Paraíba

AGRICULTURA

Com as primeiras chuvas, Montadas e Lagoa Seca já estão distribuindo sementes crioulas

Parcerias entre prefeitura, Conselho de Des. Rural e sindicatos rurais proporcionam entregas das sementes no tempo certo

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Reprodução - Foto Reprodução

As chuvas estão chegando e, com elas, chega também o tempo de semear a terra. As famílias agricultoras que têm sementes em casa já estão pelo roçado, semeando. E para que as famílias aproveitem ainda mais o solo úmido, dois municípios da Borborema Agroecológica já iniciaram as entregas de sementes: Montadas e Lagoa Seca.

Devido a programas públicos, construídos com a participação ativa dos sindicatos rurais e do Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável, as prefeituras desses dois municípios inovam nessa ação. Além de fazer a distribuição das sementes no tempo certo, elas são de variedades crioulas, compradas pelo poder público junto a agricultores do próprio município ou em outro vizinho.


Reprodução / Imagem: AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

Por serem locais, as sementes estão adaptadas às condições ecológicas da região e isso aumenta as chances do lucro do roçado ser maior. As sementes de milho crioulo distribuídas passaram por testes com fitas imunocromáticas que identificam a presença de várias proteínas típicas de organismos geneticamente modificados.

“As sementes compradas pelo governo da Paraíba são variedades melhoradas em laboratório e produzidas em sistemas convencionais, geralmente compradas em grandes empresas sementeiras. Inclusive, no ano passado, três variedades de milho das quatro distribuídas estavam contaminadas com a transgenia. A contaminação foi detectada nos testes com fita que fizemos na AS-PTA”, destaca Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA.

Conselho no Roçado - Em Montadas, a 25 km de Campina Grande, a distribuição começou no final de março e vai se estender até acabar o estoque. Essa ação faz parte do programa Conselho no Roçado, criado a partir de uma proposta feita pelo Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável de Montadas à prefeitura.

Esse ano, serão entregues mais de 1,5 toneladas de feijão – variedades carioca, preto, faveta, gordo branco e mulatinho – e 600 kg de milho – variedade jaboatão. A expectativa é que esse material chegue de 150 a 160 famílias. Ao todo, a prefeitura investiu R$ 6,3 mil na compra dessas sementes diretamente às famílias agricultoras guardiãs das sementes da paixão. Sementes da paixão é a forma como elas são chamadas pelas famílias agricultoras da Paraíba. 

Mas, nem todo estoque desse ano foi comprado pela prefeitura. Uma parte dele foi providenciado pelas famílias que pegaram as sementes em 2022 e devolveram a quantidade emprestada acrescida de 10%. Essas sementes estão estocadas no Banco Municipal de Sementes.


Reprodução / Imagem: Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional do Governo da Bahia

De acordo com o presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável, seu Joaquim Santana, a devolução é estimulada entre os/as agricultores/as para que se percebam como parte dessa iniciativa e entendam também que o aumento do estoque também depende do compromisso e participação de cada um.

Segundo ele, a intenção é criar um senso de cooperação entre as famílias para que saiam da dependência das sementes compradas às empresas pelo governo estadual. “Em mais alguns anos, esperamos ter sementes crioulas suficientes armazenadas para que as famílias não precisem mais pegar as sementes de variedades comerciais”, acentua seu Joaquim.

Planta, Lagoa Seca

m Lagoa Seca, a quase 9 km de Campina Grande, serão distribuídas 3,5 toneladas de feijão - variedades preto, carioca e faveta - de 700 a 800 kg de milho da variedade jaboatão. A expectativa do governo municipal é alcançar cerca de 350 famílias. Desde 2021, a prefeitura opera o programa municipal Planta, Lagoa Seca, uma política pública pioneira na região e que vem dando resultados interessantes. Os recursos vêm do orçamento municipal . Esse ano, o investimento foi de cerca de R$ 30 mil.


Reprodução / Imagem: AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

No município, a distribuição de sementes crioulas é um pleito antigo do Sindicato dos agricultores e agricultoras familiares. Muito antes do Planta, Lagoa Seca ser lançado, já havia uma lei municipal instituindo um programa para preservar e multiplicar as sementes da Paixão. Mas, só quando uma liderança sindical assumiu o cargo de secretário da Agricultura Familiar do município é que o programa começou a sair do papel.

Além disso, uma campanha puxada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Agroecologia nos Municípios, foi fundamental para dar um empurrãozinho nesse processo. Hoje, a lei municipal de Lagoa Seca e o programa de distribuição das sementes crioulas vêm estimulando municípios vizinhos a adotarem as sementes da Paixão para entrega às famílias agricultoras.

Você sabe o que são “Sementes Crioulas”?

