Rio Grande do Sul

DEMOCRACIA

Sistema que significa “poder do povo” corre riscos no Brasil

A palavra democracia ganha destaque em ano de eleições, contudo seu significado vai bem além de eleger candidatos

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O assassinato de Marielle Franco foi mais do que um atentado contra uma parlamentar, foi uma tentativa de impedir a ampliação da democracia aos excluídos dos espaços de poder - Foto: Bárbara Dias/Fotoguerrilha

Criada na Grécia antiga, no século VI a.C, a expressão significa “poder do povo” (do grego demokratía: demos = povo, kratos ou "poder") e se transformou no decorrer da história. É praticada na maioria dos países, inclusive no Brasil, onde historicamente ocorrem ataques que a colocam em risco.

Florestan Fernandes, que é considerado fundador da Sociologia Crítica no Brasil, dizia que a democracia brasileira não era completa, pois não chegava às camadas mais pobres da população. O sociólogo Jorge Branco explica que a afirmação de Florestan refere-se ao sentido substantivo de democracia, e o distingue de sistema democrático realmente existente.

Branco repara que o sistema democrático originou-se nas revoluções burguesas antiaristocráticas contra as monarquias, pregando a igualdade associada à propriedade. “Isso permitiu à nova classe emergente, que se tornou hegemônica, ter propriedade sobre a terra, a indústria e o comércio” e gerou o sobretrabalho, já que, “se os homens são livres, eles também são pagos pelo seu trabalho”.

Já o sentido substantivo é uma ideia mais ampla, que as classes trabalhadoras se apropriaram para defender uma sociedade igualitária no século 20. “É a ideia de que igualdade não pode ser determinada apenas pela formalidade da lei e que, depois, a dinâmica econômica estabeleça desigualdade através da propriedade e da riqueza”, explica.

O movimento constante da democracia levou à conquista de direitos sociais como o voto feminino, férias remuneradas, 13º salário, licença maternidade e sistemas de saúde e educação públicos. Sempre dependendo da participação política, que a professora de Assistência Social e integrante da Rede Solidária São Léo, Marilene Maia, ressalta ser um exercício que acontece a todo o momento na vida das pessoas.

“Mesmo quem não quer falar em política estabelece relações e, por consequência, está fazendo política”, assegura a professora.

Avanços e retrocessos

Marilene ressalta que democracia é uma forma de fazer política em constante disputa, parafraseando a filósofa Marilena Chaiu. Entende que hoje, “apesar dos avanços alcançados desde os anos 80, que implicaram na afirmação da democracia como sistema de governo do Estado brasileiro, a democracia ganha novas ameaças. As diferentes formas de fazer política e as disputas eleitorais dos últimos anos têm demonstrado isso”, afirma.

O sociólogo nota que atual a ascensão da extrema direita no Brasil é calcada em um processo político de rejeição à democracia e rejeição à política construído de forma ideológica pelas elites do país para impedir avanços sociais. “É uma luta para tirar os trabalhadores do centro da política e permitir que, em nome do bom governo, se mantenham as regras de responsabilidade fiscal, sonegação, isenções fiscais, superávit primário para pagar a dívida, ao invés de investir em saúde ou de diminuir a jornada de trabalho, aumentar a massa de salários”, exemplifica.

Ele defende que a democracia brasileira precisa avançar de um sistema que permite a igualdade formal e o voto para ser uma economia e um regime político que garantam a ideia de igualdade. Para Marilene, o caminho é a participação efetiva de todos os segmentos populacionais, “em especial, daqueles que historicamente têm sido excluídos dos processos de afirmação da vida em suas múltiplas dimensões”.

Uma carta para barra o golpe


A Carta aos Brasileiros, que foi lida pelo professor Goffredo Telles Jr. no pátio da Faculdade de Direito da USP, em 1977, serviu de inspiração para o manifesto desse ano / Foto: Reprodução/Conteúdo Estadão AE

Uma ampla gama de setores da sociedade tem se manifestado em defesa da democracia no Brasil, frente aos ataques que o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem feito ao processo eleitoral e aos demais poderes da República. A “Carta aos Brasileiros”, lançada no final de julho, reuniu quase 1 milhão adesões em menos de duas semanas. Assinada por banqueiros, empresários, artistas, intelectuais e ativistas, foi lançada com atos em todo o Brasil nesta quinta-feira (11).

“De maneira menos trágica, setores da sociedade civil, inclusive do mundo empresarial, percebem o perigo iminente e agora aderem àquilo que vinha sendo denunciado, há muito tempo, pelos trabalhadores organizados, intelectuais e setores populares”, comenta o cientista político Benedito Tadeu César, integrante da coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, entidade que vem advertindo para o risco de golpe por parte de Bolsonaro.

Na sua avaliação, a democracia está em risco no Brasil porque as instituições de Estado deixaram-se levar por uma trama que resultou no golpe de 2018 e na criminalização da política e dos políticos que tentavam dar um novo rumo ao país. “Isso resultou em no governo Bolsonaro, um governo autoritário, que declarou que não aceitará o resultado das urnas caso seja derrotado por elas, o que todas as pesquisas indicam que acontecerá.”


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Edição: Ayrton Centeno