Paraíba

Coluna

A Cidade e o Plano Diretor 

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Desigualdade urbana - Imagem Reprodução
"É preciso que toda a sociedade tenha consciência do que está em jogo"

Por Rafael Faleiros de Padua*

Está em curso em João Pessoa a revisão do Plano Diretor, que é um instrumento previsto no Estatuto da Cidade e que é o principal documento legal de direcionamento das políticas públicas da cidade. A cada 10 anos o Plano deve ser atualizado e revisado, pois a cidade sempre se transforma e novas problemáticas surgem.

Segundo a lei do Estatuto da Cidade, a revisão do Plano deve ser feita com participação de todos os grupos da sociedade, ou seja, do Estado, dos grupos econômicos e da sociedade em geral. A revisão desse importante documento para o reconhecimento das problemáticas da cidade é um momento de debate político onde se confrontam diferentes visões e interesses sobre a cidade. 

Embora na letra da lei essa seria uma possibilidade, na realidade brasileira, via de regra, as atualizações de planos diretores têm sido momentos em que ficam evidentes os interesses que se sobressaem no direcionamento das políticas públicas das cidades. Trata-se hoje o espaço urbano como uma máquina geradora de mais-valor para capitais que nele investem e esperam seu retorno.

Do ponto de vista do Poder Público, desprezam-se momentos públicos de debates políticos ao emplacar a ideologia de que a cidade deve ser gerida como uma empresa, que essa postura traria eficiência e que os cidadãos, reduzidos a consumidores, teriam melhores serviços públicos.

Essa mentalidade “neoliberal”, que diz que tudo deve ser entregue ao mercado, que promoveria um equilíbrio pela concorrência, entrou também no governo da cidade através da ideia de governança, que aprimora as alianças entre a coisa pública e os capitais privados. A forma de gestão que é gestada aí impõe uma certa visão de cidade que elimina do debate o sentido social/público para sedimentar um sentido de sociedade de indivíduos, reunidos numa cidade que é mercado ela própria.

Todas as atenções são voltadas, portanto, para a agilização do espaço da cidade enquanto uma mercadoria, que tende a se valorizar na medida em que há um acúmulo crescente de trabalho social materializado no espaço. A cidade toda entra na estratégia, mas algumas regiões da cidade são mais estratégicas para os investimentos públicos e privados que buscam, como já dissemos, agilizar a acumulação econômica.

Mesmo que tenha nominalmente participação e abertura para a sociedade em inúmeras reuniões e audiências, onde participaram moradores de bairros periféricos e centrais da cidade, assim como movimentos sociais, é essa a visão de cidade voltada para o privilegiamento do econômico que está posta no Plano de Diretor que se esboça agora em João Pessoa.

Essa participação, no conjunto da atualização do plano, se dissolve diante de modelos para os vários campos considerados na configuração do plano, que se basearia em visões técnicas e não políticas da cidade. No entanto, o espaço é político, e as propostas técnicas podem mascarar as contradições e os conteúdos críticos da cidade. 

Sabemos dos grandes projetos milionários de transformação da cidade implementados pela Prefeitura e pelo Estado da Paraíba: o Programa João Pessoa Sustentável e o Polo Turístico Cabo Branco, respectivamente, situados em posição central na estratégia econômica dos Poderes Públicos para João Pessoa, com suas propostas de cidade inteligente e sustentável, slogans da agilização econômica do espaço urbano. 

Trata-se hoje o espaço urbano como uma máquina geradora de mais-valor para capitais que nele investem e esperam seu retorno.


A estratégia econômica, que aparece nos planos muitas vezes como técnicas de planejamento não escondem a pobreza e a miséria nas ruas, que se expandem cotidianamente; assim como as imensas desigualdades presentes de forma escancarada na paisagem. Na forma em que está sendo encaminhado o Plano Diretor de João Pessoa, essas problemáticas tendem a aumentar, evidenciando que as desigualdades em nossas cidades não se dão por falta de planejamento, mas são também resultados do planejamento.

Os diferentes movimentos sociais e associações de moradores, assim como grupos da sociedade vêm enfrentando, com suas possibilidades a voracidade das esferas estatais na transformação do espaço da cidade de João Pessoa em uma máquina de valorização econômica, revelando a contradição dessa visão de cidade neoliberal com uma visão de cidade para ser vivida por seus cidadãos.

Os movimentos sociais vêm denunciando esse descompasso presente na proposta de Plano Diretor. É preciso que toda a sociedade tenha consciência do que está em jogo e passe a demandar uma participação mais efetiva e a lutar, nas ruas, por uma cidade mais democrática.

 

 

Edição: Cida Alves