Paraíba

Coluna

O lúdico, o sagrado e o profano no Bairro da Torre

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Bairro da Torre - João Pessoa - PB - Foto: Urso Amigo Batucada U A B
Hoje essas pessoas se reportam às festas com um certo tom de saudade e nostalgia...

Por: Regina Celly Nogueira da Silva* 

Como acontece em todo lugar, o bairro da Torre é um misto de várias formas de uso do espaço. Nele, as atividades econômicas, sociais e politicas desenvolveu-se de forma paralela, podemos dizer que concomitantemente com as práticas de lazer, culturais e religiosas, ou seja, o lúdico, o profano  e o sagrado, ainda estão presentes no cotidiano dos moradores. 

Ainda é de fácil constatação a existência de várias manifestações de cultura popular no bairro. Essas práticas culturais possuem uma linguagem peculiar e estão diretamente relacionadas às raízes  do bairro, configurando-se dentre outras formas, as festas populares, os eventos religiosos que tradicionalmente realiza-se no bairro. Mesmo com seu intenso processo de desenvolvimento econômico, a vida cultural do bairro ainda pulsa nas suas ruas, praças e avenidas. 

Isto representa, antes de tudo, elementos residuais de cultura popular, que, pelo empenho dos seus moradores resistem ao crescente processo de mudança ocorridas em algumas áreas do bairro nas últimas décadas. Esses esforços de resistência viabilizam condições para impedir a total desagregação cultural do bairro da Torre, preservando de certa maneira as suas vivências culturais, a sua história, e o que ainda resta de sua identidade.

Para seus moradores, as festas, fossem religiosas ou profanas eram consideradas muito mais do que um simples evento social. Elas possuíam  um componente afirmativo  que se referiam ao estabelecimento  e reforço de tradições , ritos, laços de sociabilidade, de vizinhança, de troca, desde o núcleo familiar até o círculo mais amplo que envolvia amigos, e até mesmo os  desconhecidos.

As festas religiosas ainda compreendem um momento significativamente maior do que apenas um ato litúrgico. Na realização desse ritual, estam vivos e presentes os modos simbólicos através dos quais a população procura estabelecer formas de comunicação entre si e o sagrado, um elo do humano com o religioso.

No passado, as festas do bairro eram proporcionadas e organizadas pelos moradores, comerciantes locais e políticos eleitos pela comunidade. A organização, a motivação, a solidariedade e a confiança, enquanto práticas comunitárias davam um sentido singular àqueles  eventos. Isto é constatado em relatos de moradores que sempre acompanharam em diferentes momentos, as festas e manifestações populares no bairro. Hoje essas pessoas se reportam às festas com um certo tom de saudade e nostalgia, na visão delas, as festas a cada ano vêm perdendo seu dinamismo e beleza. 

Um tempo especial durante o qual o morador se sentia transformado e refeito, momento onde se teciam novos sentidos ao lugar

A expressividade dos relatos mostram que a Torre sempre possuiu uma vida cultural rica, as festas atraiam pessoas de outros bairros da cidade. Assim, por muitos anos a Torre vivenciou suas tradições na forma de festas de rua, procurando preservar essas tradições culturais e a singularidade do lugar. O bairro tornou-se muito conhecido pelo seu São João. Na memória de seus moradores só havia lugar para a animação, as ruas eram enfeitadas com bandeirinhas e balões coloridos e concentravam um considerável número de pavilhões. As ruas eram iluminadas pelas fogueiras à frente das casas,  muitas eram pontos de venda de milho, e comidas típicas da época, outras possuíam bazar para a venda de fogos de artificio.

Era comum se instalar pavilhões nas avenidas Barão de Mamanguape com a Adolfo Cirne, na Carneiro da Cunha, na Feliciano Dourado, como também, bazares de folgos na porta das casas, pequenas caixas de madeira enfeitadas com papel colorido, confeccionadas pelos próprios meninos do bairro.

