Paraíba

Coluna

Práticas educacionais antirracistas devem ser socializadas para fomentar novos saberes

Atividades desenvolvidas nas escolas do munícipio de Areia (PB). - Raissa Bucar e Ana Cristina dos Santos.
a educação decolonizadora se constrói a partir da desconstrução de conhecimento colonizadores

Por Ana Cristina Silva Daxenberger*

 

Há cerca de 19 anos era editada a Lei 10.639/2003, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de "história e cultura afro-brasileira" dentro do currículo escolar de maneira a fortalecer a identidade afro-brasileira e valorizar a cultura diaspórica africana. Nesse mesmo documento, destaca-se a criação do Dia de Consciência Negra, celebrada no dia 20 de novembro.  

A inclusão destes componentes curriculares deve estar alicerçada em preceitos do reconhecimento à diversidade humana e o respeito às diferenças, sobretudo, no âmbito de valorização da cultura, das contribuições dos diferentes grupos étnicos que constituem a sociedade brasileira, e a construção de um projeto político pedagógico pautado em uma educação antirracista, consequentemente, baseada nos direitos humanos.  

Ao longo destes 19 anos, muitos pesquisadores (DAXENBERGER, SOBRINHO, 2015, 2014; SILVA E FERREIRA, 2021; entre outros) denunciaram a não materialização desta lei e a ausência de políticas educacionais que contemplasse a inclusão do ensino da história e cultura afro-brasileira. Por muitas vezes, os professores não conheciam a legislação ou não tinham conhecimentos aprofundados sobre como abordar tais questões de maneira decolonizadora.  

Sobre isso Silva e Ferreira (2021) dizem que a educação decolonizadora se constrói a partir da desconstrução de conhecimento colonizadores que estão arraigados na sociedade e se permite aos silenciados a voz de seu protagonismo; e a escola tem papel importante sobre isso.  

Depois de quase duas décadas, é inaceitável que ainda não se veja mudanças curriculares e nem tampouco discussões de enfrentamento ao racismo, a intolerância religiosa e a perpetuação de práticas de discriminação tão presentes em nossa sociedade na contemporaneidade.  

Quando participamos de atividades que promovem tais discussões e vemos o envolvimento de diferentes setores da sociedade e instituições diversas, juntas, promovendo práticas de fortalecimento e valorização da cultura afro-brasileira, somos motivados a socializar as experiências objetivando fomentar novos fazeres escolares e garantir espaços de discussão.  

Vale ressaltar que o Dia da Consciência Negra não é somente dia 20 de Novembro, esta é uma data que nasceu em um movimento de luta e resistência pelos Negros em busca de reconhecimento de direitos iguais e em celebração a memória de uma das figuras mais ilustres da história brasileira de resistência contra o processo escravizador dos colonizadores: Zumbi de Palmares.  

Desde 2011, como professora da UFPB participante de atividades extensionistas e em 2012 como membro do Neabi, sempre estive preocupada em desenvolver práticas de inclusão que envolvam a compreensão do sujeito no mundo e com o mundo, parafraseando nosso amado Paulo Freire. Neste ano, entendo ser necessário socializar as ações desenvolvidas no munícipio de Areia, estado da Paraíba, que em conjunto com membros da Prefeitura, via Secretarias de Educação e de Cultura, membros das Comunidades Quilombolas Mundo Novo e Senhor do Bonfim, escolas públicas (rede municipal e estadual), AMNA (Associação de Mulheres Negras de Areia), professores e estudantes do CCA/UFPB e IFPB, organizaram e desenvolveram uma semana abarcando várias temáticas importantíssimas que deveriam estar no cotidiano escolar de todos os municípios como projeto de escola. Dentre os temas, destaco as religiões de matriz africana, a cultura, a arte, a dança, a literatura, o teatro com apresentação de Teatro com a peça o Catiço, encenado pelo ator Thiago de Assis, o racismo, as lutas das mulheres negras, a territorialidade e comunidades quilombolas.  

As atividades nas escolas 

As escolas do município de Areia já têm incorporado em seu calendário escolar a semana de valorização da cultura afro-brasileira que é consolidada com a apresentação de atividades desenvolvidas dentro da escola, valorizando as temáticas associadas à Lei 10.639/2003. Isso já faz parte do currículo escolar do município desde 2017. 

Vale dizer que Areia tem história marcante durante o período de colonização na Paraíba, enquanto era província, e se utilizava de trabalho escravizado nos campos de algodão e cana-de-açúcar, é também considerada a terra da cultura, com as figuras ilustres como Pedro Américo e José Américo, e tem o primeiro Teatro construído no estado.  

Boa parte de sua população tem origem afro-brasileira ou indígena, visto que nesta região se vivia o povo indígena Bruxaxá. Sendo esse, mais um motivo para se refletir sobre a história, decolonizar a percepção de uma cidade embranquecida e resgatar a sua memória. Esse tem sido o trabalho dos professores nas escolas municipais e junto às comunidades quilombolas, objetivando o resgate cultural e preservação da memória. 

Atividades como palestras sobre empoderamento, beleza negra, cultura e pintura foram desenvolvidas com os alunos que se viram membros ativos em oficinas e socializando o seu conhecimento com os colegas, por meio ações feitas como produção de cartazes, oficina de tranças e turbantes, estudos diversos, participação de grupo de danças, concurso de redação e outros.  

