Paraíba

Coluna

A beleza dos lugares além da arquitetura: conheçam comunidades quilombolas e rurais

Em comunidades quilombolas e rurais na Paraíba. - Bia Rosa
Areia: a segunda cidade do Brasil e a primeira da província da Paraíba a libertar os escravos

Por Ana Cristina Silva Daxenberger*

 

Há 12 anos, uma pequena cidade do interior da Paraíba me acolheu com tamanho carinho e aconchego, que a vida urbana de grandes centros, hoje, não faz falta à minha essência de ser urbanoide que sempre fui.  

Vim para Areia, cidade do brejo paraibano, a cerca de 120 km da capital, para prestar as provas de seleção de um concurso público para a universidade federal. Na época, o frio ainda estava mais presente do que agora, mas nunca se comparou ao inverno de São Paulo, nem tão tampouco ao cotidiano de estar e viver nessas cidades. Em função do estresse do processo seletivo, à época, não havia me dado conta da beleza da cidade histórica, com seus casarões e o mais valioso que tem na cidade: as pessoas e suas histórias. 

Foi em Areia que aprendi sobre identidade, quem eu sou e sobre minhas origens. Como professora universitária, visitei comunidades – e visito até hoje – por meio de atividades de extensão universitária, o que me permite a convivência com o povo. Por tudo isso, resolvi desvelar a vocês o que tem de mais lindo nessa pitoresca cidade interiorana para além de seus casarões do século XIX e sua história no período de colonização.  

Areia sempre se destacou no estado da Paraíba como uma cidade importante no campo político e econômico, principalmente no século XIX, devido à produção de cana-de-açúcar, à economia, à arte, à cultura e às associações de alguns areienses na Política.  

Ela está localizada na mesorregião do agreste, no topo da Serra da Borborema, que, diga-se de passagem, é uma das mais belas que já conheci no Nordeste, com vegetações e paisagens que incluem Mata Atlântica e Caatinga, topografia acidentada por morros que nos permitem apreciar a beleza de diferentes vales e estando acima do mar cerca de 610 metros, o que nos favorece estar em clima muito agradável comparado com outras cidades do próprio brejo paraibano, da capital ou do sertão. Vale salientar que o clima atraente de Areia estimulou a permanência de muitas pessoas que buscavam um clima mais frio, assim como as Freiras Franciscanas, vinda de Dillingen (cidade alemã), que mantêm o Colégio Santa Rita funcionando até hoje.  A cidade, ainda, atrai turistas para o festival Caminho do Frio. 

Mesmo a localidade já tendo pontos importantes na história antes de 1813, com as tribos indígenas, somente em 1846 foi elevada à condição de cidade e sede municipal. Com seus antigos casarões e inúmeros fatos históricos, envolvendo-se com revoluções e sendo a segunda cidade do Brasil e a primeira da província da Paraíba a libertar os escravos, antes mesmo da assinatura da Lei Áurea, em 1888; o seu conjunto histórico e urbanístico foi tombado, em 2006, pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional).  Pessoas ilustres como o pintor Pedro Américo, o escritor José Américo de Almeida e vários políticos e escritores nasceram em Areia. A cidade foi contemplada com o primeiro teatro da província da Paraíba, chamado inicialmente de Recreio Dramático, em 1859 e atualmente nomeado de Teatro Minerva, sendo considerada a cidade da cultura e da cachaça. 

Aos viajantes, indico visitar os museus como de Pedro Américo onde estão inúmeras réplicas de seus quadros; o Museu Regional de Areia, o Casarão José Rufino, o Museu da Rapadura, suas Igrejas centenárias, e, é claro, o Teatro Minerva, com sua mobília secular e palco de grandes obras. Mas, não fiquem presos à arquitetura; para mim, o melhor de Areia é conhecer, também, a sua área rural, conversar com as pessoas e ouvir suas histórias de lutas e de seus antepassados, que por anos foram silenciadas e escondidas por trás de uma lavoura alimentada pela escravidão, durante o áureo período da cana-de-açúcar e o plantio do algodão.  

Como eu disse, ao chegar nessa encantadora cidade, descobri raízes e minha própria identidade e história familiar, pois ao ouvir os areienses, principalmente camponeses, com suas histórias sobre o plantio, suas histórias de vida e luta, fui levada a pensar e querer conhecer muito mais a minha própria história. Fui estudar mais sobre identidade, aspectos étnico-raciais; investigar minha árvore genealógica e a trajetória de vida de meus pais e avós. Descobri o quanto somos muitas vezes enganados pela realidade automatizada do excesso de trabalho e de não ter tempo de aproveitar os momentos com a própria família, de ouvir nossos pais e avós e de conhecer suas vivências; diga-se de passagem, não tão diferente como dessas pessoas. Por isso, digo que Areia é linda não só por sua arquitetura, mas pela possibilidade que ela nos dá de autorrefletirmos quando nos colocamos dispostos a nos autorreconhecermos.  

Areia me possibilitou visitar espaços rurais, conhecer pessoas que todos os dias trabalham na roça, levam seus filhos às escolas em áreas mais distantes e têm uma história de luta e conquista. Em 2011, por meio de um colega professor, conheci a Comunidade Quilombola Senhor do Bonfim, onde ficamos dois anos trabalhando como extensionistas. Vivenciando as práticas da extensão universitária com nossos universitários, estudamos sobre memória e identidade, aprendendo a ouvir as vozes de pessoas que lutam constantemente para ganhar seu pão e alimento familiar, buscando auxiliar para a melhoria na qualidade de vida dessas pessoas (projeto financiado pela CNPq, em 2011 e depois, pelo PROEXT – Programa de Extensão Universitária vinculado à UFPB - financiado pelo MEC).  


