Coluna

Três táticas dividem a esquerda socialista

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A corrente de Boulos no PSOL defende a participação no governo Lula - Ricardo Stuckert
A eleição de Lula abriu uma nova conjuntura, mas não uma superação da situação reacionária


                                                                                                                     
A apressada pergunta, vagarosa resposta
Sabedoria popular portuguesa


O PSOL deve aceitar cargos no governo Lula? Três táticas diferentes dividem a esquerda socialista. Entre elas, há, também, posições intermediárias. Algumas vezes, os debates táticos são tão sérios e graves que têm desdobramentos estratégicos. Este é um destes momentos. O PSOL Popular, uma aliança entre as correntes Primavera Socialista, que tem, entre suas referências públicas, Juliano Medeiros, e a Revolução Solidária de Guilherme Boulos, entre outras lideranças, defendem a indicação de militantes para assumir cargos, abraçando a tática de “governo em disputa”.

O PSTU, entre outros, defende que a melhor localização seria como “oposição de esquerda”. O campo Semente do Psol, que articula, entre outras, a Resistência, Insurgência e Subverta, defende a governabilidade de Lula, preservando a independência do Psol.
  
Os que defendem a tática de que se deve participar do governo argumentam que os rumos da ampla coalizão articulada por Lula com representantes da classe dominante estariam em disputa, e há que tentar pressionar pela esquerda. Defendem que a única forma de garantir a governabilidade de Lula seria assumir, plenamente, a defesa do governo aceitando cargos e reponsabilidades de gestão.

Recordam que Bolsonaro conquistou mais de 58 milhões de votos, e a influência do bolsonarismo permanece imensa. Decorreria desta avaliação da relação social e política de forças a necessidade de integrar o governo para defende-lo da ferocidade da previsível oposição da extrema-direita. Sustentam esta orientação afirmando que a vitória de Lula só teria sido possível em função da Frente Ampla construída no segundo turno, esboçada no primeiro turno, pela presença de Alckmin como candidato a vice. Acrescentam que esta Frente mantém o apoio dos que elegeram, também, os deputados do PSOL, lembrando que existe uma expectativa e até esperança de ver ministros do PSOL no ministério.

Os que defendem a tática de oposição de esquerda argumentam que o governo Lula será um governo burguês de colaboração de classes, com representantes orgânicos da classe dominante, através até de ministros indicados pelo MDB, entre outros. Alertam que a fração capitalista mais poderosa está comprometida com a defesa do regime, e diminuem o perigo que o bolsonarismo representa.

Concluem que o governo Lula não merece apoio. Relembram que a experiência dos treze anos de governos de coalizão liderados por Lula e Dilma Rousseff, e seus compromissos com a burguesia, e até com o imperialismo norte-americano, como o papel das Forças Armadas através da ONU no Haiti, não pode ser esquecida.

Consideram que, diante da gravidade da crise social, e sob a pressão capitalista nacional e internacional, o governo Lula não será capaz de romper com a estratégia de ajuste neoliberal que prevaleceu ao longo dos últimos seis anos de Michel Temer e Jari Bolsonaro. Apostam que, no contexto da vitória de Lula, se confirmou que a situação não seria reacionária.

A terceira posição defende que a esquerda socialista deve se alinhar na defesa da governabilidade de Lula, diante das ameaças previsíveis do bolsonarismo, mas não deve assumir cargos de gestão, preservando a sua independência de ação e opinião. Em outras palavras, deve fazer a defesa incondicional da legitimidade do governo, nas ruas e no Congresso.

A situação ainda reacionária com a presença de uma extrema-direita poderosa, que irá ocupar todo o espaço de oposição não permite qualquer tergiversação. Turbulências como o vandalismo neofascista nas ruas de Brasília no dia da diplomação de Lula confirmam, mais uma vez, que a tática de oposição de esquerda seria um erro imperdoável.

Mas recordam que a adesão ao governo de Frente Ampla com a presença de expressivas lideranças de partidos de direita foi rejeitada pelo Congresso do PSOL em 2021. Alertam que a disciplina de ministros em um governo está acima da disciplina de partido. A lealdade política é indivisível da honestidade política. Ministros não podem fazer luta política pública contra membros do governo que participam.

A disputa do destino do governo Lula será feita de baixo para cima e de fora para dentro. Defendem que aceitar a participação no governo, ou a definição como oposição de esquerda seriam erros simétricos. A adesão ao governo condenaria o PSOL a ser um satélite do PT. A definição como oposição de esquerda condenaria o PSOL a uma solidão na marginalidade.
 
O projeto da esquerda socialista, aquelas organizações com uma estratégia anticapitalista, deve ser preservado. Depende, essencialmente, de uma situação mais favorável da luta de classes, uma inversão da relação de forças. Exige paciência tática e inteligência estratégica.

Uma das lições centrais do processo eleitoral é que o Brasil está fraturado social e politicamente. O bolsonarismo conquistou implantação social e capilaridade nacional. Não somente elegeu uma imensa bancada no Congresso, como venceu a eleição para governadores no triângulo estratégico do Sudeste.

A luta pela investigação dos crimes de Bolsonaro será um dos centros da disputa em 2023. Qualquer concertação pelo alto teria consequências catastróficas. A eleição de Lula abriu uma nova conjuntura, mas não uma superação da situação reacionária.

Mudou, favoravelmente, a relação política de forças, mas a relação social de forças continua desfavorável, um contexto muito contraditório transitório. São dois níveis diferentes de análise e nem sempre há sincronia.

Ao analisar a relação política de forças consideramos a superestrutura: a posição das representações de classe nas instituições, a luta de partidos. Ao analisar a relação social de forças consideramos os fatores objetivos e subjetivos que explicam as posições das classes em luta. A questão decisiva será a disputa na sociedade, e isso exige um giro para o trabalho de base. Nada vai mudar sem muita luta.  

* As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

   

Edição: Rodrigo Durão Coelho