Paraíba

ARTIGO

Sobre a guerra na Ucrânia

Putin lidera, a partir de 2000, uma burguesia nascente russa, altamente conservadora, vinculada a Igreja Ortodoxa Russa

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Ilustração - Imagem: Ingram Pinn's illustration

Por: Jonas Duarte

Ninguém quer, nem as forças progressistas podem ser favoráveis a guerra; muito menos a invasão de uma nação por outra. Para nós é um princípio fundamental, o respeito a autodeterminação dos povos.

Mas há um aparato legal internacional e há também uma realidade objetiva, movida por interesses de classes e geopolíticos. E faz tempo, desde que o mundo é o mundo dividido em classes sociais, que o que move a História é a luta de classes, não as leis grafadas.
E essa Luta de Classes se metamorfoseia com o próprio desenvolvimento humano, sob regimes sociais classistas, sendo o mais complexo, o capitalismo.

Desde o último quartel do século XIX, o capitalismo alcança um processo de monopólios e se compõe como um regime imperialista.
Hobbes, Robinson, mas, sobretudo, Lênin aprofunda esse conceito de imperialismo. Lênin chega prevê a I Guerra Mundial como uma guerra entre países imperialistas. E vamos deixar claro. Foi uma Guerra Mundial (quem não estava envolvido diretamente no conflito bélico, foi, de alguma forma afetado) e Inter imperialistas.

A Segunda Guerra foi uma consequência da primeira. Mais violenta e mais mortal.

O Imperialismo capitalista se diferencia das formas anteriores de imperialismo. Do Imperialismo Clássico Romano, por exemplo. É inaugurado pelo imperialismo britânico - neocolonial, seguido, por França, Bélgica e Holanda. Anexionistas de territórios, brutais.
Mas observem, o Imperialismo Capitalista ele não realiza sua dominação apenas por anexações territoriais.

Ele se impõe também, a partir da imposição do Capital, dessa relação de produção que submete povos e extrai Mais-Valia - a alma materializada do trabalho humano, digamos assim. Para isso, o Imperialismo exporta capitais do centro para periferia, e submete essa periferia. Um exemplo claro desse imperialismo são os EUA. Os Estados Unidos não têm uma colônia, um país anexado, mas subordina centenas de países, pela força do Capital.

Ainda me baseando em Lênin. O Imperialismo Capitalista atua a partir de dois mecanismos de submissão dos povos: os monopólios (multinacionais, carteis, empresas gigantes que atuam no mundo todo) e através do Capital Financeiro - uma forma de Capital parasitário, que sequer produz valor, só se apropria, extrai, suga, como um parasita. 

As duas guerras mundiais foram feitas por esses capitalistas imperialistas. E qual o objetivo declarado dessas forças? Exterminar com a União Soviética, com os comunistas, com a experiência socialista. Afinal, ali se vislumbrava uma possibilidade de superar o capitalismo em sua forma imperial. O grande inimigo na Segunda Guerra eram os comunistas. 

Os Judeus também por duas razões claras. A primeira a da supremacia nazista e dele todos os derivados de preconceito e racismos e, também, pouquíssimo abordado, porque havia entre os judeus, ideologias e organizações de cunho "socialistas ou anarquistas". Os Kibutzim, hoje fixados em Israel e descaracterizados de sua ideia original, era um movimento claramente anticapitalista e mais ainda: anti-imperialista. E a religião ajudava essa forma de organização socioeconômica. 

A União Soviética chegou a fazer um pacto de não agressão com a Alemanha. A última coisa que um soviético queria nos anos 1930 era guerra. Haviam enfrentado a guerra contra o Japão em 1904-05, a Primeira Guerra Mundial, a Guerra Revolucionária, desencadeada em uma Guerra Civil com a invasão de seu território pelas potências capitalistas, que cessaram a guerra entre eles para destruírem a Revolução Russa em ainda em sua fase inicial. Enfim, o povo russo soviético, agora com 12 repúblicas (Letônia, Lituânia e Estônia foram integradas já nos anos 1940), na construção do Socialismo, queria e amava a paz. 

Essa realidade histórica russa produziu, inclusive, um forte pensamento pacifista, “anti-guerra”, entre os soviéticos e no seio do movimento comunista internacional. 

Havia a compreensão que a guerra era arma e projetos imperialistas. Aos comunistas, interessava apenas a paz e a construção dedicada de uma nação próspera, igualitária, justa e feliz.

O misto de ingenuidade e esperança em um mundo de paz dominou aqueles anos na União Soviética. As barbáries nazistas na Alemanha assustavam os soviéticos, mas no fundo, acreditavam que Hitler não teria a audácia de agredi-los. O Ataque Alemão seria iminente. A união Soviética precisava ganhar tempo, daí assinou o pacto de não agressão em 1939, conhecido como o Pacto Germano-Soviético​ ou Pacto Ribbentrop-Molotov.  

