais de cinco milhões de domicílios. Vale ressaltar que em função de limitações metodológicas, técnicas e de parâmetros, esses dados tendem a não abranger todo o universo dos territórios populares.

Tais processos não foram diferentes em João Pessoa e Campina Grande, os maiores municípios do estado da Paraíba. João Pessoa, capital do estado, com população de 833.932 pessoas (IBGE, 2022) e índices de pobreza de 52,98 e de Gini de 0,50 (IBGE, 2023), conta com 103 aglomerados subnormais com mais de 135 mil pessoas, segundo estimativas do IBGE em 2019 (IBGE, 2020). Campina Grande, segundo maior município do estado, com população de 419.379 mil pessoas pelo Censo 2022 do IBGE e índices de pobreza de 58,88 e de Gini de 0,45 (IBGE, 2023), conta com 22 aglomerados subnormais em Campina Grande.

Os últimos estudos oficiais abrangentes realizados em João Pessoa e em Campina Grande foram realizados no âmbito do Programa Habitar Brasil/BID, em 2007 e em 2001, respectivamente. Foram identificados a partir desses estudos,110 territórios populares em João Pessoa registrados no Relatório do Diagnóstico Consolidado dos Assentamentos Urbanos Irregulares. Em Campina Grande, no âmbito do subprograma de Desenvolvimento Institucional do Programa Habitar Brasil/BID, 38 territórios populares. 

Os levantamentos posteriores realizados em ambos os municípios foram pontuais para áreas que tiveram investimentos públicos para a urbanização, principalmente aquelas que receberam recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

A partir de estudos, ainda em processo, do Observatório das Metrópoles – Núcleo Paraíba, que consideram as estimativas do IBGE, mas que tiveram outras referências, foram identificados cerca de 170 territórios populares em João Pessoa e 50 em Campina Grande. 

Em função da precariedade e dos riscos socioambientais, os territórios populares, identificados nas cidades brasileiras desde o século XIX e recenseados a partir dos anos 1950, se caracterizam como espaços de subcidadania e de negação de direitos. Mas ao longo do tempo, como esses territórios foram tratados pelos governos no Brasil?

Entre o abandono, as remoções e as urbanizações parciais

O abandono e as remoções discriminatórias e higienistas realizadas desde o século XIX predominaram e ainda têm grande expressão até hoje. As urbanizações e legalizações das posses nos territórios populares só passaram a integrar políticas públicas a partir dos anos 1980, com alcances variados.

Os territórios populares de João Pessoa e Campina Grande têm sido objeto de intervenções de urbanização e regularização desde os anos 1980, porém, em sua maioria, ainda são integrados por subáreas com condições urbanísticas, infraestruturais e ambientais precárias. 

O alcance variado e parcial das intervenções de urbanização, associado às dinâmicas de adensamento e expansão desses territórios e o surgimento de novos, expressa as dificuldades da população em situação de pobreza tem em garantir os direitos à moradia e à cidade.

Antes do desmonte das políticas urbanas em âmbito federal e da imposição de uma agenda ultraliberal após o golpe de 2016, foram realizados investimentos públicos federais sem precedentes na urbanização dos territórios populares. O Programa de Aceleração do Crescimento, principalmente, por meio do subprograma de Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP), tornou-se o maior programa nacional de urbanização desses assentamentos, tendo investido mais de 29 bilhões de reais e cerca de duas milhões de famílias beneficiadas. 

Em João Pessoa, no âmbito do PAC-UAP, foram realizadas intervenções parciais, algumas incompletas. Quatro delas estão sendo retomadas a partir do Novo PAC, no âmbito do Programa Periferia Viva: Urbanização Rio Sanhauá; Urbanização da Comunidade Maria de Nazaré; Urbanização do Bairro São José; e Urbanização Saturnino de Brito. Em Campina Grande, foram quatro projetos de urbanização e regularização, desde 2007, com as Urbanizações do Bodocongó e de Novo Horizonte estão sendo retomadas pelo Periferia Viva. A retomada de algumas dessas obras decorre de problemas relacionados às insuficientes capacidades estatais e das empresas executoras, mas também, da falta de informações e dados sobre os territórios populares.

Para a promoção de políticas redistributivas e inclusivas nos e a partir dos territórios populares, é fundamental disputar a agenda pública municipal.

Nesse sentido, as informações e dados atualizados sobre suas condições são imprescindíveis para qualificar demandas e propostas.  

Para priorizar, é preciso reconhecer

O reconhecimento crítico do abandono histórico e do tratamento discriminatório e violento promovido por órgãos e agentes públicos nos territórios populares, prevalecentes até hoje, é imprescindível para que seja possível redirecionar e transformar a atuação pública nesses assentamentos.

Em função da omissão pública, parte expressiva desses territórios passou a ser controlada por redes de tráfico de drogas e de milícias.

Para enfrentar as desigualdades estruturais que marcam as cidades brasileiras e transformar as condições precárias e de risco que ameaçam e impedem a reprodução dos vulnerabilizados nos territórios populares, é fundamental atuação estatal abrangente, multidimensional, integrada e permanente nesses territórios articulada à participação ampla de seus moradores. 

Os territórios populares, contudo, para além das intervenções públicas, devem ser reconhecidos em sua complexidade e, também, a partir das identidades, práticas e iniciativas das pessoas que lá vivem. 

E para esse reconhecimento, é imprescindível a participação de seus moradores nas decisões sobre os projetos e intervenções que os afetem, mas também sobre os rumos do desenvolvimento de suas cidades. Seria possível, ainda, fomentar não apenas a ampliação do controle social no acompanhamento das ações públicas nos territórios populares, mas avançar na cogestão dessas intervenções.

Desse modo, poderiam ser ampliadas as perspectivas de reconstrução material e simbólica pelos moradores de seus territórios e, também de integração e sustentabilidade das intervenções, concebidas, apropriadas e construídas por eles. É necessário a identificação das forças políticas que sempre estiveram comprometidas com a democracia e com as causa populares.

Em um contexto de eleições municipais, para que se alcance na agenda pública uma prioridade aos territórios populares e para a construção de políticas abrangentes, multidimensionais, integradas e permanentes neles, é necessário a identificação das forças políticas que sempre estiveram comprometidas com a democracia e com as causa populares, mas, além disso, é necessária uma articulação de movimentos e organizações que atuam nesses territórios para incidir politicamente por esta prioridade, tendo o direito à cidade como horizonte de transformação.

Referências 

IBGE. Aglomerados subnormais - resultados preliminares 2019. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020.

*Lívia Miranda é professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFCG e das Pós-graduações em Desenvolvimento Urbano e Geografia (UFPE) e Desenvolvimento Regional (UEPB); pesquisadora do INCT Observatório das Metrópoles e da Coordenação do FNRU; e diretora da Associação Nacional de Pós-graduação e Planejamento Urbano - ANPUR. 

**Demóstenes Moraes é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFCG; pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles; integrante da Coordenação do FNRU e dos Conselhos do BrCidades e do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.


***Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

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Edição: Carolina Ferreira