Paraíba

Coluna

Resistência Tupi

Povos indígenas em marcha no Acampamento Terra Livre, em Brasília, abril de 2023. - Luz Dornelles
Resistir é existir, é pleitear contra a tirania, é nunca ceder perante o inimigo

Por Ezequiel Maria (Kaberekoara)*

Resistir conota uma luta constante por voltar a existir, por permanecer vivo e se opor a tudo que queira causar o fim de algo ou de alguém. Resistir é existir, é pleitear contra a tirania, é nunca ceder perante o inimigo. No idioma falado pelos povos da família Tupi, o Tupi Antigo, traz um verbo intransitivo que engloba o mesmo intuito etimológico da palavra resistência. No Tupi diz nharana, e conforme explica o renomado professor Eduardo Navarro, tal palavra indígena é traduzida para o Português por “fazer ataque, ser bravo, resistir atacando”.

Partindo dessa compreensão, é possivel entender que o coração e o intuito central do poema¹, é expressar oposição a um mal praticado contra os Tupi, em específico, o povo Potiguara. No enredo, fica claro que interlocutor era ciente e conhecedor de tudo que foi exposto pelo eu lírico, por isso, poderá observar uma certa incredulidade pela pergunta. Ao fazer o questionamento: “Como assim quem sou!?”, fica aqui demostrado o espanto por tal interpelação.

O poema nasceu em 5 de maio de 2023, pouco tempo depois do Acampamento Terra Livre (ATL), um evento indígena no qual etnias de todo Brasil se reúnem para discutir e lutar por seus direitos. Por ser o autor Potiguara - e seu povo estar no ATL pleiteando a homologação de uma parte de seu território -, o embrião do poema começou a se formar no coração do evento. Em um dos versos, é possível observar o desejo pelo reconhecimento do território quando diz “Luto e grito: demarquem o que é meu!”, ao mesmo tempo que busca pela demarcação territorial, ele deixa bem claro que a terra sempre pertenceu ao seu povo e que deles foram roubados: “Ou melhor, devolvam-me!”.

O eu-poético se reconhece como uma incorporação física dos seus antepassados que foram mortos pelos invasores - que no poema é representado pelo interlocutor para quem o diálogo é destinado -, quando expressa que é “O canto, o grito e a resistência dos que matastes”, deixa claro que a mesma indignação e insubmissão do passado continua latente em suas veias. É importante relembrar que os Potiguara se opuseram ferreamente contra a colonização e a invasão portuguesa no seu território. Eles são a única etnia presente no mesmo lugar desde o início das invasões. Resistiram e resistem até os atuais dias no mesmo lugar há 523 anos, por esse motivo o eu-lírico disse que é “a resistência” dos que foram mortos e afirmou categoricamente que os seus ancestrais é a vida dele ao falar “Vivo vivendo naqueles que vivem em mim”.


Poeta potiguara Kaberekoara, autor de “Resistência”. / Foto: Arquivo pessoal.

Esse poema é um grito de luta, é um brado de guerra e vem para convidar a todos os indígenas, os oprimidos, os afrodescendentes e a todos que buscam por liberdade. O eu-lírico se coloca não como um indivíduo qualquer, mas como o último, como alguém que com orgulho diz “Eu sou o herdeiro! ; aquele que por direito merece reinar nesta terra.

A língua de um povo é também a sua expressão de resistência, é a marca indispensável de quaisquer nações. Um dia o idioma dos Potiguara foi roubado por Marquês de Pombal, porém hoje eles falam o Tupi Potiguara e têm uma obra em sua língua de origem, chamada de Tupi Potiguara Kuapa. 

Notas
 
1 – O autor se refere ao poema “Resistência”, de sua autoria. Este texto é uma análise desse poema. Leia abaixo:

Quem sou?
 
Sou filho dos que vós matastes,
O último dos que sepultastes,
O dono da terra que roubastes,
Aquele que traz sobre o dorso o nome Tupi.

Com qual audácia perguntas?
Como assim quem sou!?

Sou eu, àquele que vós roubastes a liberdade,
O canto, o grito e a resistência dos que matastes.
Vivo vivendo naqueles que vivem em mim... 
Sou verdadeiro, sou guerreiro, sou o último dos Tupis.

O que não teme a morte,
Que não lamenta a sorte,
Coisa que eu nunca tive.
Sou guerreiro verdadeiro,
Resistência sem recuo,
Luto e grito: demarquem o que é meu!
Ou melhor, devolvam-me!

Como assim, quem sou!?

Por acaso esquecestes que os Reis desta terra filhos tinham?
Não assustes!
Eu sou o herdeiro!
Eu estou aqui, com minha coroa de pena,
Meu báculo é meu arco,
Minha força é a Jurema,
Mas se quer saber meu nome, 
Eu digo: chamo-me Resistência!


*Ezequiel Maria (Kaberekoara) é um jovem indígena. Atualmente, é  professor de língua Tupi Potiguara na escola da aldeia Jaraguá, no Território Potiguara, no Litoral Norte da Paraíba.

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Edição: Carolina Ferreira