Paraíba

Coluna

O voto popular, Lula e o futuro do Brasil

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Pobre e emigrante nordestino, Lula se tornou o único filho do povo a sentar na cadeira presidencial - Ricardo Stuckert
Só o voto popular, onde pobres e ricos ficam do mesmo tamanho, permite eleger um filho do povo

As pessoas, em geral, tendem a não gostar de política e de políticos. É natural do ser humano exigir mais de seus dirigentes do que a realidade política e econômica podem oferecer. Ainda bem que é assim. Não fosse, o mundo estagnaria. A "roda da história" pararia.

A forma de eleger e de se estruturar governos mudou muito ao longo da História e obedece conflitos, diversidades e, muitas vezes, conformações culturais próprias. Houve (e há) trágicas ditaduras, democracias limitadíssimas e experiências de democracias participativas interessantíssimas.

No Brasil, a conquista da República, a democracia representativa, liberal e limitada, ainda tem pouca tradição. Da proclamação da República, em 1889, até o início do atual ciclo democrático, em 1989, tivemos mais períodos autoritários do que de normalidade democrática.

A escolha dos presidentes no Brasil antes de 1930 era realizada por coletas de assinaturas em livros, constando uma "Ata Eleitoral" dentre ricos e letrados. Não existia o voto popular. Não havia qualquer fiscalização. O voto era censitário, ou seja, precisava comprovar uma condição financeira alta para se votar. As pessoas pobres eram automaticamente excluídas do direito de escolher seus governantes. Além dos pobres, as mulheres, mesmo as esposas dos ricos, não tinham direito de votar. Sequer de falar em política.

Em 1930, Getúlio Vargas, a partir de um movimento armado, toma o poder no Brasil, enfrenta os separatistas paulistas representantes das oligarquias cafeicultoras que dominavam o país até então e inicia um processo de modernização da vida brasileira. Em 1937, Getúlio no poder dá um golpe de Estado, rasga a Constituição de 1934 criada em seu governo – a primeira a assegurar o direito das mulheres ao voto – e instaura uma ditadura, com prisões, torturas e vergonhosa aproximação do Brasil com o nazifascismo.

A guinada só veio com a entrada do Brasil na II Guerra Mundial. Sob intervenção, sem eleições e sem Congresso, o Brasil só volta a votar em dois de dezembro de 1945, elegendo uma nova Assembleia Constituinte, que promulgou a Constituição de 1946.

Entre 1946 e 1964, o Brasil elegeu Dutra apoiado por Getúlio; o próprio Getúlio em 1950; JK em aliança com o getulismo, tendo Jango de vice; Jânio Quadros pela direita e João Goulart (getulista) pela esquerda. Na época era possível votar em um presidente de um partido e o vice de outro.

Nenhum desses presidentes recebeu votos de analfabetos que, pasmem, eram ainda a grande maioria da população brasileira. Os pobres, aos quais se negavam escolas, eram também alijados do direito de votar e ser votado.

Em 1964, o golpe militar e a Ditadura nos impediram de votar para presidente por longos 29 anos. O regime indicava um general autoritário para ser referendado em um Congresso eleito sem oposição real. Nesse período a ditadura impôs os generais: Castelo Branco,  Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo.

As lideranças de oposição ao regime estavam presas, sendo moídas em campos de tortura ou exiladas, expulsas do país por suas ideias políticas. No período, o Brasil cresceu e se modernizou economicamente, se tornando um país urbano e industrializado. Mas, ao mesmo tempo, um dos países mais desiguais do mundo. A concentração de riquezas de um lado, a expansão da miséria do outro e a corrupção foram as principais marcas da ditadura. Os órgãos de controle estavam sob controle, o sigilo das ações dos ditadores e a censura impediam que a sociedade soubesse qualquer coisa dos governos.

Porém, nenhuma ditadura se eterniza. A crise econômica em que a ditadura enfiou o país, a corrupção que veio à tona, minaram finalmente, o poder absoluto e abusivo dos militares. Em 1982, as eleições para Governador já apontavam a derrota dos ditadores. Em 1985, com os votos dos analfabetos pela primeira vez, elegemos prefeitos das capitais de maioria contra a ditadura. No ano seguinte elegemos um Congresso com poderes Constituintes.