As sementes têm uma grande importância na manutenção da nossa biodiversidade e,consequentemente, na nossa alimentação. As sementes crioulas, sementes da paixão, landraces, raças da terra, variedades tradicionais, entre outras denominações, pelas quais são conhecidas, fazem parte do universo da agricultura familiar e da agroecologia.

::RESISTÊNCIA | Saiba o que é semente crioula e entenda a sua importância

Essas variedades foram melhoradas apenas pelas mãos de agricultores e agricultoras. Não foram modificadas geneticamente, como em processos de melhoramento genético e transgenia. Tais variedades, têm preferência devido a características de adaptabilidade, valorização dos costumes, sabor e qualidade, além do baixo custo de produção.

As sementes crioulas são utilizadas pelos agricultores há muito tempo, sendo uma prática antiga entre as populações tradicionais, que fazem o manejo e preparo das sementes de forma artesanal, por isso recebem o nome de “crioulas” e/ou “nativas”, estas vêm sendo produzidas em suas propriedades ao longo dos anos, passando de geração em geração pelas famílias. As formas de produção são de caráter agroecológico em sistema manual de semeadura e consorciado de plantio.

As variedades tradicionais não são somente as sementes em si, mas também tubérculos, como batata, mandioca, culturas de origem animal entre outros alimentos conhecidos. Possuem um grande potencial nutricional, além de outros aspectos positivos, como: maior resistência, maior produtividade, melhor adaptação, menor custo de produção e também maior diversificação das possibilidades de plantio, pois não requerem um pacote de insumos, não demandam uso de agrotóxicos e não irão prejudicar o meio ambiente, além de promover saúde.

Para, Antunes et al (2017), o termo “Variedade Crioula”, pode ser definido como “aquele em cultivo” por agricultores em um mesmo ambiente, por tempo suficiente para que a seleção natural e os agricultores ajam de modo a produzir uma população, cuja composição gênica a tenha tornado altamente adaptada às condições em que foi cultivada. Consequentemente, diferenciada das demais, que surgem como resultado das interações temporais entre populações de plantas e os demais componentes do agroecossistema, incluindo o homem.

Historicamente, as mulheres são as “guardiãs das sementes”. De acordo com Nunez e Maia (2006), quando se fala da origem das sementes, há relatos que desde o começo da humanidade, agricultores e, especialmente agricultoras, têm conservado, selecionado e melhorado sementes, dando origem a uma grande diversidade de cultivos e variedades utilizadas na produção agrícola, adquirindo características desejáveis de adaptação muito específicas aos locais de cultivo, carregando consigo a questão cultural e, garantindo a sustentabilidade e soberania alimentar.

Como explica, Franco et al (2015), os agricultores familiares que trabalham com agricultura de base ecológica e armazenam sementes em suas propriedades, são considerados “guardiões das sementes crioulas”. Em muitas regiões a Comissão Pastoral da Terra organiza o trabalho criando bancos de sementes, e incentiva os agricultores a serem os guardiões, além de organizar eventos para troca de sementes e reflexões sobre o tema junto às comunidades, sendo de grande relevância para a manutenção da agrobiodiversidade local.

Esse trabalho de incentivo e apoio realizado pela Pastoral da Terra e também outras instituições, fortalecem o trabalho dos agricultores e a troca de informações para obter maior produção e variedade. A Via Campesina congrega entidades e movimentos sociais ligados aos pequenos agricultores (camponeses) de todo o Planeta, e fazem campanhas em oposição aos transgênicos e a oligopolização do setor de sementes, como a campanha mundial “Sementes: patrimônio dos povos a serviço da humanidade”.

Referências

BARROS, I. I. B. et al.  Sementes crioulas: o estado da arte no Rio Grande do Sul. Rev. Econ. Sociol. Rural, v.46, n .2.  Brasília Apr./June 2008.

PEREIRA et al. Reconquista de sementes crioulas e plantas alimentícias não convencionais no Assentamento Dênis Gonçalves, Zona da Mata Mineira0. Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 – Anais do VI CLAA, X CBA e V SEMDF – Vol. 13, N° 1, Jul. 2018.

ANTUNES et al. Agrobiodiversidade, sementes crioulas e guardiões de sementes – ou a construção de uma nova realidade social a partir de uma nova realidade rural. Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 – Anais do VI CLAA, X CBA e V SEMDF – Vol. 13, N° 1, Jul. 2018.

FRANCO et al. Percepção de agricultores familiares sobre as dificuldades na produção e conservação de sementes Crioulas. cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 – Vol 8, No. 2, Nov 2013.

NUÑEZ, P. B. P.; MAIA, A. S. Sementes crioulas: um banco de biodiversidade. Revista Brasileira de Agroecologia. v. 1. n. 1. 2006.

Por VerônicaVioleta –  Núcleo de Comunicação da AS-PTA

 

 

 

 

 

Edição: Cida Alves