Paraíba

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O que é Afroturismo?

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Visita ao Templo Espírita de Jurema Mestra Jardecilha, localizado no município de Alhandra/PB, o primeiro roteiro “Vivência da Jurema Sagrada” foi realizado pela Sankrota no dia 25/06/2022. - Arquivo Pessoal
o turismo [...] tem agido esvaziando o sentido do legado negro-africano na Paraíba

Por Barbara do Nascimento Tenorio* e Danilo Santos da Silva**  

 

O desenvolvimento do turismo sempre foi pautado a partir da ótica dos “vencedores”, apresentando narrativas que seguem os pressupostos do colonizador, que tem como parâmetro a cultura europeia. Dentro desse horizonte de expectativa, a população negra criou uma proposta de turismo, que se convencionou denominar de afroturismo. Uma vertente que tem o intuito de valorizar o legado material e imaterial da população negra no continente e na diáspora africana. (BRITO, 2022).  

Um meio para conhecer, reviver, respeitar e vivenciar experiências ligadas a cultura, a religião e a história, no meio rural e no meio urbano; nas comunidades tradicionais e nas comunidades contemporâneas relacionadas à população negra. Como proposta para geração de renda, priorizando a população negra como fornecedores na cadeia produtiva do turismo.  Como estratégia de ação afirmativa para deixar a população negra mais confortável, acolhida e segura em suas viagens turísticas. (CAPOUILLEZ, 2002; MOREMI, 2021).  

Um instrumento pedagógico e político contra o racismo e para a valorização do protagonismo negro-africano, unindo lazer e conhecimento histórico, com intuito exaltar a herança cultural/ancestral, possibilitando crítica epistemológica ao eurocentrismo, contribuindo como subsídio para implementação da Lei 10639/2003, que prevê o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira no ensino básico.   

Embora seja uma modalidade de turismo que se organiza a partir da população negra, baseado no seu legado material e imaterial, pode e deve ser buscados por todas as pessoas, tendo em vista a riqueza da experiência oferecida pelo afroturismo. A sociedade brasileira ganha muito, quando conhecemos melhor a herança histórica e cultural que constitui a formação do nosso país.  

Dessa forma, o afroturismo vai ser apresentado como um instrumento de valorização do legado histórico/cultural, de combate ao racismo e para desenvolvimento sustentável para população negra nas comunidades tradicionais e contemporâneas da sociedade brasileira do século XXI. 

TURISMO E O RACISMO ESTRUTURAL 

Quando se trata do legado negro-africano no Brasil, o turismo (convencional e alternativo) tem utilizado representações superficiais e estereotipadas, corroborando para o esvaziamento da identidade da população negra. Um bom exemplo, é o turismo étnico, uma subcategoria do turismo cultural, que surge como alternativa para contrapor as atividades típicas do turismo massivo, destacando tradições e estilo de vida de um determinado grupo étnico. (OMT, 2003).  

Tal categoria propõe o consumo de um lugar que desperte fascínio pelo diferente. Na medida em que a cultura se transforma em produto turístico sua identidade e tradições são esvaziadas até que reste apenas o essencial, para atender o objetivo do consumo visual e estético de determinada forma de expressão, cooperando para falta de autenticidade na interação dos viajantes com o seu destino. 

De certa forma, o turismo étnico contribui para reforçar os estereótipos. Está sempre buscando o exótico, tendo como parâmetro a cultura branca eurocêntrica. Quando se trata do turismo de massa, o que prevalece é o desejo por lucro, causando danos ao meio ambiente, à cultura e a história de determinado lugar. Em nome do lazer e do divertimento de poucos, compromete tudo que está no entorno do processo turistificação. (TAVEIRA, 2016). 

Esse processo, quando não destrói a cultura em nome do lucro, se apropria dos seus recursos, monetizando de maneira que, quem sempre usufruiu, e até ajudou produzir, não conseguir mais ter acesso a esses recursos. O que falar do carnaval do Rio de Janeiro e do carnaval de Salvador? As duas festas que se tornaram apenas eventos para turista consumir.  

