Paraíba

Coluna

O papel da esquerda e dos democratas ante o antipetismo

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Imagem - Ilustração: Andrés Sandoval/Piauí
O PT surge na luta contra a ditadura no início de 1980, com características particulares importantes

Por Jonas Duarte 

O PT surge na luta contra a ditadura no início dos anos 1980, com características particulares importantes. 

Uma delas é sua origem popular, da base, de baixo para cima. Até então, os dois partidos políticos à esquerda no Brasil, PCB e PTB tiveram origens diferentes.

O PCB, nascerá entre os intelectuais e sob a influência do movimento comunista internacional, resultado da vitória da Revolução Russa. A partir dessa formação e do prestígio pessoal de lideranças como Luiz Carlos Prestes, o Partido Comunista tem  em alguns momentos, importante penetracão nos movimentos populares no Brasil. 

O PTB, importante partido no movimento operário brasileiro nasceu, literalmente, nas hostes governamentais do Getulismo. Foi durante algum tempo o braço esquerdo do trabalhismo brasileiro, até ser abduzido pela direita, através de um golpe sujo da Justiça Eleitoral à serviço das classes dominantes, com o objetivo de destruir politicamente Leonel Brizola, o líder trabalhista à esquerda, mais importante que sobrevivera à Ditadura. 

O PDT de Brizola tenta reconstituir o "fio da História", retomando a trajetória histórica brasileira. 

Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel, em seus planos de uma transição segura e controlada pelos militares e conservadores, temiam a retomada das lutas populares com o peso da História. 

Foi estratégico, em seus projetos de "Abertura", tentar eliminar a "cabeça" do movimento comunista no Brasil. O sequestro e assassinato de 10 membros da executiva do PCB fez parte dessa estratégia. Aniquilar qualquer respaldo aos que optaram pela resistência armada também. Matar Marighella, liquidar a ALN e a Guerrilha do Araguaia fizeram parte do projeto de uma "Transição Segura" para uma Democracia sob controle. 

Arrancar o PTB de Brizola foi o último ato dessa estratégia. 

A luta de classes é inerente a sociedade de classes. A organização das classes trabalhadoras para lutar, emerge de alguma forma.

Enquanto a Ditadura assassina as lideranças comunistas, tentando eliminar a luta dos trabalhadores, emergia no movimento sindical de São Paulo, nas Comunidades Eclesiais de Base, sob o manto da Teologia da Libertação, o Partido dos Trabalhadores, que abrigou ainda intelectuais marxistas, do marxismo não soviético, especialmente os trotkystas, e ex-militantes do PCB, especialmente os que trilharam pela resistência armada.

No primeiro momento o PT, como crítica ao trabalhismo getulista-brizolista e ao comunismo soviético, as grandes ameaças que no período da Ditadura enxergava, se não podemos dizer que foi bem vindo para a ditadura foi, nas palavras de Golbery, um certo alívio. Até então sua estratégia dára certo.

O PT, desvinculado das tradições da esquerda soviética, chinesa, cubana, vietnamita ou albanesa que disputavam a hegemonia da esquerda brasileira estava livre para iniciar uma nova tradição política de esquerda na América Latina. 

A falência, já perceptível nos anos 80, do modelo de socialismo soviético, a crise cubana, o fechamento chinês e o pobre modelo albanês facilitavam o discurso por uma nova esquerda.

Prestes acerta em cheio nas suas críticas ao PCB, antever o seu fim, mas não tem mais forças e energias para recriar uma agremiação revolucionária em sintonia com sua visão e autocrítica.
 
Brizola, sintonizado com um Socialismo Moreno, latino americanista, tipo bolivarianista, não conseguiu romper com os resquícios do personalismo getulista. Por melhor que Brizola fosse. E era ótimo, continuava sendo um líder personalista. O PDT era a sua imagem. Não conseguia  gerar um movimento de base próprio, uma militância autônoma do seu líder. Dessa forma, a identidade político-ideológica do PDT ficou sempre prejudicada, dependendo do seu líder.

As classes dominantes brasileiras odiavam Brizola. Sua integridade e fidelidade ao povo suscitava ódio das elites privilegiadas. A perseguição a Brizola foi absurda. As mentiras descaradas contra ele, articulada pelos monopólios da comunicação no Brasil foi implacável com Brizola. Ele era a encarnação do anti-imperialismo, a quem, vergonhosamente serve nossas classes dominantes. 

Infelizmente, venceram. A máquina anti-brizolista destroçou o Rio de Janeiro, onde ele fincou bases e uma cultura política de liberdade e justiça. A derrota de Brizola no Rio de Janeiro, patrocinada especialmente pela Rede Globo, fez emergir dos esgotos do crime organizado as milícias criadas na Ditadura, bases do bolsonarismo de hoje.

A rigor, o anti-brizolismo produzido pela Globo, é o pai do bolsonarismo. Esse gerado nos porões do crime organizado da Ditadura. 

Até chegar ao governo, o antipetismo estava restrito ao conservadorismo histórico brasileiro e seu receio catacônico do comunismo.