As atividades desenvolvidas durante a semana também tiveram a presença de pessoas representativas do Fórum de Diversidade Religiosa Paraibana e a presença de Babalorixás  falando sobre preconceito e responsabilidade das escolas em promover o respeito às diversas religiões. Estiveram presentes: Babalorixá Antunes caldas de Oxalufan, dirigente do Ilê Axé Babá Obá Igbô em Campina Grande desde de 2008 de cultuação  Alaketu e membro do Fórum de diversidade religiosa da Paraíba; Mari Miguel (Cantora no grupo  Coco de Oxum/PB); Samuel Luna, Sacerdote no Culto à Jurema Sagrada, Mestre Iniciático no culto à Quimbanda, Candomblecista, abian filho de Gongobira no Ilê Axé Baba Oba Igbo do Babalorixá Antunes Caldas; Laila Pereira, abin de yemonjá, também filha do Babalorixá Antunes Caldas. (foto acima da composição). E na foto abaixo, Pai Ednaldo, Templo de umbanda religioso do caboclo pena dourada; Wellyngthon Câmara, Sacerdote de Jurema e Kimbanda, Candomblecista. Presidente do conselho da diversidade humana e da mulher de Remigio; Louriana Alves da Fonseca, Trabalha na Câmara Municipal de Areia, conhecida como Mãe Lora; Viviane Lira - assistente social  Centro João Balula, Yaó de Exu, Ativista antirracista LBTQIA+; Inardson Nascimento - homem de axé. Psicólogo do Centro de Referência de Igualdade Racial  João Balula. 


Atividades desenvolvidas nas escolas do munícipio de Areia. / Wilson Felix Xavier e Raissa Bucar.

 

Ainda no âmbito escolar, os professores de língua portuguesa aceitaram o convite para participarem do concurso de redação, com a temática “O negro no Brasil”, para o qual tivemos 15 inscrições, sendo 6 premiados. O primeiro lugar foi Eduardo Ferreira da C. Melo, sob a supervisão da professora de Língua Portuguesa: Ana Maria Nunes, da E. E. E. F.M. Carlota Barreira, e o segundo lugar Juliana Machado da Silva, professora Josineide Cândido da Costa, da Escola Municipal Abel Barbosa da Silva.  


Premiação do concurso de redação. / Nerivan Pereira dos Santos, Josileide Bernardo da Silva, André dos Santos Silva.

 

Para abrir e fechar as atividades da semana, as ações foram desenvolvidas no terreiro dos Quilombos, nos quais membros das Comunidades contaram as suas histórias de luta para conquistarem o reconhecimento e a titulação, assim como atividades culturais e artísticas.  

O Brasil com sua constituição tão diversa, precisa ter o Estado mais atuante para celebrar à diversidade cultural, a memória, e a voz de seu povo. A escola é uma das principais instituições que devem criar espaços para este debate e promover o sentimento de pertencimento e representatividade na sociedade. Como CAVALLEIRO (2001, p.151) diz: “A escola é um espaço que possibilita o trabalho de convivência e aceitação das diferenças: a educação antirracista reconhece o ambiente escolar como um espaço privilegiado para a realização de um trabalho que possibilite reconhecimento respeitoso das diferenças raciais, bem como dos indivíduos pertencentes a grupos discriminados.”  

Celebrando a realização da VI semana de Valorização da Cultura Afro-brasileira, no município de Areia/PB, esperamos, sinceramente, que se essas ações tornem um exemplo exitoso contra o racismo e que o Dia da Consciência Negra se construa como projeto político pedagógico nas escolas com atividades do cotidiano e não somente em Novembro. 

 

PARA SABER MAIS 

CAVALLEIRO, E. (Org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando a escola. São Paulo: Selo Negro Edições, 3ª ed. 2001, p. 141-160. 

DAXENBERGER, A.C.S., SOBRINHO, R.G.S.  A diversidade como princípio dos estudos étnico-raciais. João Pessoa: Editora Tempo, 2015. 

DA SILVA, Janssen Felipe; FERREIRA, Michele Guerreiro; DA SILVA, Delma Josefa. Educação das relações étnico-raciais: um caminho aberto para a construção da educação intercultural crítica. Revista Eletrônica de Educação. v. 7, n. 1. p. 248-272. São Carlos, 2013.  Disponível em: < http://www.reveduc.ufscar.br. >. Acesso em: 22 de novembro de 2022. 

MUNANGA, Kabengele. Teoria social e relações raciais no Brasil contemporâneo. MINISTÉRIO PUBLICO DO RIO DE JANEIRO. p. 1-9. 2010. Disponível em: < https://www.mprj.mp.br/documents/20184/172682/teoria_social_relacoes_sociais_brasil_contemporaneo.pdf >. Acesso em: 21 de novembro de 2022.

 

*Professora da UFPB/Departamento de Ciências Fundamentais e Sociais. Pesquisadora do  Neabi/UFPB. Membro do Comitê de Inclusão e Acessibilidade. Extensionista na área de inclusão social.  

Edição: Heloisa de Sousa