Paraíba

Coluna

Desafios à democratização da gestão urbana participativa de Campina Grande

Primeira Audiência Pública do processo de revisão do Plano Diretor de Campina Grande, realizada em 23 de fevereiro de 2024. - Captura de tela.
A gestão democrática em Campina Grande, quando constituída, tem se dado por processos controlados

Por Maria Jackeline Carvalho* e Demóstenes Moraes**

O direito à cidade depende do exercício de um poder coletivo para remodelar os processos de urbanização, da vida urbana como condição de renovação da democracia (LEFEBVRE, 2001). 

Algumas questões do contexto recente da gestão urbana nas cidades brasileiras se colocam como importantes à reflexão sobre a democratização das decisões referentes ao desenvolvimento urbano, principalmente, no contexto das eleições municipais: a fragilização dos instrumentos e instâncias de gestão democrática e de controle social, como os conselhos das cidades; e a concentração de decisões nos gestores públicos, muito influenciados por interesses de agentes econômicos e políticos. 

No presente artigo são discutidos os limites que caracterizam o controle social e gestão urbana participativa em Campina Grande, a partir do contexto de desconstrução da gestão democrática participativa no Brasil.

É imprescindível, portanto, entender os desafios da participação e do controle social na agenda urbana em Campina Grande. Tal necessidade evidencia-se ainda mais quando se reconhece que os territórios populares foram, historicamente, excluídos do planejamento oficial da cidade e, por consequência, das políticas públicas urbanas.

Frente ao desinteresse dos gestores públicos em gerar oportunidades a formas associativas que sustentem uma cidadania urbana substantiva e a novas esferas públicas de participação e de sociabilidade, torna-se fundamental (re)colocar a participação popular no centro do processo de planejamento urbano

Para a democratização da gestão urbana de Campina Grande, é preciso reconhecer, também, as lutas das juventudes, mulheres, população LGBTQIA+, questões geracionais, antirracistas, no intuito da redemocratização da gestão municipal. Tais lutas evidenciam outras possibilidades de enfrentamento das desigualdades urbanas multidimensionais em Campina Grande, que se expressam, também, em processos de segregação socioespacial e nas condições desiguais de habitabilidade muito visíveis nos diversos territórios e assentamentos populares da cidade, como Jardim Europa, Jardim Continental, Ocupação do Distrito dos Mecânicos, Ocupação Macaíba e Ocupação Luiz Gomes, dentre outros.

É perceptível que a participação tem sido reduzida, tanto em relação às decisões que possam vir a favorecer a inclusão socioterritorial, quanto à participação das pessoas em busca do atendimento dos serviços e demandas de suas comunidades. Necessário se faz colocar na agenda pública local a questão das áreas e grupos sociais mais vulneráveis e, a um só tempo, ampliar os canais para que as comunidades participem e intervenham de maneira ampla no processo de planejamento e gestão urbana de Campina Grande.

O que tem ocorrido em relação à gestão das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) é mais uma expressão do descaso com a gestão democrática e participativa em Campina Grande. Sua principal instância de gestão participativa, o Fórum Municipal das ZEIS, previsto na Lei 4.806/2009, está desativado desde 2019, e os seus integrantes, representantes populares das ZEIS, não têm demonstrado interesse e força política para a reativação dessa instância. 

Tal situação acentua, por um lado, o descompromisso das gestões municipais recentes em relação aos canais de participação, ainda mais aqueles que poderiam contribuir na promoção de espaços urbanos equitativos e justos e, por outro, um quadro de apatia e descrença de parte da sociedade em relação à participação institucional. 

A gestão democrática em Campina Grande, quando constituída, tem se dado por processos controlados de participação restrita que visam tão somente a obrigatoriedade legal e que chancelam uma participação sem nunca ter tido, como ocorre no Orçamento Participativo (OP).

Outra instância de gestão democrática, importante, mas negligenciada, como canal de interlocução e de controle social, tem sido o Conselho Municipal da Cidade de Campina Grande (ConCidade/CG). Desativado em sua função pública desde 2021, um lento retorno vem sendo anunciado após a incidência política de alguns de seus integrantes para a ocupação das vagas disponíveis no segmento dos ‘Movimentos Sociais e Populares’ e, também, em decorrência da retomada da revisão do Plano Diretor.  

É importante registrar que se passaram oito longos anos desde o fim do prazo de dez anos para a revisão Plano Diretor de Campina Grande (Lei Complementar 003 de 2006), conforme estabelecido na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade. As ações de incidência política e uma ação judicial dos que lutam pela democratização da gestão urbana não tinham sido suficientes até que, no dia 23 de fevereiro, em meio a um ano eleitoral e com um calendário bastante curto de três meses, o governo municipal anunciou a retomada da revisão do Plano Diretor.

Novamente, a participação é desvalorizada e restringida em Campina Grande pelo governo de ocasião, o que irá requerer, no contexto das eleições municipais, esforços redobrados das pessoas, organizações e movimentos que lutam pelo direito à cidade para a construção de uma agenda pública por uma cidade justa, inclusiva e democrática.

*Maria Jackeline Carvalho é cientista política; mestre e doutora em Sociologia; docente do curso de Sociologia (UEPB); pesquisadora do INCT Observatório das Metrópoles - Núcleo Paraíba e Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Urbano (GEUR/UEPB). Constrói a Frente pelo Direito à Cidade de Campina Grande (PB). 

**Demóstenes Moraes é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFCG; pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles - Núcleo Paraíba; integrante da Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) e dos Conselhos do BrCidades e do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.

***Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

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Edição: Carolina Ferreira