Paraíba

DONOS DA MÍDIA

ARTIGO | Candidatos usam concessões públicas de meios de comunicação para se eleger na PB

Pesquisa do Intervozes identificou quatro políticos paraibanos que violam a Constituição para permanecer no poder

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Os candidatos Efraim Filho (União), Raniery Paulino (Republicanos), Dr. Damião (União) e Francisca Motta (Republicanos) foram os apontados no levantamento do Intervozes - BdF PB

O artigo 54 da Constituição Federal proíbe deputados federais e senadores de serem proprietários de rádio e TV, pois tais empreendimentos são concessões públicas que podem estar sujeitas a conflitos de interesses ao serem geridas por agentes públicos.
No entanto, a história da radiodifusão no Brasil está marcada pela concentração midiática na mão de famílias tradicionais de políticos, num sistema conceituado por pesquisadores, como Venício A. Lima, Janaine Aires e Suzy Santos, de coronelismo eletrônico. Os meios de comunicação são usados por estas famílias como moeda de troca para sua permanência no poder, o que enfraquece a democracia e o próprio direito à informação garantido pela Constituição de 1988.

Todos os anos eleitorais, o Coletivo Intervozes realiza o monitoramento das candidaturas de políticos que são proprietários de mídia e este ano constatou-se o crescimento no número de políticos proprietários de meios de comunicação no Brasil. Ao todo, foram encontrados 45 candidatos nesta situação, sendo 18 candidatos a deputado federal, 13 a candidato estadual, 6 ao senado e 1 a suplência do senado, 5 ao cargo de governador e 2 de vice-governador. Mais da metade dessas candidaturas são compostas por homens (38), brancos (33) e milionários (33).

As candidaturas não são novas no cenário político brasileiro e foram mapeadas pelo levantamento Donos da Mídia com base no registro eleitoral em 14 Estados (BA, PB, PE, CE, PI, AM, PA, RR, MT, MG, ES, SP, RJ e PR) e no Distrito Federal, cruzados com as propriedades de mídias das 10 maiores cidades, em número de habitantes, de cada Estado. O projeto Donos da Mídia é realizado pelo Coletivo Intervozes em anos eleitorais. No levantamento de 2018, foram identificados 34 candidatos em 10 Estados e no Distrito Federal.

Na Paraíba, o Intervozes identificou quatro políticos proprietários de mídia, que violam o artigo 54 da Constituição Federal do Brasil. O deputado federal e candidato a senador Efraim Filho (União Brasil), o deputado estadual e candidato à deputado federal Raniery Paulino (Republicanos), o deputado federal e candidato à reeleição Dr. Damião (União Brasil) e a ex-prefeita de Patos e atual candidata a deputada estadual, Francisca Motta (Republicanos).

Efraim

A família de Efraim Filho vem de uma longa trajetória política no Estado, com seu pai, Efraim Morais, sendo o primeiro a figurar entre os políticos de maior permanência em cargos públicos, como deputado federal por três mandatos, deputado estadual em duas legislaturas, senador e secretário em governos estaduais.

A família Morais é proprietária da rádio Vale do Sabugi, no município de Santa Luzia, conforme constatado por Ação Civil Pública, ajuizada na Justiça Federal pelo Ministério Público Federal na Paraíba (MPF/PB), em 2018. Na Ação, o MPF /PB pede o cancelamento da concessão da família Morais “por descumprimento do artigo 54, inciso I, da Constituição Federal, referente à vedação para deputados e senadores de firmar ou manter contrato com empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes. Verificou-se, nessa senda, a existência de parlamentares do Estado da Paraíba que, em afronta ao preceito constitucional supracitado, compõem o quadro societário de empresas de radiofusão. Nesse contexto, fora realizado um pedido de pesquisa requisitando informações a respeito de quais parlamentares paraibanos estariam participando de tais quadros. Em resposta, obteve-se o relatório de pesquisa nº 3197/2016, contendo informações que asseguram a participação do representado, o Deputado Efraim de Araújo de Morais Filho, cuja sociedade houvera sido firmada com a Radio Vale do Sabugy LTDA -ME (12.664.785/0001-86)”. No entanto, até o momento, o cancelamento da concessão não foi realizado pelo Poder Judiciário.

Efraim Morais Filho também é um dos parlamentares que mais votou contra os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros, conforme constata levantamento realizado pelo portal Ruralômetro, organizado pela Repórter Brasil. Ele é apoiador do atual presidente da República.

Raniery

Outro político paraibano identificado pela pesquisa do Coletivo Intervozes de família proprietária de meios de comunicação é o deputado estadual, Raniery Paulino, do Republicanos.