Desobedecendo ao Pacto Hitler em 1941 invade e bombardeia a União Soviética. Como falei antes, quem move a realidade é a luta de classes, nela os interesses econômicos e geopolíticos. Essa atropela pactos, tratados ou leis.

Foi difícil mobilizar os soviéticos para a guerra. Como mobilizar uma população que aprendera que a guerra era coisa de imperialistas, fascistas, nazistas? 

Por mais que a tivesse ganhado tempo e com isso formado um exército gigantesco, desenvolvido bons equipamentos, s dirigentes do Exército vermelho tinham consciência de o que um fator fundamental para se vencer uma guerra é o espirito e a consciência armados por suas causas.

Precisava preparar a população para defender a União Soviética. Não só o território, mas, sobretudo, a Revolução.

Conseguiram. São muitos os casos de soldados a generais alemães que enlouqueceram ou desistiram de lutar contra os soviéticos (russos, ucranianos, bielo-russos, etc.) Foi uma Guerra trágica, terrível, violentíssima. Mas foi uma “Guerra Pátria”. A união Soviética foi destruída. Vinte e sete milhões de mortos, 1.610 cidades destruídas, 90% de seu território virou cinzas. 

A pergunta é: diante da invasão alemã, o que deveriam fazer os comunistas, à frente da União Soviética? Assistir impávidos a destruição de seu país, da sociedade socialista em construção, e consequentemente, a escravização do seu povo e da humanidade? 

Em nome do pacifismo isso é lutar pela paz? Qual paz? A Paz nazista, imperialista?

O Pacifismo não é a forma mais eficiente de lutar pela paz. A História nos mostra isso. Às vezes, a conquista da paz vem pela guerra. É a dialética da vida, da luta social. 

Para Burguesia brasileira, o Brasil vive em paz. Para os pobres negros das periferias vivemos sob uma guerra sangrenta, absurda, racista, há tempos.

Nesse momento, a luta pela emancipação humana passa, inevitavelmente, pela luta contra o Imperialismo Capitalista. O imperialismo, quando terminou a Segunda Guerra saiu montado sobre um Sistema completo e poderosíssimo. Muito mais do que o Imperialismo conhecido quando o Império Britânico dominou os mares e impôs sua ordem mundial, perversa, exploradora. 

Ainda em 1944, foi criado em Breton Woods o novo Sistema Imperial, baseado no Fundo Monetário Internacional - FMI; banco Mundial - BM; Organização Mundial do Comércio -  OMC (na época ainda sob a sigla GATT) e no Dólar Americano como padrão-moeda universal. Esse sistema Imperial dentre outras formas de dominar, subordinar criou a OTAN como seu braço armado. Para agredir, invadir e ameaçar quem não lhes obedecesse. 

Entre 1945 e 2021, a OTAN esse braço armado do Império Estadunidense matou 42 milhões de pessoas mundo afora, sendo cerca de 80% de civis, bombardeados em escolas, hospitais ou residências.

Esse sistema subordinou o mundo de 1945 para cá. Ou metade do mundo, visto que a outra estava sob o COMECOM - O Bloco Socialista, que realizava suas trocas comerciais internas baseado na Teoria do Valor-Trabalho - de Karl Marx. Ou seja, o valor da mercadoria era determinado pela quantidade de trabalho socialmente empregada naquela mercadoria. Lógico que o imperialismo e boa parte da esquerda e um monte de liberais, reproduzindo o discurso imperial capitalista, diziam que a URSS era imperialista, que aquele sistema era imperialista. Repetiam uma vulgarização conceitual sobre o imperialismo, absolutamente distante de uma análise sociohistórica profunda, científica.   

A vitória do Imperialismo Capitalista com o fim da União Soviética levou à Globalização Neoliberal a partir de 1991. E o imperialismo colocou sob seu poder, várias e várias nações. Esse poder imperial nunca, em situação nenhuma obedeceu ao Direito Internacional a Autonomia dos Povos ou qualquer regra que limitasse seus poderes. Para eles, como na vida real, os interesses econômicos e geopolíticos, a realidade concreta movida por esses interesses se sobrepõem as regras formais estabelecidas.

Esse sistema imperial absorveu em suas malhas de dominação muitas das ex-repúblicas socialistas, aliadas da União Soviética. E também, muitas das ex-repúblicas socialistas soviéticas, quebrando o acordo de 1989 de não avançar sobre os países que tinham tomado parte no Pacto de Varsóvia (Pacto liderado pela União Soviética, de 1949, para se defender da OTAN - de 1947).
A Rússia só passou a ser tratada como inimiga por esse sistema imperialista, a partir da ascensão de Vladimir Putin, em 2000. Na Era Yeltsin, o Império tratava a Rússia a "pão-de-ló", pois esta se subordinava passivamente aos interesses neoliberais da globalização liderada pelos EUA.

