Paraíba

Coluna

Eliane Potiguara: o protagonismo da mulher indígena na valorização das culturas originárias

Eliane Potiguara. - Reprodução
[...] sua história de resistência se inicia antes mesmo de seu nascimento

Por Pedro Henrique Felix da Silva* e  Ana Cristina Silva Daxenberger** 

 

As demandas indígenas têm se arrastado de maneira diversificada através dos séculos, desde o primeiro contato com os povos europeus. Muito do que se sabe sobre as formas de resistência à herança colonial passa diretamente pelas mãos das mulheres indígenas, que potencializaram a voz originária ao contribuir para a organização política de seu movimento. 

Dentre as figuras empenhadas na busca pelo fortalecimento destas culturas, destaca-se Eliane Potiguara: mulher indígena, descendente dos Potiguaras paraibanos, mãe, professora, escritora, poetisa, nascida em 29 de setembro de 1950, no Rio de Janeiro. 

Assim como tantas outras personagens, sua história de resistência se inicia antes mesmo de seu nascimento. Para fugir da opressão do agronegócio algodoeiro paraibano do início do século XX – que em algumas regiões se apoiava em mão de obra indígena semi-escrava –, alguns de seus familiares foram forçados a deixar seus territórios rumo ao sudeste em busca de melhorias nas condições de vida. 

Neste sentido, Eliane Potiguara, desde muito cedo, desenvolveu habilidade para escrita e leitura, que, no processo de ensino-aprendizado, teve grande participação da escola e do conhecimento ancestral de seu povo garantido por sua avó, com quem morava. Sendo assim, anos mais tarde, ela viria a se tornar umas das intelectuais mais importantes para a literatura indígena e não-indígena do país. 


Eliane Potiguara e sua obra Metade Cara, Metade Máscara (2004) / Reprodução Jornal da Paraíba, 2019.

 

Formada em Letras e licenciada em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, integra, portanto, um pequeno percentual de mulheres indígenas que conseguiram atingir a capacitação superior e trazer contribuições de destaque no que diz respeito a representatividade e resistência originária. Considerada a primeira escritora indígena do Brasil pela publicação de seu livro A Terra é a Mãe do Índio (1989), a autora já lançou outras cinco obras, incluindo produções literárias para o público infanto-juvenil. 

Eliane Potiguara é fundadora do GRUMIN – Grupo Mulher-Educação Indígena, de 1988, visto por muitas pessoas como a primeira articulação brasileira de mulheres indígenas. Ela também coleciona diversos prêmios e honrarias pelos feitos realizados ao longo da sua vida – sendo o último o de doutora honoris causa pela UFRJ, que obteve no fim de 2021 –, além de indicações importantes como ao Nobel da Paz, no ano de 2005. 

Na busca por melhorias para seu povo, passou por diferentes formas de violência física, moral e psicológica, muitas das vezes com a conivência do estado. Mesmo assim, sempre se mostrou engajada para com as problemáticas indígenas, sobretudo por enfatizar as consequências dos processos de aculturação causados pela influência europeia. Também se dedica a discutir temas que envolvem a invisibilidade da mulher indígena na atual sociedade, que inclusive são debatidos na obra testemunhal Metade Cara, Metade Máscara (2004), o que a coloca como uma das pessoas mais envolvidas com a temática. 

Algumas considerações 

A atuação das mulheres indígenas pode ser vista em diferentes perspectivas, uma vez que sua imagem foi sendo figurada a partir da conveniência do silogismo colonialista. Muitos relatos e romances de autores do século XVI e XIX, respectivamente, embora reconheçam o papel da mulher nestas comunidades, fomentavam pontos de vista misóginos, estereotipados e etnocidas sobre sua cultura. 

Logo, para olhares menos sensíveis, a participação das mulheres originárias pode parecer por vezes deturpada. Cada povo apresenta suas especificidades, e a relação entre homens e mulheres indígenas podem se adequar à complementariedade. Assim, em uma comunidade, não há um gênero mais importante, mas sim, pessoas que em conjunto mediam o funcionamento daquele espaço, o que significa que a mulher indígena tem sua participação ativa dentro e/ou fora da comunidade. 


Eliane Potiguara em evento. / Reprodução Conexão UFRJ, 2021.

 

Apesar de seu protagonismo e visibilidade terem sido contemplados pelos movimentos feministas, seus anseios soam ainda mais específicos por existir, atrelado ao machismo, toda uma luta por ressignificação cultural que visa preservar sua ancestralidade. São os discursos de mulheres como Eliane Potiguara que ampliam os debates sobre meio ambiente, demarcação de terras, violência familiar e interétnica, combate ao racismo e exclusão social. 

Sendo assim, é estimulando a representatividade, permitindo acesso em espaços decisivos e descontruindo estereótipos que talvez consiga-se despertar na sociedade vigente uma mentalidade humanizada em relação aos povos indígenas e, consequentemente, colocá-los(as) como protagonistas de uma realidade coletiva. 

 

 

PARA SABER MAIS 

OLIVEIRA, Andressa Inácio. As representações do protagonismo indígena feminino na longa duração: das crônicas quinhentistas aos manifestos de Cura da Terra. ANPUH-Brasil – 31º Simpósio Nacional de História. p. 1-17.  Rio de Janeiro, 2021.  Disponível: https://www.snh2021.anpuh.org/resources/anais/8/snh2021/1628538662_ARQUIVO_fe93ddf4497b74f6eccb66f8da6d30a8.pdf Acesso em: 28 de março de 2023. 

DUTRA, Juliana Cabral de O.; MAYORGA, Claudia. Mulheres indígenas em movimentos: possíveis articulações entre gênero e política. Psicologia: ciência e profissão. p. 113-129. 2019.  Disponível:  https://www.scielo.br/j/pcp/a/TmkJTj6vTNMxpzhB3jhbPjK/?format=pdf&lang=pt Acesso em: 29 de março de 2023. 

ELIANEPOTIGUARA.ORG. Histórico: Eliane Potiguara. Disponível:  http://www.elianepotiguara.org.br/images/historico.pdf Acesso em: 27 de março de 2023. 

 

 

* Licenciado em Ciências Biológicas pela UFPB. Ex-bolsista do Prolicen/. Extensionista na área de estudos étnico-raciais. Tem experiência na área da Educação para as Relações Étnico-Raciais, com ênfase nas culturas originárias brasileiras. Prêmio de Láurea Acadêmica Destaque da Graduação, Universidade Federal da Paraíba. Prêmio Iniciação à Docência - Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal da Paraíba. 

** Doutora em Educação pela UNESP, Mestra em Educação pela UMESP, Professora do Departamento de Ciências Fundamentais e Sociais do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba. Membro do Núcleo Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da UFPB. Vice representante da sub-sede Areia do Comitê de Inclusão e Acessibilidade da UFPB. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Especial. Coordenadora do Prolicen Formação Docente na perspectiva da educação para as relações étnico-raciais.  

 

Edição: Heloisa de Sousa