Lula e o PT foram didáticos para mostrar às elites conservadoras do Brasil que não tinham laços nenhum com a tradição comunista, nem mundial, nem local. Mostravam também, seu distanciamento do brizolismo. Eram formas de reduzir a resistência. 

Quase conseguiram. Lula quase se tornara uma "unanimidade nacional". Seu "Brasil Para Todos" surfou na onda das comodities e possibilitou gerar crescimento econômico, inclusão social e enriquecimento empresarial.

Se imaginou o fim da luta de classes. A possibilidade de um capitalismo que cabia todo mundo feliz. A rejeição à Lula e o PT em 2010 está abaixo de 20%. Lula tinha a aprovação de 87% da população brasileira. 

Lula era, ali, a negação das teses de Geisel e Golbery pela direita, e de Marx e Che Guevara à esquerda. Até o líder do país imperialista mais truculento dizia que "Lula é o cara".

A crise de 2008, em 2010, apenas dava seus sinais. 

Em 2012, o baixo crescimento econômico dos EUA acendeu a luz vermelha para sua crescente perda de hegemonia no mundo.

A Globalização Neoliberal, decantada como vitória definitiva sobre o Socialismo  transformara a China na "Nova Oficina do Mundo". 

Em 2012, o PIB da China, medido em PPC - Paridade em Poder de Compra, ou seja, sem a perversa conversão ao dólar já anuncia que a toda poderosa economia imperial estadunidense fora superada pela chinesa.

Se Marx tem razão em dizer que tudo começa pela economia. E tem. O Império estadunidense tinha razões para se preocupar. 

O Império estadunidense foi muito, mais muito mais poderoso do que o Romano e tão assassino e cruel como o Império Britânico.

Entre 1945 e 2020, para defenderem seus interesses e se colocar como xerife do mundo os EUA explodiram bombas atômicas matando centenas de milhares de civis, usaram armas químicas matando milhões de humanos e animais. Espalharam 700 bases militares e centenas de milhares de militares mundo afora. Patrocinaram golpes militares e intervieram em dezenas de países, impondo ditaduras assassinas. Asfixiaram com o FMI, Banco Mundial e o Dólar nações inteiras, levadas à fome e à miséria por seus receituário econômicos. 

Enfim. O mundo sob a tirania estadunidense foi de morte, sofrimento e miséria.

O crescimento econômico da China, com sua população em bilhões trouxe um sopro de liberdade e esperança aos povos oprimidos pelo imperialismo estadunidense. 

O mundo pernosticamente batizado como "Terceiro Mundo", enfim criava possibilidades reais de gritar por sua soberania, sua liberdade. 

Hugo Chávez anunciou essa possibilidade. Criou, nas barbas do Império, uma via democrática, participativa, indigenista e socialista para a Venezuela. Fenômeno que se espraiava por toda a América Latina, África e Ásia.

Lógico que a reação imperial foi imediata e violenta.

O serviço de espionagem imperial nunca trabalhou tanto para conspirar e derrubar governos. Edward Snoden e Julian Assange denunciaram em pilhas e mais pilhas de escutas telefônicas a espionagem criminosa estadunidense. 

É importante dizer que as enormes dificuldades que o imperialismo e o capitalismo como um todo têm em se relacionar com a Democracia, sob crise, não existem com regimes autoritários, fascistas mesmo.

No meio dessas fenomenais transformações na geopolítica mundial, o PT, empurrado inicialmente pelas circunstâncias econômicas,  fez a leitura correta do que estava acontecendo. 

E viu a possibilidade de erguer um país soberano, uma nação solidária, plagiando Alceu.

Pois bem. Resulta daí, o germe do ódio ao PT. Do antipetismo atual.

Toda canalhice jurídico-midiática articulada contra o PT a partir de 2012 tinha como objetivo repor o Brasil à sua condição de país subalterno aos interesses do grande capital, do imperialismo e de seus bajuladores internos. 

A ruptura das classes dominantes locais com o projeto petista de soberania, liderado por Dilma, uma cria do brizolismo era inevitável. 

Para isso se trabalhou o antipetismo a partir de duas frentes. O neofascismo brasileiro, requentado a partir da Ditadura Militar, chocado nos porões das milícias criada nas bandas podre do militarismo e no neoliberalismo entreguista contemporâneo. 

O antipetismo é, portanto, o que há de mais reacionário na sociedade brasileira. Pactuar com ele é alimentar essa tragédia brasileira atual que se encontra no poder: o fascismo alimentando, nutrindo o neoliberalismo entreguista.

Às forças de esquerda e democráticas cabe denunciar, resistir e se aliar ao PT em sua defesa. Sim. Nesse momento, aliás desde 2014, a defesa da Democracia e da soberania nacional passa pela defesa do PT. 

Alimentar o discurso do PT corrupto, de Lula ladrão é apenas alimentar essa onda neofascista.

Temos todo direito. Mais do que direito, temos a obrigação de apontar os limites do PT, do Lulismo. Mas sempre no embate político-ideológico, nunca caindo nessa panaceia fascistóide, falso moralista e arrogante, que só contribui com os fascistas. 


Professor de Historia (UFPB) Jonas Duarte

Edição: Cida Alves