Atividade de Extensão Universitária - I Encontro de Estudos Quilombolas e I Encontro de Comunidades Quilombolas, no CCA/UFPB, Areia, 2011. / Acervo pessoal

 

"A cultura e arte é o maior patrimônio histórico local" 

 

A história da Comunidade Senhor do Bonfim, no distrito de Cepilho, que é formada por descendentes de pessoas escravizadas e que mesmo depois da abolição, em 1888, continuaram a ser exploradas com trabalho precário e não cumprimento dos direitos trabalhistas por parte de seu empregador, até meados do início dos anos 2000. De acordo com o estudo antropológico do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a comunidade só teve o direito às suas terras em 2011, por meio da reforma agrária em um longo processo até chegar à titulação. A luta pelo reconhecimento como comunidade quilombola até o direito às terras foi marcada por destruição de plantio dos alimentos pelo antigo proprietário das terras, tentando forçar a saída das inúmeras famílias que estavam lá há décadas na antiga fazenda Bom Fim. Após ouvir as histórias dos membros dessa comunidade e de sua Matriarca, Dona Biu, em 2012, e estudando sobre a comunidade, constatei o quanto o Estado é importante no processo de inclusão social para essas pessoas. Pena que, sobretudo nos últimos anos, o Estado brasileiro tem deixado muito a desejar em termos de políticas públicas para população quilombola e indígena.

Outro lugar que indico conhecer é a região de Chã da Pia, que mostra a beleza das obras dos artesãos e artesãs que trabalham com argila. Lá temos a Tapera, localizada às margens da Rodovia 104, a 5 km de Remígio sentido Arara, onde poderão encontrar peças em argilas, criação de cactos e suculentas, e ainda conhecer o trabalho social que Dona Vânia faz com as crianças da região, ensinando-as a tradição, a cultura, a arte (peças em barro, artefatos em couro, licores, macerados e buscando a melhora na educação das crianças). Para os que não podem ir pessoalmente ao local, sugiro conhecer a página da artesã na página do Instagran @tapera_artesanato.

Andando mais alguns quilômetros à frente, na mesma rodovia, poderão entrar na Comunidade de Chã da Pia, onde serão recebidos pelos artesãos e artesãs da Associação que foi fundada há mais de 20 anos. E, há cerca de 3 anos, 15 artesãos e artesãs, em sua maioria mulheres, expõem suas peças para vender para sustento próprio e a manutenção da associação. Dindarts é uma empresa familiar com história tradicional em que avôs, tios, pais, mães e a geração mais nova produzem peças que são vendidas para diferentes lugares da Paraíba, embelezando hotéis, casas, apartamentos e empreendimento comerciais com a arte nordestina em barro. Dona Dinda é a página virtual (@dinartss) onde poderão conhecer a arte e a beleza do trabalho artesanal. 


Artesãos em Chã da Pia, Areia/PB, da esquerda para direita: Edvaldo Cândido, Aline Honório, Verônica Honório e Vanilda Honório. / Captura Bia Rosa.

O processo de construção de cada peça tem uma história específica e marcas de identidade de cada artesão. Conforme Aline Honório diz “eu conheço cada traço e alisamento das mãos dos artesãos”. O trabalho ficou, durante anos, parado. Por ser um trabalho muito árduo, e especializado, desde a trajetória de escolha do barro até o trabalho final de acabamento, queima no forno e a exposição. Somente as especialistas sabem escolher o lugar certo para encontrar o barro liso ou áspero: “Quando não encontramos como queremos, o trabalho solidário entre as artesãs acontece, porque quando uma não tem o barro liso, ou outro tem para completar a massa áspera” – Aline Honório.


Preparo para a queima das peças no forno, em Chão da Pia, Areia/PB. / Captura Bia Rosa

O conhecimento artístico, passado de geração em geração, tem alimentado muito as famílias dessa região, conforme relata o senhor Edvaldo Candido. É por essas e outras histórias de pessoas que constroem a história local e mantêm a cultura viva, fortalecendo uma das identidades dessa cidade: a arte. Convido vocês a conhecerem Areia e seu povo com histórias fabulosas sobre o passado local, que nos permitem a compreender a realidade contemporânea. Aproveito o ensejo e conclamo aos políticos e ao Estado que apoiem e auxiliem no fortalecimento da arte e da cultura, pois esse é o modo de ser do povo brasileiro e nossa memória. Logo, convido-lhes a visitar Areia, seus pontos turísticos, a área rural e as pessoas.

Contribuam com a perpetuação da cultura local.

 

Para saber mais

LIMA, Antonio Correia. Começou no Pirauá. Recife, 2015.

MORAES, Carlos Gisele Macedo Santos Martins. Areia – Paraíba: morfologia e desenvolvimento urbano (Séculos XVIII, XIX, XX). Recife UFPE, 2008 (dissertação de mestrado) Disponível em https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/3056/1/arquivo2249_1.pdf Acesso: 20 de janeiro de 2022.

OLIVEIRA, Josilene Ribeiro, Turismo em Areia-PB: trocas simbólicas na produção e consumo das novas ruralidades. João Pessoa: Editora UFPB, 2021. Disponível em: http://www.editora.ufpb.br/sistema/press5/index.php/UFPB/catalog/view/859/927/7814-1. Acesso em 28 de janeiro de 2022.

MEDEIROS, Mario Vinicius Carneiro. Brejo de Areia nos jornais do Século XIX. João Pessoa, Editora Idea, 2021.

 

*Professora da UFPB, extensionista, membro do Neabi/UFPB, atua na área de inclusão social. [email protected]

Edição: Heloisa de Sousa