A festa de São João, iniciava-se na noite antecedente ao dia do Santo 23 de junho. As famílias se reuniam e eram acessas as fogueiras, fazia-se adivinhações, dançava-se, comia-se, soltavam-se fogos. A fogueira era identificada na festividade como uma prática que afastaria os maus presságios, uma ação purificatória, uma força renovadora e vital, tendo uma importância fundamental, visto que afastaria a possibilidade de estiagem, pestes, esterilidade do solo e perda da colheita do milho, um rito trazido dos costumes do campo. 
Os pavilhões eram produzidos com madeira e cobertos com palha de coqueiro, pelos próprios moradores e componentes da quadrilhas juninas, enfeitados com bandeiras e balões coloridos.

No seu interior dançava-se a quadrilha e o forro a noite toda. O período junino era festejado até 29 de junho, dia de São Pedro, quando eram realizados os casamentos matutos, existindo uma verdadeira competição entre os pavilhões que preparavam verdadeiros cortejos, desfilando pelas ruas do bairro numa carroça enfeitada com os noivos e seus convidados.

Outra festa significativa para o bairro da Torre era o carnaval. Essa festa constitui-se ainda de fundamental importância para a vida cultural o bairro. Podemos dizer que até meados de 1970 o carnaval do bairro era uma festa espontânea que recebia o apoio dos comerciantes e antigos moradores. Em 1957 os moradores criam a Escola de Samba Malandros do Morro. Muitos idosos nos seus depoimentos relatam que participavam ativamente da organização do carnaval no bairro, da confecção das fantasias da escola de samba,a dereços, enfeites e ornamentações.

Contam, ainda, seus antigos moradores que no primeiro dia de carnaval a escola Malandro do Morro desfilava na passarela, que, quase sempre, localizava-se em uma avenida próxima ao centro da cidade, facilitando assim o acesso dos espectadores ao local do desfile. Nos outros dias de carnaval a escola desfilava  em outros bairros da cidade , Roger, Rangel, Mandacaru, Cruz das Armas, e até em outros municipos como Cabedelo, Bayeux e Santa Rita.

Além da escola de samba o bairro possuía também uma gama de blocos carnavalescos  que alegravam as ruas do bairro durante o carnaval. Os Bandeirantes da Torre colocavam os moradores nas ruas e os faziam a se apropriar desse espaço com alegria dando-lhe novas dimensões e significativa importância.

Em 1957 os moradores criam a Escola de Samba Malandros do Morro. Muitos idosos nos seus depoimentos relatam que participavam ativamente da organização do carnaval no bairro, da confecção das fantasias da escola de samba,a dereços, enfeites e ornamentações.

Através dessas práticas culturais o morador construía determinadas formas de relação com o espaço e o tempo. Uma prática a contrastar com a rotina da vida cotidiana de  trabalho e preocupações, um tempo especial durante o qual o morador se sentia transformado e refeito, momento onde se teciam novos sentidos ao lugar  e para a vida do dia-a-dia mas, sobretudo, uma forma de manutenção e resistência de suas tradições. 

Desse modo, de repente, era comum as ruas do bairro tornarem-se local de passagem para o gado, visto que no seu interior por muitos anos ainda era possível encontrar-se as vacarias, vestígios de uma vida rural. As casas de palha e as vilas, como vestígio de um bairro que abrigou grande parcela da população empobrecida que vinha do interior para a capital. Ou ainda, o trajeto devoto em dia de procissão de São Gonçalo, os terreiros de Umbanda, mas sobretudo, a intensa vida cotidiana que se desenvolvia nas suas casas.

Podemos dizer, que as práticas culturais populares ainda existentes na Torre, são organizadas por moradores que ainda vivenciam o bairro e não deixam que essas práticas sejam destruídas totalmente, mesmo que estas já  se apresentem modificadas pelo intenso processo de urbanização vivenciado pelo bairro nas últimas décadas do século XX, entretanto, ainda podem ser consideradas práticas resultantes da união, força, resistência  da comunidade e isso para ela tem um sentido e uma importância fundamental.

*Regina Celly Nogueira da Silva - Prof Dra Departamento de Geografia UEPB/ Guarabira

Edição: Cida Alves