Paraíba

CONSCIENTIZAÇÃO

Campanha Agosto Lilás e os 16 anos da Lei Maria da Penha

Entrevistamos a Assistente Social, Iocaiama Dantas, sobre a importância do enfrentamento à violência contra a mulher

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |

Ouça o áudio:

Cartaz Divulgação da Campanha Agosto Lilás 2022 - Divulgação - Campanha

O Programa de Rádio Paraíba de Fato entrevistou a Assistente Social, Iocaiama Dantas, sobre a Campanha Agosto Lilás e os 16 anos da Lei Maria da Penha. Iocaiama atua em um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) no Interior da Paraíba e, na entrevista, ela explicou a importância da Campanha, comentou e debateu dados sobre violência contra a mulher, e refletiu sobre a urgência no trabalho de conscientização e sensibilização de temas como: direitos da mulher, educação sexual, igualdade de gênero e feminismo. "Precisamos ampliar esse debate para todas as esferas da sociedade e tentar reduzir os danos que esse conservadorismo, machismo, e misoginia vem perpetuando socialmente”, afirmou.
 


Iocaiama Dantas - Assistente Social / Foto: Arquivo Pessoal

CONFIRA A ENTREVISTA:

PARAÍBA DE FATO: O que é a Campanha Agosto Lilás e por que ela foi criada?

IOCAIAMA: O mês de Campanha Agosto Lilás é um mês de enfrentamento a violência contra a mulher. E é no mesmo mês em que comemoramos 16 da Lei Maria da Penha, essa lei que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra mulher e, também, para estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres que estão em situação de violência doméstica e familiar. E aí essa lei vai assegurar a todas nós, mulheres, gozar dos nossos direitos fundamentais, independente da nossa classe, da nossa raça, etnia, orientação sexual, cultura, renda, nível educacional, idade ou religião.  Ela foi criada com o objetivo de sensibilizar, né, de conscientizar a sociedade sobre o fim, sobre a necessidade do fim da violência contra mulher e, também , com o objetivo de divulgar durante todo mês os serviços especializados da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência e os mecanismos de denúncia que existem.

PARAÍBA DE FATO:Quais ações são desenvolvidas durante essa Campanha? 

IOCAIAMA: Durante o mês de campanha do Agosto Lilás são desenvolvidas tanto em âmbito municipal, estadual e federal -  já que é uma campanha divulgada nacionalmente -  diversas atividades como: oficinas, palestras, rodas de conversas, passeatas, todas abordando o tema da violência contra mulher. E essas atividades têm o intuito de sensibilizar a sociedade e, principalmente, as mulheres sobre o que é a violência contra a mulher e as variadas formas  que elas se apresentam. A violência física é a mais visível tanto para vítima, né, como para a sociedade, mas aí também existe a violência psicológica, moral, sexual e a patrimonial, e algumas são menos divulgadas e também menos identificadas pela vítima.

PARAÍBA DE FATO:16 anos da Lei Maria da Penha: o que mudou nesse tempo e o que você acha que ainda precisa ser debatido e transformado em ações concretas na defesa dos direitos e segurança das mulheres?

IOCAIAMA: Dezesseis anos após a Lei Maria da Penha nós, mulheres, sem sombra de dúvidas, obtivemos vários ganhos, e um deles é justamente as próprias legislações que vão nos dar amparo, proteção e elementos para que a gente possa ter conhecimento acerca dos nossos direitos e, claro, espaços legítimos de discussão sobre eles. Também temos a rede de serviço da Assistência Social, da Saúde, da Educação, da Segurança Pública que hoje existem para atender essas mulheres, que têm capacitado seus profissionais para ofertar esses serviços e, realizam, dentro da sua política, trabalhos de prevenção e proteção às mulheres. Temos ainda a implantação das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres,ou seja,  agora as mulheres tem um lugar específico para fazer essas denúncias, atendidas por outras profissionais mulheres para que elas se sintam mais a vontade em relatar denúncia e procurar essa ajuda... Então esses são alguns dos ganhos que nós já obtivemos pós Lei Maria da Penha, mas apesar de todas essas conquistas que já tivemos ainda é necessário ampliar o tema da violência contra as mulheres. É primordial, é urgente, que a gente possa debater também sobre educação sexual nas escolas, para trabalhar desde as crianças e os adolescentes, né, sobre a igualdade de gênero, para que possamos  estender esse debate para todas as esferas da sociedade e tentar reduzir os danos que esse conservadorismo, que esse machismo, e essa misoginia - que vem sendo perpetuada socialmente -  não consigam mais gerar danos e tantas mortes de mulheres.