Putin lidera, a partir de 2000, uma burguesia nascente russa, altamente conservadora, vinculada a Igreja Ortodoxa Russa, mas, sobretudo, nacionalista. Nacionalista na direção que Éric Hobsbawm (em Nações e Nacionalismos) define algumas burguesias periféricas ao capitalismo. Ele cita, como exemplo: Getúlio Vargas, Perón, Cárdenas no México, como políticos que representaram essas burguesias que defendiam os interesses nacionais e entravam em choque com os interesses imperialistas.

Putin é exatamente isso. O Capitalismo de Estado russo, não neoliberal que ele representa entra em choque com os interesses da Globalização Neoliberal. Aliás, aí, há um ponto de contato entre o antiglobalização de Putin com o antiglobaritarismo da extrema direita, por exemplo, de Donald Trump.

Diferente de Getúlio, Putin está sentado sobre o maior arsenal bélico e o exército mais bem treinado do mundo. O Imperialismo sabe disso. 

Assim como destruiu o sonho de capitalismo nacional na América Latina, no Egito, na Argélia com golpes e mais golpes, sabia da necessidade de submeter a Rússia o mais rápido possível. De destruir, fracionar a Rússia em três (conforme Cf. Anderson, P. – A Política Externa Norte Americana e seus Teóricos, Boitempo, SP, 2015: 171-186; citações: 174-5). Esse é o projeto imperialista não secreto para a Rússia.

Por que? Porque a Rússia como potencia bélica e um país mesmo capitalista, anti-imperialista, enfrentando o sistema neoliberal, se aproximando da China, forja a possibilidade de um mundo multipolar. Ameaça unipolaridade e o poder de mando absoluto dos EUA, o líder absoluto do sistema imperialista.

Na agenda dos EUA quando deram o golpe na Ucrânia em 2014 já estava transformar a Ucrânia numa "Cabeça de Ponte", como membro da OTAN, para submeter a Rússia e a enfraquecer, assim afastando-a da China.

Ao imperialismo, em crise estrutural desde 2008 tudo e necessário, tudo é possível, tudo é valido para combater a emergência da China e a ascensão de uma Nova Ordem Mundial, multipolar, mais democrática, não submetida a lógica do sistema imperial, inclusive aliar-se e fortalecer o movimento neonazista em todo o mundo. 

A Russofobia tem origem nazista. Aliás, a forma como os povos eslavos, incluindo os ucranianos, são tratados na Europa, como os “negros europeus”, sofrendo historicamente todo tipo de preconceitos tem origem na eugenia anglo-saxônica que subsidiou o nazismo.
O Imperialismo quer uma Ucrânia aliada, mas submissa, totalmente submissa, como de resto, se encontra hoje vergonhosamente toda a Europa. A Ucrânia na estratégia da OTAN/EUA é apenas a “Cabeça de Ponte” para ameaçar e ou invadir a Rússia.

Esqueceram-se, porém, de combinar com os russos.

Desde 2014, com o golpe na Ucrânia iniciaram a ofensiva contra a Rússia, a marcha em direção a submeter o gigante eurasiático. A Rússia foi tolerante enquanto não tinha as condições econômicas para suportar as represálias que viriam. Mataram mais de 14 mil russos na região do Dombass, criaram dispositivos constitucionais ucranianos para o país ingressar na OTAN é, lógico, se tornar concreta a ameaça de invasão a Rússia.

Pergunto. Era possível à Rússia assistir essa situação apenas observando? Depois de apelos e mais apelos ao imperialismo estadunidense.

A Rússia está com sua pauta na mesa: neutralidade da Ucrânia, ou seja, nada da Ucrânia fazer parte da OTAN, criando um cinturão de segurança para ela. O reconhecimento da Crimeia e das repúblicas populares na região do Dombass. 

Em curso um processo de desnazificação da Ucrânia, algo que o mundo deverá em algum momento agradecer novamente a Rússia, pois a marcha neonazista, a partir da Polônia só cresce e sua ameaça não será apenas contra o povo russo. Já há hoje uma Internacional Nazista, até agora apoiada pela OTAN.

Alguns políticos da Região de Dombass, onde os Neonazistas apoiados por Kiev já mataram quase 15 mil pessoas protestam porque a Rússia deixou chegar nesse ponto. Que era para ter intervindo antes.

Bem, a História será contada de várias formas, mas como dizia Marc Bloch, ao Historiador cabe ir buscar o processo histórico o mais próximo possível do que realmente aconteceu. Com suas contradições, seus interesses e suas sínteses.

*Jonas Duarte é Professor do Departamento de História - CCHLA/UFPB. Pesquisador Visitante no INSA - Instituto Nacional do Semiárido.
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**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

 

Edição: Cida Alves