Minas Gerais

RESISTÊNCIA

STF anula despejo de famílias do Vale das Cancelas (MG), mas população permanece em luta

Moradores denunciam escalada de violência e incêndios criminosos, e reivindicam regularização fundiária

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
35 famílias da Comunidade de São Francisco foram ameaçadas com um pedido de reintegração de posse de uma área - Foto: Reprodução/ MAB

Com a tentativa de despejo recente, a pedido da empresa Florestaminas Florestamentos Minas Gerais, uma comunidade geraizeira, no Vale das Cancelas, permanece em luta por seus direitos no Norte de Minas Gerais.

No dia 20 de outubro, 35 famílias da Comunidade de São Francisco foram ameaçadas com um pedido de reintegração de posse de uma área, de cerca de 1,5 mil hectares, no município de Grão Mogol. No entanto, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), acatou reclamação proposta pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) contra a liminar.

Dois moradores da comunidade concederam entrevista ao Brasil de Fato MG, mas preferiram não ser identificados nesta matéria. Na conversa, eles reafirmaram que a luta dos geraizeiros é pela defesa do cerrado, pela proteção da água e da natureza, e ainda denunciaram a escalada de violência por parte das empresas que atuam na região. 

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“Os últimos anos foram de muita resistência e luta. Já tivemos três incêndios suspeitos. Têm funcionários da Florestaminas que ficam rodando de moto, entrando na área do povo. Tem os guardas da empresa que ficam na estrada, armados, amedrontando. Então tem vários tipos de violência, acima de tudo violência psicológica. Eles tentam fazer com que as pessoas saiam do território”, relatou uma moradora.

“É a terceira reintegração de posse que o pessoal do acampamento São Francisco sofre. A empresa é muito incisiva, eles não param. Sempre estão aquecendo nosso processo na Justiça. Quando eles têm uma oportunidade, pedem a reintegração de posse”, afirmou outro morador da comunidade.

Integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Dalisson Souza Almeida explica que, ao tentar se instalar na localidade a qualquer custo, a empresa impede que os geraizeiros possam continuar com seus costumes, como a criação de gado e o trabalho na agricultura.

Para ele, o conflito pela terra, ao mesmo tempo em que desfavorece as comunidades, faz com que os empreendimentos continuem o trabalho “debaixo dos panos”. “O interesse do capital é muito maior do que o interesse de soberania do povo. O capital, hoje, está acima da vida para quem mora naquela localidade”, pondera.

Dalisson acredita que a Florestaminas quer fazer a desapropriação da área para apoiar o projeto Bloco 8, da empresa chinesa Sul Americana de Metais (SAM), que pretende minerar e construir uma barragem de rejeitos na região, além da abertura de cavas e um mineroduto para levar matéria-prima até o Porto Sul, em Ilhéus (BA). “Ali eles conseguiriam fazer um reservatório de água para atender à necessidade da mineradora”, pontua.

Direitos Humanos

Para além da tentativa de despejo, segundo a deputada estadual Andréia de Jesus (PT), a atuação das empresas na região gera impactos ambientais e culturais que atingem diretamente as comunidades tradicionais.

“Há incêndios suspeitos em matas na região, a monocultura do eucalipto gera desertificação do solo e, consequente, a disputa da água”, cita a presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Para ela, a tentativa de despejo é uma afronta ao tratado internacional da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e à Constituição brasileira. O tratado descreve que povos e comunidades tradicionais têm direito à consulta prévia, livre e informada diante da instalação de empreendimentos em seus territórios.

“É uma ofensa aos princípios constitucionais democráticos dos direitos já consolidados dos povos tradicionais. Seria também um retrocesso nas conquistas e um impacto muito sério do ponto de vista da democracia”, realça.

Investidas de mineradoras

Segundo Leninha (PT), deputada estadual que acompanha a luta do povo geraizeiro há cerca de 12 anos, a SAM investe recursos nas comunidades como uma estratégia para convencer a população de que seu projeto seria a solução para o desenvolvimento da região. A deputada também afirma que governo estadual flexibiliza normas que beneficiam os grandes empreendimentos.

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Em relação ao projeto da SAM, a parlamentar lembra que 90 modificações já foram requeridas no projeto ambiental da empresa. “É impossível minerar em uma região que falta água para beber, falta água para as comunidades. A água vai ser utilizada para transportar o minério enquanto as famílias estão sem”, pontua.

Na ALMG, o Projeto de Lei (PL) 3.601/16, que trata da regularização fundiária em Minas Gerais, aguarda parecer na Comissão de Administração Pública, após receber aprimoramentos no plenário.

Leninha ressalta que o principal passo, a partir desse PL, é reconhecer a comunidade geraizeira como tradicional e demarcar o território para propor a regularização fundiária ao estado de Minas Gerais.

 “Não vai ser uma tarefa fácil porque a gente tem um governo estadual que não titulou até hoje territórios coletivos”, sinaliza.

Outro lado

A reportagem não conseguiu contato direto com a empresa Florestaminas Florestamentos Minas Gerais para comentar as denúncias. O advogado que representa a empresa, Eluiz Ribeiro, foi contatado e concordou em fazer a intermediação entre o Brasil de Fato MG e a empresa, mas, até o fechamento deste texto, não respondeu às perguntas.

A empresa Sul Americana de Metais (SAM) também foi procurada para comentar as denúncias, mas não respondeu. O espaço segue aberto para manifestações.

Edição: Larissa Costa