Coluna

Boicote e cancelamento

Imagem de perfil do Colunistaesd

Ouça o áudio:

Hoje o cancelamento faz parte de uma lógica de digitalização da vida - Divulgação
A gente usava, e usa outra, outra palavra para esse tipo de cancelamento. É boicote

Tenho ouvido falar numa tal de cultura do cancelamento. Muitas pessoas isolam do mundo virtual alguém que fez ou disse alguma coisa que elas não gostam. Ora, ser isolado em redes sociais de computador ou celular... que se danem os canceladores. Não ligo nem um pouquinho.

Tem uma coisa parecida com isso, mas no mundo real. É assim: ninguém mais fala com uma pessoa que julgam ter merecido isso, ser muito ruim.

Esse “cancelamento” sim, deixa a pessoa isolada pra valer. Mas para isso é preciso que ela tenha feito alguma coisa muito grave. Eu me lembro de algumas vezes em que aconteceu isso.

Uma delas foi quando um jovem preso político apareceu na televisão dizendo que isso de que havia tortura aos presos políticos era mentira, e aconselhando os jovens a acreditarem no governo ditatorial.

Foi libertado por isso. Mas daí em diante não conseguiu mais fazer amizade com ninguém, todos desconfiavam dele.

Outra vez foi no tempo das greves dos metalúrgicos da região do ABC, em São Paulo, no final dos anos 1970. Poucos trabalhadores furavam as greves.

Certa vez, terminada uma greve, os grevistas passaram a ignorar seus colegas fura-greves. Fingiam que não existiam. Não respondiam aos seus cumprimentos, fingiam até que não viam essas pessoas. Muitas delas acabaram tendo que recorrer a psiquiatras, deprimidas, sentindo-se isoladas.

A gente usava e usa outra palavra para esse tipo de cancelamento. É boicote. Sabem por quê?

Charles Cunningham Boycott era um capitão reformado do exército inglês, que arrumou um emprego de administrador das propriedades territoriais do Conde de Ersec, na Irlanda, em 1873. Ele se revelou um puxa-saco do tipo que fazia exigências absurdas dos empregados.

Por isso, membros da Liga Rural Irlandesa se revoltaram e passaram a não aceitar ofertas de trabalho nessa propriedade, e tratavam o tal Boycott como se ele não existisse. Na linguagem de hoje, cancelaram totalmente o sujeito.

Não conseguia conviver com ninguém e acabou se demitindo do cargo. Daí em diante o nome dele passou a servir para boicotar, como se diz, alguém muito ruim.

Por exemplo: o dono de uma fábrica de detergentes se revelou um financiador de golpistas bolsonaristas. Então, não compro mais essa marca de detergente. Taí um bom boicote.

Edição: Douglas Matos