Paraíba

Coluna

Copa do Mundo, Futebol e Direitos Humanos

Richarlisson. - Lucas Figueiredo/CBF
Por que a FIFA ...não repudia tais condutas no país sede da Copa do mundo 2022?

Por  Ana Beatriz Silva da Rosa*  e  Maria Natalia Santos Calheiros** 



No dia 10 de dezembro de 1948, um grande marco na humanidade ocorreu. Na assembleia geral da Organização das Nações Unidas foi proclamado o documento que assegura direitos de liberdade, igualdade e justiça para todos os indivíduos independente de cor, raça, gênero, cultura e religião. A então certidão é conhecida como Direitos Humanos. Um registro muito importante e que inspira as nações democráticas. Desde então, essa data é destinada à memória e à defesa dos Direitos Humanos.  

O dia 10 de dezembro de 2022 será memorável? No dia que celebramos os Direitos Humanos, os holofotes estarão direcionados para os preparativos da final da Copa de futebol masculino. Um evento que ocorre a cada 4 anos e é organizada pela Federação Internacional de Futebol (FIFA). E todos, do mundo inteiro que têm esse esporte como parte de sua cultura, param para assistir o evento. Além das delegações, milhares de torcedores viajam para poderem torcer de forma calorosa nos estádios. Assim, o país sede da Copa recebe várias pessoas com nacionalidades, culturas, orientações sexuais, etnias, cores e raças diferentes. 

Desde 2010, quando houve o sorteio para a decisão da sede do Mundial de 2022, já se sabia que o Catar, o então país sorteado, tem um histórico patriarcal e homofóbico. País no qual as mulheres são submissas aos homens e pessoas da comunidade LGBTQIA+ não têm direitos de expressar seus sentimentos sem que haja repressão. O que nos leva a afirmar que os Direitos Humanos não são respeitados. Então, será que o Catar estaria preparado para receber um grande evento como esse? Deveria a FIFA ser mais criteriosa na escolha dos países sedes para propagar ações associadas do Futebol em busca de um processo civilizatório humanizado?  

Apesar de tantas críticas os preparativos para a Copa iniciaram-se. Com a ilusão de melhoria de vida, imigrantes oriundos de países pobres como Paquistão, Índia, Nepal e Bangladesh foram para o Catar para trabalhar nas construções dos estádios. Ao chegarem no país depararam-se com trabalhos análogos à escravidão: baixas remunerações, altas jornadas de trabalho, insalubridade e, estima-se, que 6,5 mil trabalhadores morreram sem nenhuma explicação às famílias, de acordo com publicações de 2021, do jornal britânico The Guardian. O estatuto da FIFA reconhece os direitos humanos e repudia qualquer forma de discriminação, o que se torna contraditório com a edição da Copa atual. Por que a FIFA que diz respeitar os Direitos Humanos não repudia tais condutas no país sede da Copa do mundo de 2022?  

A abertura da Copa, por sua vez, ocorreu no dia 20 de novembro, que por coincidência é o dia destinado à celebração da Consciência Negra, no Brasil. Apesar disso, a mídia, como principal meio de informações, deu relevância à cerimônia de abertura e ao primeiro jogo do mundial. E assuntos relacionados às lutas da população negra ficaram em segundo plano. Como sempre, o cunho econômico se sobrepõe ao social e à dignidade humana, pois as redes de transmissões e informações mantiveram sua programação mais focada na cerimônia do evento, do que as ações que foram realizadas em diferentes lugares, no Brasil, sobre o dia nacional da Consciência Negra.  

Vale salientar que o Brasil é expressivo em diversidades culturais, ambientais e sociais. E se hoje temos cinco estrelas  − é penta! − na camisa verde e amarela é graças à riqueza étnica que há no país. Negros como Pelé, Garrincha, Moacyr Barbosa, por exemplo, marcaram a seleção pelos seus talentos e por levantarem a taça junto com vários outros atletas. E mesmo com tantas pluralidades, falta engajamento por omissão de muitos jogadores e ex-jogadores ao enfrentamento contra o racismo. Lembremos de Lélia Gonzalez: “racismo por omissão”. 