Nesta eleição, Raniery é candidato a deputado federal. Ele também faz parte de uma família tradicional de políticos na Paraíba, especificamente, no município de Guarabira. Seu pai, Roberto Paulino, foi prefeito da cidade por dois mandatos, deputado federal, deputado estadual e vice-governador do Estado pelo MDB ao lado do já falecido José Maranhão. A família Paulino é concessionária da rádio Guarabira FM, que está no nome da irmã do deputado, Roberta de Aquino Paulino, conforme informações da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Rede Sim).

O deputado Raniery Paulino possui o programa “Tem palavra, tem ação” na emissora, que segundo o anúncio publicado em um site local, é o espaço de prestação de contas do deputado. Porém, não é isso que diz a nossa Constituição em relação a políticos donos de mídia e a ex-procuradora da República, Raquel Dodge, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal no contexto da ADPF 429, que reconhece potencial risco de que políticos “se utilizem dos canais de radiodifusão para defesa de interesses próprios ou de terceiros, em prejuízo da escorreita transmissão de informações”. Para Raquel Dodge, tais situações constituem grave afronta à Constituição.

Damião

O deputado federal pelo União Brasil, ex-PDT, Damião Feliciano é outro político da Paraíba que tem concessões de rádio e está na política desde 1999. Dr. Damião também foi alvo de Ação Civil Pública por parte do MPF/PB, e ao contrário de Efraim Filho, teve a suspensão das atividades da rádio Santa Rita FM, determinada pela Justiça Federal.

Além disso, a rádio estava com a outorga vencida há 10 anos. Mas, a cassação da outorga não o impediu de exercer seu poder político através das mídias. Até pouco tempo, o Sistema Rainha de Comunicação, gestora da rádio Panorâmica FM, de Campina Grande, estava em nome de Dr. Damião. Atualmente,  é seu filho, Renato Feliciano,  que consta no quadro de sócios.

Francisca

A ex-prefeita de Patos e atual candidata a deputada estadual pelo Republicanos, Francisca Motta, figura como sócia da rádio Itatiunga. Em 2018, o MPF/PB também ajuizou uma ação contra o Sistema Itatiunga de Comunicação, e que tinha como sócio o atual prefeito de Patos, Nabor Wanderley, e a sua filha, Olivia Motta Wanderley da Nóbrega.

Na época, Nabor, que é genro de Francisca Motta, era deputado estadual, e por isso, o MPF/PB pediu o cancelamento da concessão. Segundo a ação do MPF/PB, o atual prefeito de Patos deixou a sociedade do sistema de comunicação e colocou a irmã em seu lugar, Helena Wanderley. Atualmente, constam como sócios do Sistema Itatiunga de Comunicação, a candidata à deputada estadual, Francisca Motta, a irmã de Nabor, Helena Wanderley, a sua filha, Olívia, e a ex-mulher dele, Ilana Araújo Mota. O neto de Chica Motta, como é conhecida na região de Patos, Hugo Motta, é deputado federal, também pelo Republicanos, candidato a reeleição. Tudo em família!


Levantamento do Intervozes identificou 45 candidatos proprietários ou envolvidos com propriedades familiares de mídias em 2022. Divulgação: Thyago Nogueira/Intervozes

ADPFs

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), com apoio do Intervozes, entrou com duas Arguições por Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição (ADPFs), no Supremo Tribunal Federal (STF), especificamente sobre o artigo n.54 e outros preceitos fundamentais da Constituição Federal, que proíbe a propriedade dos meios de comunicação por políticos, de maneira direta ou indireta. A primeira ADPF foi protocolada no STF, em 2011 (ADPF 246) e a segunda em 2015 (ADPF 379).

As entidades solicitam ao STF, o cancelamento das outorgas de radiodifusão e que a União promova novas licitações das outorgas canceladas. Estas duas arguições somam-se a ADPF 429/2016, que propõe a suspensão de todos os processos e os efeitos de todas as decisões judiciais que tenham relação com a outorga e renovação de concessões de radiodifusão a pessoas jurídicas, sejam elas sócios ou associados, e possuam cargo eletivo, como deputados e senadores.

* Mabel Dias é jornalista e integrante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social

**O levantamento completo está disponível na página do Intervozes. Os dados foram coletados coletivamente por Jonaire Mendonça, Iago Vernek, Iury Batistta, Mabel Dias, Nataly Queiroz, Paulo Victor Melo, Raquel Baster e Sheley Gomes. A pesquisa foi coordenada por Tâmara Terso e Olívia Bandeira.

Edição: Maria Franco