O povo nas ruas assegurou uma Constituição democrática, avançada para os padrões brasileiros. Asseguramos saúde e educação como "Direito de Todos, Dever do Estado". Foi um avanço extraordinário. Foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que basicamente dizia: todo brasileiro terá acesso a assistência à saúde, gratuita. O mesmo para a educação. Criamos o SUAS - Sistema Unificado de Assistência Social – que, a rigor, obrigava o Estado brasileiro a cuidar do seu povo, a não deixar alguém desamparado por desajustes na economia e a cuidar das pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Promulgada em 1988, a Constituição Federal passou a ser ao mesmo tempo a lei maior e uma bandeira de luta, pois a realidade estava distante do que ela estabelecia. E vieram as eleições presidenciais. Agora sem o voto censitário nem a exclusão dos analfabetos (uma versão de voto censitário). Pela primeira vez no Brasil, o voto do bilionário enriquecido na ditadura valia o mesmo do sertanejo faminto; o voto do intelectual soberbo valia o mesmo do excluído social, que nunca pisara na escola das letras.

Elegemos Collor de Melo. Um aventureiro que caiu nas graças da elite econômica e foi ilusão de muitos. O Plano Real e o combate neoliberal à inflação elegeram em 1994 e 98 FHC. Um intelectual soberbo. Embora democrata, claramente submisso aos poderosos internacionais e aos daqui. Aderiu ao neoliberalismo cruel e deixou o poder com grande rejeição.

Aí elegemos Lula. Sem medo de ser feliz. Surgiu no Brasil a "Era Lula". Os governos Lula marcaram definitivamente nossa história. Foram os mais inclusivos da trágica e triste história do Brasil. 

A vida de Lula precisa ser contada e recontada. Documentada, filmada e gravada para as futuras gerações e para os quatro cantos do mundo. Lula é a expressão viva, humana do que há de mais autêntico e belo no Brasil. Até mesmo, de nossas contradições. Lula é conciliação, onde muitos querem conflitos. Concessão e conciliação negando enfrentamento e antagonismos. É perdão quando esperam vingança. Calmaria em meio a tempestade. E humildade em meio a soberba.

O país rico, de enormes desigualdades. Onde os privilegiados, geralmente do sul-sudeste humilham e discriminam os pobres, pretos e nordestinos, surge Lula. Pobre e emigrante nordestino, ele se torna a maior liderança popular de nossa história e é eleito presidente do Brasil.

Fez o melhor governo de todos os tempos de nossa República e deixou a presidência com incríveis 87% de aprovação. Um feito único.
No país até então governado por oligarquias, generais e alguns poucos democratas verdadeiros, Lula é o único filho do povo a sentar na cadeira presidencial. Ora, no país em que Getúlio Vargas, um poderoso oligarca, foi levado ao suicídio para evitar um golpe; em que um líder como Jango, de uma das famílias mais ricas do Sul, foi deportado; imagina o que não fariam com um nordestino operário de sobrenome Silva?

E fizeram. O caçaram, o prenderam. Tentaram desonrá-lo, desmoralizá-lo. Mas ele resiste, como resiste o povo brasileiro e o Brasil. E só o voto popular, livre e espontâneo, o voto justo, democrático, onde pobres e ricos ficam do mesmo tamanho, permite tal acontecimento: eleger e reeleger um filho do povo.

A perseguição criminosa implacável contra Lula já era esperada. É, de fato, o cotidiano do povo pobre do Brasil. Os poderosos o perseguem, o discriminam, o rejeitam. O odeiam. Tentam humilhá-lo. Não sabem eles: "os humilhados serão exaltados".

Assim, com Lula, os trabalhadores do Brasil,  aqueles que acordam na madrugada para pegar no batente, tecem com os firmes fios da esperança equilibrista, o futuro do Brasil.

* Jonas Duarte é professor do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Edição: Maria Franco