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O que é coloniasmo digital  – Parte 1

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A permanência do colonialismo digital enquanto continuidade da dominação política, econômica, racial

O que é coloniasmo digital  – Parte 1

Ana Dindara*

Pensar na construção do racismo estrutural e como combatê-lo nos dias de hoje (2022), é relembrar das lutas dos movimentos sociais (negro, mulheres, etc.) no enfrentamento às discriminações, por mais leis efetivadas, segurança e ao direito à vida da população negra, que são fundamentais para extirpar (ou minimizar) as desigualdades, o genocídio negro, em busca de mudanças na estrutura e na qualidade de escolas públicas, uma vez que crianças negras continuam a ter números crescentes quando o tema é evasão escolar e os direitos dos trabalhadores informais negros e imigrantes.

Há um tipo de acordo tático da branquitude que é para ocupar permanentemente os espaços de poder e a sua defesa para manter os privilégios.

Esses e outros tópicos estão difundidos nas redes sociais, na mídia, mas quando pensamos no mercado de trabalho que está ligado a tecnologia em pleno 2022, o resultado é um espaço pouco democrático, com reproduções racistas e a permanência do colonialismo digital, enquanto uma continuidade da dominação política, econômica, racial, social e territorial. 

No colonialismo europeu clássico, apropriam-se das terras estrangeiras e exercem o controle sobre o território e a população. O processo tem evoluindo secularmente e novas tecnologias vão sendo acrescentadas ao longo das décadas. No final do século XX, um cientista da computação britânico, Tim Berners-Lee (precursor da rede de computadores), criou um sistema em que os documentos dispostos na internet podiam ser acessados no formato de hipertexto, (sons, vídeos, imagens...), criando o “universo online” e, como sabemos, tem gerado grande impacto na vida social, incluindo permanências como o racismo.

Nesse sentido, o colonialismo digital está engendrado no domínio das “coisas” que constrói os meios de computação dentro no espaço digital, desde software até a parte de conectividade de rede. Tornou-se altamente ligado às ferramentas convencionais do capitalismo neoliberal e do governo autoritário bolsonarista (2019-presente), afetando a liberdade de expressão, a captura de políticas de dados dos usuários entre outras questões na internet.

Quando juntamos esses pontos com a difícil implementação de inclusão social, especificamente, nesse mercado de trabalho, no qual, sabemos que é interferir diretamente no modo de pensar do topo da pirâmide. É mexer com pacto narcísico, no qual há um tipo de acordo tático da branquitude que é para ocupar permanentemente os espaços de poder e a sua defesa para manter os privilégios.

Pensando nessa demonstração que a pesquisadora Cida Bento, psicóloga e doutora da USP, apresenta reflexões sobre o “pacto narcísico”, temos como exemplo a implementação das cotas nas universidades públicas, o mesmo ocorreu com as ações afirmativas nos programas de trainee e estágio voltados a grupos específicos e vulneráveis social e racialmente, quando, uma parte das elites e lideranças empresariais resistiram ao direcionamento de vagas ou, engajamento explícito para candidaturas negras, teve repercussão ainda em 2020, quando a Magazine Luiza anunciou um projeto de seleção de trainee, cargo oferecido aos jovens recém-formados.

Tendo como objetivo em alcançar a “verdadeira equidade através da riqueza que existe na diversidade”. No entanto argumentaram que a Magazine Luiza teria a intenção em excluir pessoas brancas, em razão da raça e etnia – racismo reverso, já que estaria disponibilizando vagas apenas para jovens negros(as). A controvérsia chegou ao Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP), que recebeu cerca de onze denúncias de “prática de racismo reverso”. Todas as denúncias foram rejeitadas pelo procurador Rafael Dias, que considerou a medida da empresa em uma política de ação afirmativa, um meio de “corrigir” as discrepâncias históricas pelo passo escravocrata brasileiro.

Diferente da Magazine Luiza, a empresa Linkedin, rede social direcionada para vaga de trabalho e que tem um quadro de funcionários majoritariamente brancos, retirou as vagas prioritárias às pessoas negras e indígenas.

No que diz respeito às relações raciais no Brasil, sabe-se que foram mais de 4 milhões de africanos escravizados, com jornadas de trabalho superior a 16 horas diárias. Logo o racismo reverso não teria como existir ou ter sido construído, já que foi a branquitude mantendo o mecanismo do controle do lucro sob o trabalho escravocrata.

Diferente da Magazine Luiza, a empresa Linkedin, rede social direcionada para vaga de trabalho e que tem um quadro de funcionários majoritariamente brancos, retirou as vagas prioritárias às pessoas negras e indígenas. O Linkedin informou que a postagem da vaga seria discriminatória e que vagas publicadas nas contas não podem demonstrar “preferência” por profissionais, seja por raça, idade, gênero, etnia, religião ou orientação sexual. Contudo o Supremo Tribunal Federal (STF) entende essa medida que as vagas inclusivas servem como reparação histórica em favor dos grupos subalternizados, de espaços mais plurais e menos excludentes na sociedade.
Se o “racismo reverso” surge com força nesses últimos tempos é reafirmar que Bento discute, qual seja, o acordo silencioso entre a branquitude, que aglutinam o apoio e fortalecimento aos seus semelhantes, sendo um pacto – branquitude.

A tentativa do privilégio e o não compartilhamento do poder da branquitude é trazer à tona, que a luta antirracista vem surtindo efeito nos últimos anos, já que o rompimento com a lógica do negro subserviente movimenta a branquitude. Se o antirracismo tem desencadeado tamanha reatividade na branquitude, tensionando o pacto narcísico, através da luta antirracista precisa seguir rompendo os espaços, conquistando direitos.

*Ana Dindara é arqueóloga, fotógrafa e, atualmente, atua como Assessora da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo da Central Única dos Trabalhadores/CUT-Brasil, ativista antirracista, mulherista africana e tem colaborado com o CCN Notícias – São Paulo/SP.

**Texto originalmente publicado no Coletivo de Comunicação Norte Notícias/São Paulo/SP, em 31 de maio de 2022. A versão para o Brasil de Fato/PB passou por algumas alterações.

*** Esta é uma série de três textos sequenciais que serão publicados no Jornal Brasil de Fato PB (jun/jul)

 

 

Edição: Cida Alves