As populações locais, sua grande maioria negras, elemento fundamental para a constituição dessas festas, precisam fazer um imenso esforço financeiro, comprometendo sua renda durante todo ano, para comprar as fantasias das escolas de sambas e os abadás dos blocos de carnaval. Essa situação, quando não impede, impõe grandes dificuldades para essas populações participarem destas festas. 

Por outro lado, acontece também, um processo de negação e de invisibilidade de alguns elementos culturais, com grande potencial turístico. Um exemplo importante para ilustrar essa realidade, é o litoral sul, a região mais turística da Paraíba, concentra três importantes complexos culturais: as comunidades quilombolas (Ipiranga, Gurugi e Mituaçu); o povo indígena Tabajara e o berço da Jurema Sagrada.  

Esse potencial poderia contribuir para um processo desenvolvimento socioeconômico das comunidades afro-indígena da região. No sentido contrário, essas comunidades estão sendo ameaçadas pelos grandes empreendimentos do ramo hoteleiro, estão buscando construir grandes resorts nas terras sagradas da Jurema e do povo Tabajara na praia naturista de Tambaba.  

Dessa forma, o turismo tem se utilizado e contribuído para o racismo estrutural, visando alcançar os seus objetivos.  Tem agido de maneira conveniente, hora negando, destruindo e hora, se apropriando e esvaziando o sentido do legado negro-africano na Paraíba, em benefício próprio de poucos, em detrimentos de muitos.  

AFROTURISMO NO BRASIL E NA PARAÍBA  

O Brasil é constituído de mais de 50%, por pessoas negra, o segundo maior contingente populacional negro/negra do mundo, perdendo apenas para a Nigéria (MOREMI, 2021). Essa realidade, dentro de um país de proporção continental, tem gerado uma variedade imensa de culturas e histórias importantes de serem conhecidas e vivenciadas.  

O segmento do afroturismo, tem se consolidado, não só como nova tendência do mercado de viagens, mas também, como enfrentamento ao racismo estrutural, contribuído para desvelar o protagonismo da população negra no continente e na diáspora africana. Para salvaguarda do patrimônio histórico e cultural, principalmente em espaços que passaram por processo de eugenia urbanística. 

Dentro dessa perspectiva, a população negra tem mapeado e sistematizado suas experiências, possibilitando vivências afro-turísticas através de roteiros por todo Brasil. Embora essa estratégia de proporcionar vivências culturais, contação de história, entre outras iniciativas, aconteça há muito tempo, é só no final da segunda década do século XXI, que se convencionou chamar essa prática de afroturismo. Surge a partir de iniciativas como Diásporas Black, Brafrika Viagens, Guia Negro, Rota da Liberdade, Conectando Territórios, dentre outras, que tem chacoalhado o mercado do turismo. 


Visita ao Atelie Multicultural Elioenai Gomes, localizado no centro, o roteiro "Caminhada Jampa Negra” (privada) foi realizada pela Sankrota no dia 14/08/2022. / Arquivo Pessoal.

Na Paraíba, o afroturismo pode ser organizado em dois grupos. O primeiro, começou a partir do desenvolvimento de atividades eventuais, principalmente de dentro para fora das comunidades quilombolas, que não se intitulava como tal, embora tivesse todas as características do afroturismo. Essas experiências eram enquadradas por agentes externos nas categorias de turismo de base comunitária ou de experiência, e só muito recente, começam a ser classificadas como afro turísticas.  

Como exemplo, podemos mencionar a experiência do quilombo do Ipiranga, no município do Conde, que há muito tempo recebe pessoas para ouvir a sua história de luta pela terra; para conhecer um pouco da memória da comunidade através do seu museu e oferece uma festa referência para o coco de roda na região. Outra experiência importante, é o evento do “Vivenciando Caiana”, no quilombo de Caiana dos Crioulos, no município de Alagoa Grande, que proporciona artesanato, gastronomia, caminhada ecológica e muito lazer regado com música e dança afro paraibana.  

