Paraíba

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A obra de Renata Cabral: mulher, sentimentos femininos e liberdade

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A artista Renata Cabral com sua obra
A artista Renata Cabral com sua obra - Divulgação - (@renatacabral_galeria
Por que as mulheres foram e seguem sendo “esquecidas” ou invisibilizadas do mundo da arte?

Por Hiago Trindade*


 

Se estivéssemos, eu e você, caro(a) leitor(a), dialogando sobre pinturas e eu te perguntasse: quais artistas você conhece? O que será que você me responderia?  Se eu tivesse que apostar em alguns nomes, certamente estariam na minha lista: Leonardo da Vinci, Pablo Picasso, Van Gogh... Talvez, os(as) mais interessados(as) no tema, pudessem mencionar Rembramdt, Matisse, Renoir e uma série de outros grandes gênios da história da arte. Contudo – sem negar ou diminuir o mérito dos artistas citados –, nesse caso, eu gostaria muito de perder a aposta. Sabe por quê? Porque nessa lista não vemos o nome de mulheres que, sem a menor sombra de dúvidas, deram contribuições importantes ao desenvolvimento das artes no Brasil e no mundo.

Mas, por que as mulheres foram e seguem sendo “esquecidas” ou invisibilizadas do mundo da arte? Atualmente, ainda convivemos com uma desigualdade de gênero (reforçada pelos valores dominantes de nossa sociedade) que, muitas vezes, oculta o papel das mulheres nas diferentes dimensões da vida, inclusive nas artes. E isso não é algo que acontece apenas nos dias de hoje.

Para ilustrar o que estou dizendo, poderia relembrar a situação da artista alemã Hanna Höch que, no século XX, construiu o movimento dadaísta e foi, em diversas ocasiões, desafiada e deslegitimada por seus pares. Para vocês terem uma ideia, o próprio companheiro de Hanna à época (o também artista Raoul Hausmann), chegou a sugerir que ela deixasse de lado as suas fotomontagens e se dedicasse a buscar um emprego formal para que o mesmo pudesse seguir imerso integralmente em sua produção artística. No Brasil, valeria lembrar da situação desconfortável pela qual passou Annita Malfatti, diante da crítica feita por Morteiro Lobato, a qual, longe de querer oferecer uma contribuição respeitosa, induzia, em muitos aspectos, a uma deslegitimação da obra da artista.

Por isso - e em nome dessas e de outras tantas mulheres - a nossa estreia na coluna "Trilhando arte", procurará dar ênfase a produção de uma notável artista nordestina: Renata Cabral (1983 -).

Natural de João Pessoa (PB), cidade em que vive e trabalha, a artista autodidata iniciou sua inserção na pintura por volta dos 16 anos de idade, momento em que, ao começar a trabalhar, pôde comprar os materiais necessários para pintar e aprimorar sua técnica, sempre de modo intuitivo, pois, na cidade de Sapé, onde cresceu, não teve acesso a aulas formais de pintura. Com o decorrer do tempo, a grandeza do trabalho de Renata a fez ultrapassar as barreiras e as fronteiras brasileiras, levado sua produção para países como Flórida (2014) e Paris, no Carrousel du Louvre (2015).

No Brasil, o reconhecimento da qualidade e da potência de seu trabalho também é um fato incontestável, como o demonstra o recebimento da Menção honrosa pela participação inaugural no 28 Salão de Artes de Rio Claro (2010), além dos prêmios Delmiro Gouveia, concedido pela fundação Joaquim nabuco (2019) e de Economia Criativa (SEBRAE-PB), ambos conquistados em 2020. Soma-se a esses, ainda, o Voto de Aplausos atribuído à artista pela Câmara de Vereadores  de João Pessoa.
 
Atualmente, além de seguir firme na elaboração de seus quadros, Renata também dedica-se aos estudos pós-graduados, desenvolvendo a pesquisa “Como arte para desvendar-se: a empatia artística autoformadora em Edith Stein”, junto ao programa de pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
 
Por todo esse acúmulo e trajetória, as pinturas de Renata merecem a nossa atenção. Ainda que não possua uma galeria física, a artista alimenta constantemente sua página no instagram (@renatacabral_galeria) com um bom acervo de suas obras. Passeando pelos quadros lá socializados, poderemos desfrutar e apreciar da riqueza presente em suas telas.  E o mais interessante desse passeio, em minha opinião, é que quanto mais nos detemos em observar os detalhes das pinturas (frases, demarcações de dimensões, objetos etc.), mais possibilidades de leitura da obra (e da realidade) vão surgindo, nos permitindo fazer várias reflexões e engradecer nossa bagagem socio-cultural. Minha impressão é a de que poderia passar horas e horas debruçado sobre seus quadros pois, neles, Renata não nos fornece simples informações isoladas e acabadas, ao contrário, ela nos convida a construir, de forma conjunta, possíveis narrativas para as suas pinturas.
 
Além disso, não poderia deixar de destacar a maneira como as mulheres são retratadas em suas telas. Há uma diversidade de características e expressões que, em seu trabalho, envolve esses sujeitos: o cotidiano e o rebuscado, o sagrado e o comum, as diversas idades, os sentimentos “femininos”, os olhares e as poses. Poderia alongar ainda mais essa lista, mas gostaria mesmo de ressaltar algo que me parece presente em todos os seus quadros: a liberdade! Em primeiro lugar, a liberdade com que a artista delineia o desenho na tela para materializar essas mulheres: as formas, os contornos e os traços colorem o tecido de maneira muito peculiar. Em segundo lugar, o “ser mulher” é evocado livre e essa liberdade aparece como um horizonte a ser alcançado para que a sociedade se estruture de forma menos desigual entre os sexos.

E aí, se interessou pela obra da Renata?! Se sim, tenho uma boa notícia: a artista está expondo algumas de suas telas no Celeiro Espaço Criativo e você pode ir lá conferir até o dia 09-01-2023! O Celeiro está localizado à Av. João Cirilo, 850,  no Altiplano, em João Pessoa e, de segunda a sexta, das 8h às 17h está aberto para visitação com entrada gratuita.


*Hiago Trindade é doutor em Serviço Social pela UFRJ e professor do curso de Serviço Social na UFCG. Nos últimos meses vem se dedicando ao estudo do cinema (curso de História do Cinema – CEARTE) e pintura, a partir de aulas no atelier do artista plástico Davi Queiroz.

Edição: Polyanna Gomes