Em 1958, quando o Brasil ganhou o primeiro título mundial e tinha Pelé como protagonista, lutas antirracistas e de igualdade não eram muito divulgadas pela mídia. A título disso, Edson Arantes do Nascimento sofreu muito racismo como apelidos relacionados a cor de sua pele: “Gasolina” e “Alemão”. Mas, apesar disso, nunca houve defesa por parte de Edson contra o racismo, e por várias vezes ele foi cobrado sobre isso. A omissão foi a sua marca para a invisibilidade racial. 

Em contrapartida, no século XXI, lutas em prol dos Direitos Humanos e de igualdade social, racial e de gênero estão ganhando mais visualizações por parte dos meios midiáticos. E como palco de grandes atenções, a Copa do mundo tem um importante papel de trazer como pauta assuntos relacionados aos Direitos Humanos e inclusão social. Portanto, é de extrema importância que haja a escolha ciente de um país que seja a sede desse evento.  

No primeiro jogo da Inglaterra contra o Irã, jogadores ingleses ajoelharam-se em protesto ao racismo e à proibição do uso da braçadeira escrito “One love” com as cores da bandeira LGBTQIA+. Em entrevista coletiva, o camisa 9 da seleção brasileira, Richarlison de Andrade, disse concordar e apoiar qualquer movimento que defenda a causa da igualdade de gênero e racial. Por sua vez, o camisa 9 da seleção brasileira sempre defendeu pautas de cunho social e ambiental. Mas, apenas agora, com as suas belas atuações em campo na copa mundial, está sendo reconhecido. Por que a demora para a legitimação de suas ações e de seu futebol? – salientando que, nas eliminatórias da Copa, Richarlison fez excelentes atuações.  

Por sua vez, a FIFA disponibilizou para os capitães de cada delegação braçadeiras com a frase “No discrimination”, ou em português, “Não à discriminação”. O que mais uma vez, torna-se hipocrisia. Suas atitudes são usadas para abafar as diversas críticas, feitas inclusive pelos próprios atletas; o que na verdade, torna-se ainda mais polêmico e questionador. O que leva uma federação lutar pela não discriminação em um país − que elas aceitaram para sediar a Copa − que não respeita os direitos básicos, os DHs?  


Logo da campanha da Fifa contra a discriminação / Reprodução Fifa

Por fim, pode-se afirmar que o futebol é muito importante para a inclusão social no Brasil. Além de tirar muitas pessoas de situações de pobreza e de violência, a composição das seleções é realizada com vários jogadores racialmente identificados como negros e pardos. As seleções femininas também se destacam por essa situação, o que demonstra que o futebol brasileiro também tem uma história negra. 


Seleção Brasileira / Lucas Figueiredo/CBF

Portanto, usar os eventos futebolísticos para manifestar a defesa e o agir para os Direitos Humanos é muito importante para que torcedores se sintam representados e estimulados para abraçarem a causa. Mas, é necessário que a mídia, por sua vez, dê mais visualidade para essas ações e se empenhem junto com os atletas. Assim, no dia 10 de dezembro, é importante que a data histórica dos Direitos Humanos seja lembrada e evidenciada. Mas é incontestável que não devemos comemorar e destacar essa pauta apenas na data comemorativa. Devemos lutar pelos nossos direitos e comemorar por eles todas as horas, todos os dias, todos os meses, todos os anos e todas as copas.  

 

PARA SABER MAIS 

MELO, B. M. Gregório. F. Preconceito racial no esporte nacional. Periódico UFF, n 24,  Março de 2015. Disponível em https://periodicos.uff.br/esportesociedade/article/download/49301/28668   

MESQUITA, F. Tem lugar aí pra mim? Um livro sobre Direitos Humanos e respeito à diversidade. Panda Books; 1ª edição, Julho de 2018. 

PIMENTA, Paula. Copa no dia da Consciência Negra reaviva luta antirracista. In: Agência Senado, 18/11/2022. Disponível: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/11/copa-no-dia-da-consciencia-negra-reaviva-memoria-da-luta-antirracista  

SÉRIE DOCUMENTAL. Esquemas da FIFA. NETFLIX, 2022. Disponível: https://www.netflix.com/br/title/80221113 

 

*Graduanda em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal da Paraíba. Graduanda em Pedagogia pela Universidade Mauricio de Nassau. 

**Professora orientadora. Professora adjunta do departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal da Paraíba. Mestra em Psicologia cognitiva. Doutora em saúde da criança e do adolescente. 

 

Edição: Heloisa de Sousa