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JUSTIÇA

Artigo | Ditadura nunca mais: 10 anos da Comissão Nacional da Verdade, retrocesso

Após uma década da instalação da Comissão Nacional da Verdade, nossa democracia está mais ameaçada

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Foi instalada em 16 de maio de 2012 a Comissão Nacional da Verdade – CNV. Dez anos depois do início dos trabalhos da Comissão, temos pouco, ou quase nada, a comemorar - Foto: reprodução

Desde a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, tivemos poucos períodos de democracia e o momento atual é o mais longo desse regime de governo já vivido no Brasil República.

 A eleição do civil Tancredo de Almeida Neves pelo Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985 pôs fim à sucessão ilegítima de militares na presidência da República, mas o passado sombrio de uma ditadura militar brutal somente foi extirpado do ordenamento jurídico e da prática nacional alguns anos depois, com a promulgação da atual Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Ulisses Guimarães: “Temos ódio e nojo à ditadura. Amaldiçoamos a tirania”

Ao entregar ao Povo Brasileiro a Constituição Cidadã, em um discurso vigoroso de repúdio ao autoritarismo que havia marcado indelevelmente a vida de milhões de brasileiros por 21 anos, o Presidente da Câmara dos Deputados, Ulisses Guimarães, afirmou: “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações”.

Comissão Nacional da Verdade

A fim de “passarmos a limpo” esse período nefasto da história nacional, responsabilizarmos tiranos e nos redimirmos com aqueles que sofreram perseguição, foi instalada em 16 de maio de 2012 a Comissão Nacional da Verdade – CNV. Dez anos depois do início dos trabalhos da Comissão, temos pouco, ou quase nada, a comemorar.

Em verdade, apesar das revelações, constatações e recomendações da CNV, o que assistimos hoje em dia é um retrocesso em nossa já frágil democracia com o resgate de medidas que visam restringir liberdades, criminalizar movimentos sociais e subjugar a vontade popular.

Lei Antiterrorismo é desnecessária no Brasil

A ausência de ações e de políticas públicas do Estado brasileiro que dessem efetividade às recomendações da Comissão Nacional da Verdade parece ter servido de estímulo para grupos que anseiam e clamam pelo retorno da Ditadura Militar.

Uma vez que o ambiente político para formulação de um novo Golpe de Estado, nos moldes do de 1964, não parece propício, a extrema direita, liderada pelo atual Presidente da República se valem da eleição de 2018 para perpetrarem ataques contra instituições públicas republicanas e para aparelhar outras estruturas de controle.

Com o propósito de legitimarem suas ações, há uma proliferação de propostas legislativas na Câmara dos Deputados visando restringir liberdades civis com a ampliação dos limites da Lei Antiterrorismo.

Lei Antiterrorismo e restrições à atuação dos movimentos sociais

Em meio a críticas dos movimentos sociais, e antes mesmo da instalação da Comissão da Verdade, foi sancionada com vetos a nova Lei Antiterrorismo – Lei 13.260/2016 – tipificando a conduta terrorista e fixando penas elevadas aos autores.

A norma, desnecessária em um país sem histórico desse tipo de prática, surgiu como resposta aos organismos internacionais de controle de financiamento de atividades terroristas e em retaliação aos atos públicos de 2013.

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Com o advento da eleição do governo de extrema direita em 2018 no país, multiplicaram-se no Congresso Nacional as tentativas de alteração da Lei para ampliar ainda mais a asfixia sobre a sociedade civil organizada, segundo estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Brasília Thiago Trindade e Carla Guareschi.

Como se não bastasse, o próprio Presidente da República se comporta de forma a reduzir e constranger os demais poderes, promovendo ataques constantes às instituições e seus representantes.

Ameaças a poderes constituídos e mordaça em movimentos sociais fazem hoje parte da realidade política brasileira, quer por atos praticados pelos Chefe do Poder Executivo e de seus seguidores, quer por tentativas legislativas de subjugar a vontade popular; enário propício à recessão democrática e à morte das democracias.

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É preciso que o parlamento brasileiro resista à tentação de impor injustificada repressão às entidades da sociedade civil organizada, evitando enfraquecer um dos pilares democráticos – a participação popular – e favorecendo a construção de mais mecanismos de combate à tirania.

Afinal, nunca é demais lembrar: o Golpe Militar de Estado de 1964 foi legitimado pelo Congresso Nacional, que foi posteriormente fechado três vezes no período e teve 173 de seus parlamentares cassados pelo próprio governo.

Eduardo Maia é analista do Ministério Público de Minas Gerais, especialista em Ciência Política, diretor no Sindicato dos Servidores do Ministério Público e secretário-geral da Nova Central Sindical de Trabalhadores

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida