Paraíba

ARTIGO

Campina Grande: Cidade da Inovação e da Fome

Campina tem se tornado uma cidade da fome, com famílias que lutam diariamente para ter algo para comer

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Campina Grande - PB - Foto: Chico Figueiredo

 

“O primeiro direito de um homem é de não passar fome!”

Josué de Castro

Quando o projeto social dá prioridade à efetiva melhora das condições de vida da maioria da população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento. Ora, essa metamorfose não se dá espontaneamente. Ela é fruto da realização de um projeto, expressão de uma vontade política."

Celso Furtado

Campina Grande é conhecida e reconhecida como uma das principais cidades do Nordeste. O município passou por fases importantes como o ciclo do algodão, a industrialização, a capital do trabalho, a expansão do polo educacional, se tornando um espaço promissor da inovação tecnológica e científica, é a cidade dos megaeventos culturais e religiosos, a cidade das artes, o lugar que tem a cultura como um dos elementos da dinâmica econômica e identitária. Uma cidade que conta com uma sociedade civil organizada que pensa e se mobiliza nas diversas áreas de interesse e de luta por direitos. Uma cidade que leva a arte de inovar no seu DNA e se torna uma das vozes no cenário nacional na construção de qual desenvolvimento queremos para o país. Uma cidade criativa, com participação recente na elite das cidades criativas da UNESCO. 

Porém, ao mesmo tempo é uma cidade profundamente contraditória, basta uma andança pelo território do município de Campina Grande para se deparar com as realidades de exclusão social e ambiental; infraestrutura precária, áreas de favela e de riscos  e uma periferia crescente em toda zona urbana, sem falar da área rural e dos distritos, com vários problemas de aumento da pobreza; a falta de cuidado e preservação das suas nascentes, rios, das áreas verdes, o descompromisso total com o meio ambiente e a falta de políticas diante da urgência das mudanças climáticas.  

Consta-se o aumento das pessoas em situação de rua, das crianças nos semáforos ou indo para a escola sem terem feito nenhuma refeição em casa, basta observar o tamanho das filas no único restaurante popular da cidade. Campina Grande, infelizmente, assim como outras cidades do Brasil, tem se tornado uma cidade da fome, com famílias que lutam diariamente para ter algo para comer, além do grave desemprego na cidade e das situações de emprego precário e de baixa remuneração. É notório o aumento das pessoas que buscam na catação do lixo nas ruas, a única fonte de renda para sobreviver. É uma triste realidade, que precisa ser enfrentada por toda a sociedade e principalmente pelo poder público, poder este que se apresenta com um discurso da excelência administrativa, do cuidado com as pessoas, e, na prática,  deixa os dois restaurantes populares e as nove cozinhas comunitárias do município fechados há mais de 10 anos. Não há uma política de fomentar o emprego, a renda e o investimento público e privado para um ciclo próprio de desenvolvimento, possibilitando a igualdade de oportunidades para todos e todas.

Outra realidade dessa falta de compromisso em superar as desigualdades é a péssima qualidade e falta de acesso aos serviços públicos de saúde, transporte público, habitação de interesse social, qualificação profissional, a falta de creches, e a falta de uma boa infraestrutura na periferia, só para citar algumas situações. A maior parte da cidade hoje é de periferia, sofrendo mais ainda os efeitos das grandes chuvas ou dos períodos de maior estiagem. A falta de diálogo com  a pluralidade da cidade é algo que beira a uma política oficial do não diálogo e da falta de uma democracia plena na cidade. Esse descompromisso é a marca dos últimos governos municipais,  liderados pelas famílias Cunha Lima, Ribeiros, Vitais, e até por alguns setores da esquerda que estiveram nesses governos. Quando dialogam, o fazem com um único setor da cidade.  

O atual governo Bruno Cunha Lima segue essa lógica da falta de planejamento de curto, médio e longo prazo, basta ver o descaso com a revisão do Plano Diretor, que está com seis anos de atraso. Se repete a concentração da gestão, segue sem promover a participação ativa e plural da sociedade, e principalmente, sem enfrentar o grave problema da fome e das desigualdades da cidade. 

A fome é um atentado contra a vida, um atentado contra a possibilidade de construirmos uma sociedade justa e solidária. É hora de mobilizar toda sociedade para enfrentar, no curto e médio prazo, e com a solidariedade necessária, esse problema. Para que ninguém passe fome ou deixe de estudar, e que se possa sair das condições de miséria por causa da fome. 

Cabe provocar as nossas instituições acadêmicas, de pesquisa e de fomento, sobre  a necessidade da realidade de Campina Grande, especialmente a realidade das desigualdades socioeconômicas e ambientais, entrarem na centralidade dos estudos, projetos e definições de financiamento. Como inovar nas diversas áreas promovendo justiça social e ambiental? Queremos uma cidade com igualdade de oportunidades para todos e todas ou de apenas prosperidade para alguns? Como projetamos um novo ciclo econômico para Campina Grande onde a inovação social, a sustentabilidade ecológica, a diversidade cultural, e a prosperidade para todos/as estejam no centro desse novo ciclo e compromisso das diversas forças sociais e políticas ?  

Cabe aqui saudar o heroísmo de organizações sociais e religiosas que, muitas vezes sem apoio, promovem a solidariedade e transformações sociais que apontam para uma sociedade melhor. Cito o exemplo da ocupação da Cozinha Comunitária do Jeremias, liderada pelo Comitê Contra a Fome do MST, Levante Popular da Juventude e sindicatos; outro exemplo é o da Pastoral da População em Situação de Rua (Irmão De Francisco), da Igreja Católica, que vem atuando com muita solidariedade entre os mais excluídos. 

A participação cidadã, o diálogo plural e a construção de políticas públicas e econômicas que enfrente essa realidade e transforme a cidade da fome na cidade da justiça social, ambiental e da inovação política; é URGENTE! 

Caminhemos!

Roberto Jefferson Normando   
Coordenador do Fórum Pró Campina     
 

Edição: Polyanna Gomes