O segundo grupo, geralmente acontece a partir de um agente negro (a) externo (a), construído a partir de parceria com as pessoas que fazem parte do ambiente onde vai ser formulado e desenvolvido o roteiro. Desde a sua concepção, é denominado como afroturismo, como contraponto a relação oportunista que o turismo mante com o legado negro-africano, em busca de alcançar os seus interesses.  

Para ilustrar as atividades desse grupo, podemos mencionar o trabalho da Sankrota, que tem buscado mapear, sistematizar e organizar as experiências culturais, históricas, religiosas da população negra na Paraíba, proporcionando vivências que respeitam e valorizam o legado negro-africano através de roteiros afroturísticos.  

A Sakrota tem desenvolvido roteiros que marcam a história do afroturismo no Estado: a “Caminhada Jampa Negra”, que acontece nos moldes de outras caminhadas em diferentes cidades do país, possibilitando um olhar da capital a partir da perspectiva histórica e cultural da população negra e a “Vivência da Jurema Sagrada”, que acontece nos municípios do Conde e de Alhandra, proporcionando um contato histórico e cultural com a religiosidade afro-indígena.  


Visita ao Centro Cultural São Francisco, localizado no centro, o primeiro roteiro “Caminhada Jampa Negra” foi realizado no dia 07/08/2022. / Arquivo Pessoal.

 

Outra importante experiência é o “Afrotur”, que acontece no município de Rio Tinto, no litoral norte da Paraíba, no estuário do Rio Mamanguape, proporcionando passeios de barcos, com paisagens exuberantes, acompanhados de muitas contação de histórias e de coco de roda.  

É importante mencionar que os grupos de afroturismo, fazem parte de uma proposta estratégica de sobrevivência, que não renuncia a sua herança cultural, religiosa e histórica. Que utiliza essa herança como vetor de para desenvolvimento socioeconômico e para preservação do legado negro-africano na Paraíba e no Brasil.  

Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que embora tenha esse potencial, não podemos esquecer que o afroturismo está engatinhando na sua jornada. É preciso se consolidar enquanto campo técnico e teórico/metodológico, possibilitando deixar de ser uma iniciativa de pessoas e grupos isolados, passando a ser uma área do turismo, para proporcionar investimento para formação e para estruturação do trabalho, com o intuito de garantir as melhores condições para quem produz e para quem consome o afroturismo.  

 

PARA CONHECER MAIS 

DIAS, Guilherme Soares. Salvador e África do Sul vencem como melhores destinos, confira resultado do 1° prêmio do afroturismo. Guia Negro, 2023. (https://guianegro.com.br/salvador-e-africa-do-sul-vencem-como-melhores-destinos-confira-resultado-do-1-premio-do-afroturismo/).  

MOREMI, Bia. O que é afroturismo e sua importância. CNN Brasil, Viagem e Gastronomia, 2021. (https://viagemegastronomia.cnnbrasil.com.br/cultura/o-que-e-afroturismo-e-sua-importancia/).  

ROCHA, Ana Beatriz. Afroturismo: estudante cria projeto que traça rotas da história negra na Paraíba. g1-PB, TV Cabo Branco; TV Paraíba, 2023.  (https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2023/01/07/afroturismo-estudante-cria-projeto-que-traca-rotas-da-historia-negra-na-paraiba.ghtml).  

ROCHA, Ana Beatriz. Projeto traça rotas da história negra na Paraíba. JPB2, 2022. (https://globoplay.globo.com/v/11140940). 

 

* Concludente da graduação em Turismo - CCTA/UFPB. Pesquisadora de Afroturismo. Fundadora da Sankrota Afroturismo. 

** Pesquisador colaborador do NEABI-CCHLA/UFPB. Assessor de Projetos do Fundo Brasil de Direitos Humanos e Ativista do Movimento Negro. 

 

 

Edição: Heloisa de Sousa