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Quem vai pagar a desoneração das exportações?

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Atualmente, uma parte dos tributos indiretos é internalizada na cadeia produtiva ou comercial, pois não é restituída aos exportadores - Marcello Casal Jr. / Agência Brasil
Essa escolha tem custo, que será bancado pela população

Duas premissas importantes da PEC 45/2019 são a plena não cumulatividade e a desoneração total das exportações, o que, por um lado, desoneram completamente o setor produtivo, mas, por outro, deverá produzir uma perda de arrecadação tributária decorrente do fato de que essas parcelas não devolvidas de tributos indiretos deixarão de existir.

A previsão de não incidência sobre as exportações, independentemente do nível de processamentos dos produtos, torna definitivos os efeitos produzidos pela Lei Kandir, de 1996. É importante regredir um pouco no tempo para entender o contexto da Lei Kandir. A Constituição Federal, de 1988, em seu texto original, previa que o ICMS não deveria incidir sobre exportações de produtos industrializados, permitindo sua incidência, portanto, na exportação de produtos primários ou semielaborados. A Resolução do Senado Nº 22, de 1989, estabeleceu que a alíquota de ICMS aplicável às exportações de produtos primários e semielaborados seria de 13%.

Em 1996, tendo em vista os desequilíbrios da balança de pagamentos e o crescimento da dívida externa decorrentes do Plano Real, foi aprovada a Lei Complementar 87 (Lei Kandir), desonerando totalmente as exportações e garantindo a manutenção de todos os créditos referentes às etapas posteriores. As perdas de arrecadação dos estados deveriam ser compensadas pela União.

A partir de 2002, o desequilíbrio da balança de pagamentos, que justificou a sua implementação, já estava resolvido, pois passamos a registrar superávits no comércio exterior. No entanto, a Lei Kandir se manteve e acabou sendo constitucionalizada pela Emenda Constitucional 42/2003, contribuindo para a reprimarização da nossa pauta de exportações e para a desindustrialização da economia brasileira.Segundo levantamento do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), entre 1996 e 2018, os estados acumularam perdas superiores a R$ 600 bilhões de arrecadação, já descontadas as compensações efetuadas pela União.

A PEC 45 mantém essa lógica e aprofunda ainda mais o nível de desoneração das exportações, inclusive de produtos primários, na medida em que garante a plena não cumulatividade. Ou seja, a unificação de cinco tributos indiretos (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS) em apenas um, dividido, uma parte para a União (CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços) e outra para estados e municípios(IBS - Imposto sobre Bens e Serviços), com incidência ampla sobre todos os bens e serviços, tem como objetivo, além de outros, garantir a compensação plena de todos os créditos referentes às etapas anteriores, sobre quaisquer aquisições de bens e serviços, inclusive para ativo imobilizado. 

Atualmente, uma parte dos tributos indiretos é internalizada na cadeia produtiva ou comercial, pois não é restituída aos exportadores, como ocorre, por exemplo, com o Imposto sobre Serviços e com parcelas do PIS e da COFINS. Esses valores, por outro lado, constituem receitas que financiam as políticas públicas. A plena não cumulatividade significa desoneração total das cadeias produtivas ou comerciais, o que significa que todos os tributos indiretos serão pagos pelos consumidores finais ou, no caso de exportação, serão totalmente devolvidos ao exportador.

Assim, é importante ter em conta que a desoneração total das exportações poderá implicar um aumento do peso de tributos para os consumidores. Explicando esse mecanismo: um exportador que tenha direito a um crédito de 100 referente aos tributos das etapas anteriores, mas que receba apenas 60 de restituição, significa que o Estado mantém uma arrecadação de 40. Se esse mesmo Estado arrecada mais 200 dos demais consumidores, teria uma receita total de 240 para financiar as políticas públicas. Se tiver que devolver o crédito integral, de 100, para o exportador, restaria uma receita de apenas 200, a menos que a parcela a ser paga pelos consumidores seja aumentada para 240, mantendo assim o nível de arrecadação anterior.

A escolha política de reduzir os custos para os exportadores, independente do nível de processamento dos produtos, pode resultar em uma maior competitividade para nossas exportações ou maior lucratividade para os exportadores. De qualquer forma, essa escolha tem custo, que será bancado pela população, seja pea redução dos serviços públicos disponíveis, ou pelo aumento dos tributos sobre o consumo.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Marcelo Ferreira