Na manhã desta quinta (05), no Banco Mãe de Sementes, em Lagoa Seca, agricultoras e agricultores familiares realizaram um ato de resistência no território da Borborema, frente às ameaças contra o território, que é conhecido como agroecológico. O ato ocorreu em virtude do Governo do estado da Paraíba estar distribuindo variedades de sementes de milho transgênico para os agricultores da região.
"Num teste rápido de transgenia, realizado a partir de fitas imunocromáticas sensíveis a proteínas transgênicas, três das quatro variedades de milho distribuídas pelo governo do estado tiveram resultado positivo", declarou a AS-PTA, que é a responsável técnica pelo acompanhamento das famílias do Polo Sindical da Borborema.
O Polo é um coletivo de 13 sindicatos rurais, 150 associações comunitárias, uma associação regional, a EcoBorborema, e uma cooperativa estadual, a CoopBorborema.
A Comissão de Sementes da Articulação do Semiárido da Paraíba, da qual o Polo da Borborema e a AS-PTA fazem parte, cobrou do governo a realização de análise laboratorial para comprovar o resultado obtido nos testes feitos pela AS-PTA.
“Nós estamos repudiando esse tipo de política de sementes porque há muito tempo a gente vem organizando os bancos comunitários de sementes e os bancos familiares com sementes adaptadas à região a partir do conhecimento das famílias agricultoras. A gente reivindica do governo que as sementes distribuídas aqui sejam compradas na própria região na época da safra, porque assim vai garantir uma semente que seja adaptada à nossa região e uma semente livre de transgênico”, destaca Euzébio Cavalcanti, representante da Comissão de Sementes do Polo da Borborema.
É a primeira vez que é constatada a contaminação no material comprado com recursos públicos do estado e distribuído para os camponeses de todos os territórios da Paraíba. Esse material foi comprado a quatro empresas cujas sedes estão situadas na Bahia, Maranhão e Goiás. A distribuição para as famílias agricultoras acontece nos escritórios da Empaer, secretarias de agricultura das prefeituras e Conselhos de Desenvolvimento Rural Sustentável dos municípios.
“Entregar sementes contaminadas para as famílias, que estão empenhadas em proteger seu material genético da transgenia, significa que anos de estudo e pesquisa para o melhoramento natural das variedades podem se perder”, ressalta Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA.
Apesar do desgaste nos estoques de sementes de milho dos agricultores no território, por conta de dez anos consecutivos de seca, com perda significativa do roçado de milho nos últimos dois anos, o Polo e a AS-PTA estão orientando as 5 mil famílias ligadas aos 60 bancos de sementes comunitários, presentes nos municípios de atuação do Polo, a não pegar as sementes contaminadas para não pôr a perder as suas sementes de milho da Paixão.
“Nós vemos um risco muito grande, principalmente do milho, de fazer uma contaminação da semente crioula da nossa região. A semente que vem de fora vem de regiões onde os plantios hoje são todos transgênicos”, denuncia Euzébio.
“Como o milho é uma planta de cruzamento aberto, no período de fecundação, pode acontecer a polinização entre um pé transgênico e outro não por meio do vento ou da ação dos insetos e pássaros. Isso basta para que a semente não transgênica se contamine. Uma vez contaminada, o processo é irreversível”, afirma Emanoel.
Variedades de milho crioulas da Borborema só existem nesse território
Entre 2017 e 2018, a pesquisa Raças de Milho das Terras Baixas da América do Sul, realizada no Brasil e Uruguai, concluiu que, das 15 raças identificadas no nosso país, pelo menos quatro só são encontradas no território da Borborema. O estudo foi realizado pelo Interabio – Grupo Interdisciplinar de Estudos da Agrobiodiversidade associado à Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade da República do Uruguai, em parceria com a AS-PTA e o Polo da Borborema.
Essa descoberta científica destaca ainda mais a relevância do trabalho de conservação e multiplicação das variedades de milho endêmicas e das demais crioulas que estão sob a guarda das famílias agricultoras há séculos.
Edição: Heloisa de Sousa