PARAÍBA DE FATO: Esse ano, aqui na PB, foi lançado o Relatório Final da CPI do Feminicídio, que tratou, analisou e debateu o feminicídio por dentro, em suas raízes estruturantes, culturais, e buscando entender a forma como ele se capilariza na Paraíba. Um dos dados da investigação mostrou que dos 176 casos analisados, 44 ocorreram na Zona Rural e/ou cidades do Sertão e Alto Sertão. O que podemos pensar sobre esses altos índices no Interior do estado?

IOCAIAMA: A Campanha do Agosto Lilás é realizada em todo território, né, e aí eu acredito que, não só disseminação, mas principalmente é importante criar estratégias, metodologias para conseguir abarcar uma maior população e a maior participação da sociedade nesses debates, nessas campanhas, porque ainda é muito delicado e difícil abordar alguns temas temas como direitos das mulheres, violência contra mulher, igualdade de gênero e feminismo nessas localidades e, principalmente, quando se diz respeito a zona rural, pois existe um conservadorismo muito forte que essas regiões carregam, perpetuam e que fragiliza esse debate. Isso também dificulta a realização dessas atividades porque esses papéis sexuais eles são e estão muito bem definidos para essas pessoas, e falar sobre o espaço que a mulher deveria ter, os direitos que as mulheres deveriam gozar, é uma realidade muito longe para essa mulheres, principalmente, nas cidades pequenas e ainda mais forte dentro da zona rural. A falta dessas atividades nesse processo educativo de sensibilização implica na continuidade dessas violências que são reproduzidas diariamente, nesses números que não param de crescer e são divulgados quando, infelizmente, já não tem mais como resolver, né, a vida da mulher já se foi... Sem falar em tantos outros casos e tantas outras mulheres que vivem nessa mesma situação e que são e estão silenciadas por seus companheiros, pelas suas famílias, por falta desse esclarecimento e também pela insegurança da sua própria vida, caso ela faça essa denúncia mas não tenha segurança suficiente para ela e para sua família.

PARAÍBA DE FATO: Essa última pergunta pode ser bem ampla e cheia de significados, mas coloco aqui no debate e na reflexão: por que muitas mulheres ainda não conseguem denunciar as violências sofridas?  E como denunciar? Quais os telefones, espaços, centros que essas mulheres que sofrem violência podem recorrer?

IOCAIAMA: Apesar de tudo que já conquistamos, o quanto evoluímos nos últimos anos com a Lei Maria da Penha e outras legislações e serviços -  que estão teoricamente preparados para ofertar esse atendimento as mulheres -  acredito que muitas mulheres não fazem a denúncia das violências por vários fatores: desde não ter segurança sobre essas denúncias, pois as  mulheres que denunciam são perseguidas e às vezes não conseguem estar em segurança, tanto ela como a família, os filhos; muitas outras mulheres também não denunciam por falta de entendimento sobre o que realmente é a violência, por achar que elas têm que está ali naquela relação considerando aquilo como uma obrigação, um dever de ser mulher,  e aí elas também não tem entendimento das formas de violência, por exemplo, a violência física é a mais comum, a que a gente visualiza porque ela deixa marcas no corpo, mas temos também as outras violências que são a moral, patrimonial, psicológica, que encarceram mulheres em relacionamentos. E aí, esses companheiros vão usando dessa manipulação psicológica para que as mulheres continuem ali vivendo aquela relação, ainda que, elas não precisem financeiramente - que antigamente era um motivo pelo qual as mulheres permaneciam em relacionamentos abusivos porque dependiam financeiramente desse companheiro. Hoje, sabemos que, independente do financeiro, ou não, as mulheres ainda permanecem nesses relacionamentos através de manipulação psicológica realizada pelos seus companheiros. Sobre os canais de denúncias temos o Disque Denúncia que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, que é um 180, e é específico para violência contra mulher; temos também o Disque 100 para abusos contra crianças e adolescentes;  o número em situação de perigo imediato que é o 190, da Polícia Militar. Também em alguns municípios existem as Delegacias da Mulher, os Centros de Referência Especializada em Assistência Social, que realizam atividades numa perspectiva de ouvir essas mulheres e trabalhar em cima das demandas. 
 

Edição: Polyanna Gomes