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O Bom Pastor na Penha

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Capela dos Milagres do Santuário da Penha, em João Pessoa (PB) - Arquivo Pessoal - Autor
Refleti: Como um país que, em maioria se diz cristão, está distante dos ensinamentos do Bom Pastor?

Por Joel Martins Cavalcante*

Sempre que mãe passa uns dias aqui (ela mora em Alagoinha/PB) eu a levo para participar da missa no Santuário de Nossa Senhora da Penha, que fica no bairro da Penha, em João Pessoa. Aquele local tem uma energia muito boa. Além disso, a gente se senta no banco da Igreja e tem a possibilidade de, ao mesmo tempo que ver o altar, vez ou outra, olhar para o lado direito e contemplar a beleza do mar. É fascinante.

O quarto domingo do tempo pascal, na liturgia católica, é dedicado ao Bom Pastor, com base no evangelho de João, capítulo 10. O monsenhor Nereudo, em sua homilia, explicou a importância do seguimento a Jesus, o bom pastor, como a porta que assegura a vida para todos.

O preletor faz a seguinte indagação: “será que ouvimos a voz de Jesus?”, ressaltando o tanto de barulho que deixa as pessoas dispersas, impedindo de ouvir a voz do mestre. Ele fez uma comparação com o mau pastor que age da perversidade, que não conhece o rebanho. Mas Jesus veio para que todos tenham vida em abundância, qualidade de vida, dignidade, destacando que “se não tem vida para todos algo está errado”. 

O monsenhor continua sua homilia falando que enquanto está celebrando aquela eucaristia, muitas ovelhas estão morando na rua, passando fome, em situação de insegurança, levando o evangelho para uma análise social, aliando a fé com realidade concreta do povo.

Não pude deixar de fazer minhas reflexões também. O Brasil é um país majoritariamente cristão. Ao mesmo tempo, um país com uma desigualdade social imensa, com violência muito forte. O que está errado? Parece que, como disse o padre, as pessoas, especialmente os que estão no poder (político, econômico, jurídico) não ouvem a voz do bom pastor. 

A maioria das pessoas ricas, inclusive, se diz cristã. Mas fazem ouvido de mercador aos ensinamentos de Cristo sobre dividir o pão, as riquezas. Os primeiros cristãos, relata os Atos dos Apóstolos, dividiam tudo o que tinham. Naqueles primeiros anos, ninguém passava necessidade porque os que tinham mais condições ajudavam os necessitados. Nada de comunismo ou socialismo. É seguimento ao ensino do Bom Pastor, simplesmente.

Como um país que a maioria de seus habitantes se diz seguir os ensinamentos do Bom Pastor está tão distante dos ensinamentos contidos no evangelho? O próprio Jesus, citando o profeta Isaias, disse a resposta: “esse povo me confessa com os lábios, mas o coração está longe de mim”, em Mateus 15.8. 

Muita boa a celebração e homilia que ouvi. Após o término, fui com mãe acender umas velas na capela reservada para isso. Passamos na casa de milagres para ver o quanto a fé popular é profunda. Lá, vi desde próteses de pernas e braços, a maquetes de casas, apartamentos, e até uma prova do ENEM 2022 de um estudante aprovado para o curso de medicina na UFPB.

Descemos a escadaria da Penha, passamos pelos bares e barracas na praia. Conversamos, enquanto esperávamos uma chuva repentina passar, embaixo de uma castanhola, com um senhor que elogiava o cantor João Gomes, que em um bar próximo reproduzia uma canção. “A música dele não doí nos ouvidos”, disse. Concordei. “E ele é bem simples. Vi uma entrevista dele ontem”, disse minha mãe. 

Seguimos na beira mar da Penha até o Seixas, pegamos um guarda-sol, tomamos água de coco (estou passando um tempo sem beber cerveja), uns caldinhos de peixe, e comemos camarão com batata frita. Mas, entre uma onda do mar e outra, no "indo e vindo infinito" como canta Lulu Santos, a reflexão do monsenhor Nereudo vinha na mente.


*Professor de História da Rede Estadual de Ensino da Paraíba, Advogado, Mestre em Educação pela UFPB, Especialista em Educação em Direitos Humanos (UFPB) e em Direitos Fundamentais e Democracia (UEPB). Foi conselheiro suplente do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba (2014-2016) e Secretário de Educação, Cultura e Esportes de Alagoinha – PB (2017). Atua em movimentos sociais ligados aos Direitos Humanos.

Edição: Polyanna Gomes