Paraíba

Coluna

É possível ‘estudar’ numa escola integral?

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"Todos concordamos que o estudo é algo muito importante, mas não se pode confundir estudo com o ato de assistir à uma aula" - Pixabay - Imagem de Nino Carè
A estrutura curricular das escolas integrais propedêuticas e técnicas conseguiu ser pior que o NEM

Por Hígor Lins da Costa*

Respondendo a pergunta do título: Se essa escola for na Paraíba, de pronto, afirmo que não!

Aqui, pretendo discutir até onde a minha vista alcança e, talvez, o que eu também não posso ver, mas, enquanto professor, é impossível não sentir.

Primeiro, como meus textos sempre começam parecendo uma aula e ainda não consegui me desvincular das contextualizações, vamos recorrer ao dicionário para estabelecer qual significado do verbo que estamos abordando: 

Estudar: Aplicar as capacidades intelectuais para adquirir conhecimento e habilidade.

Todos concordamos que o estudo é algo muito importante, mas não se pode confundir estudo com o ato de assistir à uma aula!!! O professor Pierluigi Piazzi, em seu livro “ensinando inteligência”, dedicado a professores e professoras, nos explica muito bem essa diferença, ao se basear em estudos correlatos sobre neurologia e pedagogia para detalhar como e quando ocorre o processo de aprendizagem. Ele diz que a aprendizagem se apoia em três fatores importantes: aula assistida com atenção; tarefa estudada no mesmo dia e uma boa noite de sono. Ou seja, se consolida em 24 horas!

Não dá para lutar contra algo que a gente não conhece bem, que não entendemos suas raízes. Não vamos pensar, também, que o problema em questão nasceu com as escolas integrais ou com o fatídico novo ensino médio, mas esses dois elementos, na forma como estão postos, agravaram de maneira quase irreversível a capacidade de estudar!

Você pode pensar: “se o/a estudante passa o dia inteiro assistindo aulas, como isso pode diminuir sua aprendizagem?”. Explico com uma breve reflexão sobre a dinâmica semanal de uma escola integral: às 7:30 iniciam-se as aulas, ao meio-dia vem o intervalo para o almoço e estende-se até 13:20, quando começam novamente as aulas, se encerrando às 17 horas (sim, na Paraíba nós recebemos por 40 horas e trabalhamos mais que isso!). 

Até aí, tudo bem? Não!

Dentre às 45 aulas semanais, o/a aluno(a) tem apenas duas aulas de “orientação de estudo” nas quais, teoricamente, poderia estudar. Digo teoricamente pois essa disciplina vem com uma série de conteúdos que o professor precisa ministrar (sim, conteúdos sobre como estudar, mas sem horários para estudar).

Mas, então, o que isso tem a ver com o modelo de escolas integrais da Paraíba? Ora, se o estudante não tem horários para estudar diariamente, como ele pode desenvolver a aprendizagem? Ao final, tentemos pensar alguma estratégia ou alternativa para o problema. O abismo não para por aí, pois a estrutura curricular das escolas integrais propedêuticas e integrais técnicas conseguiu a proeza de ser pior que a proposta no novo ensino médio (NEM), tendo sido implementada bem antes da obrigatoriedade do NEM para todo o Brasil, ou seja, a Paraíba foi pioneira no retrocesso!

Tutoria, eletiva, protagonismo juvenil, pós-médio, projeto de vida, avaliação semanal, orientação de estudo... todas essas disciplinas têm mais horas-aula que Geografia, por exemplo. É o que chamamos de parte ou base diversificada, ou institucionalização e formalização do projeto para afastar os jovens de escola pública das universidades. É uma tragédia educacional!

Deixando claro aqui que não sou contra a ideia de escolas integrais, pensando na ideia dos antigos CIEPS de Brizola, com aulas em um turno, atividades esportivas e culturais em outro, mas, da forma como está posto na Paraíba, é impossível concordar! Não podemos alimentar uma disciplina de protagonismo juvenil, por exemplo, onde são discutidos valores como democracia e autonomia, em escolas que são comandadas por lideranças políticas, num governo que promove o loteamento de cargos e, sobretudo, onde NÃO HÁ ESCOLHA DEMOCRÁTICA PARA GESTÃO ESCOLAR! É, no mínimo, extremamente contraditório. Faça o que eu digo, não faça o que eu faço!

Essa discussão é muito densa e importante para ser um apêndice da coluna. Guardemos seu detalhamento para outro texto!

O fato é que, diante de tantas tentativas para prejudicar a aprendizagem do aluno, retrocedendo passos importantes que foram dados nos últimos anos, a diferença de distribuição de aulas entre escolas públicas e privadas nunca esteve tão acentuada – detalhe: as maiores escolas particulares da Paraíba não adotam a modalidade integral, ou seja, na escola pública o estudante tem mais aulas -, então, como se explica um aluno da 1ª série ter 3 aulas de Geografia por semana - em uma escola particular famosa de Campina Grande - e apenas uma aula da disciplina em uma escola pública que dispõe de carga horária semanal muito maior? Qual a intenção dessa discrepância?

Acho que nem preciso responder que as grandes corporações agem na educação com o intuito de recuperar pequeno espaço que foi alcançado pela população mais pobre. As elites querem de volta seus 100% de vagas nos cursos mais disputados, seus 100% de espaço nas entrevistas de  emprego, querem as cartas marcadas nos melhores concursos, a totalidade de assentos nos voos, enfim, querem, agora de forma institucional, que o de cima suba e de baixo desça!

Mas lembra que falei das estratégias e das alternativas? Pois é, não é um caminho fácil!

O primeiro passo é enxergar a realidade, não romantizar essa operação contra o futuro dos nossos jovens, integrar e apoiar os movimentos contrários ao novo ensino médio e fortificar a discussão sobre como melhorar o modelo integral da Paraíba. Isso é um começo. Mas, um verdadeiro começo, com impacto maior que todos os outros meios, é deixar o povo estudar!



*Natural de Cuité, professor de Geografia na Escola Estadual Cidadã Integral Técnica Jornalista José Itamar da Rocha Cândido, mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, militante da educação, músico nas horas vagas e apaixonado pelo Vasco da Gama.

Edição: Polyanna Gomes