Paraíba

ARTIGO

Editais para a cultura: o caso da Lab Paraíba antes que a vaca vá para o brejo

Os aspectos jurídicos e documentais trazem problemas para as equipes de análise e para os proponentes

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Ilustração - Card: Reprodução

Os Editais de Cultura ainda carregam vieses da engessada Lei 8.666/93 que trata das Licitações para qualquer aquisição de produto e de serviços entre entes públicos e sociedade civil tratando um bem cultural com exatos critérios para edificar um viaduto ou mensuráveis como aquisição de seringas e leitos.

Há duas maneiras dos governos estaduais e municipais resolverem parte do problema. A primeira é realizar os editais para a cultura pelo mecanismo de Lei Cultura Viva¹  e a segunda é favorecer a utilização do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil-MROSC² ambas de 2014 e que irão favorecer muitos para efetivação da democratização e acesso aos recursos para a cultura.

Embora existam esses novos instrumentos de realizar a política pública para a cultura, ainda impera e a gestão pública está mais preparada para executar pelos instrumentos da lei de Licitação 8.666/93 que está em fase de mudança, mas para a classe artística, ao contrário de melhorar se intensificarão as exigências. 

Com a experiência da Lei Aldir Blanc I na Paraíba se verificou que o mecanismo de repasse fundo a fundo que era previsto no Sistema Nacional de Cultura está em amadurecimento e funcionou bem. Contudo há muitos problemas relativos à comprovação documental, aspectos jurídicos e confusão entre premiação e contratação de serviços. Há editais tão híbridos juridicamente que onde se diz prêmio há exigência de contratação de serviço e onde se observa contratação de serviço  o repasse e a prestação de contas é mais compatível com exigências da  premiação. 

Os aspectos jurídicos e documentais trazem problemas para as equipes de análise e para os proponentes. Caso simples é comprovação de endereço na Paraíba com dois (02) anos, o que traz um problema que foi resolvido com auto declaração de residência. Uma sugestão é que o proponente  indique um endereço e o projeto deve ser realizado na Paraíba. Não produz nada exigir comprovação de dois anos de moradia, mas a garantia que o projeto será realizado na Paraíba, afinal a verba é federal e se cria um documento que ao poder oferecer uma auto declaração é, portanto, meramente ritualístico.

O comprovante bancário foi outro fator que teve impacto jurídico e contábil. Muitas pessoas anexaram dados inconsistentes, titulares diferentes dos proponentes e finalmente no momento de realizar os pagamentos não foram efetivados corretamente. Esta questão da conta bancária do proponente pode e deve ser resolvida como ocorre nos pagamentos de cartão de crédito, se o número não é valido não se efetiva a inserção da conta no formulário de propostas culturais. O sistema de inscrição já precisa validar esse documento e enquanto o proponente não resolver não avançará a inscrição. Mecanismos de tecnologia da informação como esse devem ser estendidos à todas as certidões, certificações documentais. Os avaliadores documentais operam cada CPF, cada RG, cada Certidão analogicamente, abrindo e confirmando validade visual das certidões, privilegiando o que não tem razão de mérito.

Agora que a Lei Aldir Blanc se torna definitiva e que o montante de recursos é substancial é necessário realizar uma seleção digitalizada das certidões, CPF, Endereços e Contas Bancárias e outros. É fundamental um sistema que não tenha que operar com um ser humano, gerando recursos para complementação documental. O próprio formulário e sistemas integrados já impede a inscrição enquanto o proponente não resolver a adequação documental. Fazendo com que as habilitações documentais sejam instantâneas, desafogando a equipe de um tramite que pode ser automatizado. Outro fator dessa automatização é reduzir a pessoalidade dos pareceristas e proponentes.

Como não se sabe se o governo estadual irá adotar tecnologias informacionais para automatizar comprovações documentais e verificando que o volume de recursos aumentou mais que o dobro da Lei Aldir Blanc – LAB I com a Lei Paulo Gustavo e a LAB  que se tornou definitiva, será necessário realizar contratação de equipe de análise por editais. Como a demanda de pareceristas será enorme e no Brasil todo e grande parte desses parecerista também é proponente, se deverá avaliar a necessidade de formar pessoas para a triagem e seleção, afinal essa será uma nova profissão de mercado.

Sobre categorias elas devem ser divididas por projetos novos, médias e longas carreiras. Assim, um projeto irá concorrer com propostas de currículo equivalentes. Claro que isso pode ser longamente aprofundado, mas é fundamental reconhecer que grupos antigos estarão em vantagem com grupos novos.

Para garantir a impessoalidade, os projeto serão encaminhado aos pareceristas sem os nomes dos proponentes ou com pseudônimos e cada projeto será avaliado por 2 pareceristas diferentes. Os projetos que tiverem divergência nas análises serão confrontados e discutidas as disparidades. O item que um parecerista avaliou nota 1 e outro nota 10 precisarão ser julgados diante de um mediador para aproximar as notas. Com esse critério se poderá reduzir as preferências pessoais dos pareceristas. 

Note-se que à cada demanda de transparência se exige um critério de análise que não esteja sob o julgamento de apenas uma parecerista e que a equipe de análise precisa padronizar seus critérios e se profissionalizar.  Com esse processo, quando um projeto ficasse abaixo da nota de corte se teria um laudo de dois ou três pareceristas informando onde o projeto possui lacunas importantes.

Por que a análise de corte deve ser entregue ao proponente? 

1 – Garantir impessoalidade e reduzir subjetividade da análise,

2 – Favorecer o proponente descobrir por qual motivo seu projeto teve força ou fraqueza

3 – Com laudos rigorosos, orientados pela análise o proponente e sociedade terá comprovação de que ocorreu uma análise criteriosa.

4 – Haverá casos que caberão recursos e haverá casos que não.

5 – A análise terá mais objetividade e transparência.

Diante dessa defesa do mérito e dupla avaliação, quem definirá o valor do projeto serão os proponentes e os avaliadores pedirão para reduzir, aumentar ou adequar segundo a análise, sendo como tendência manter o valor estipulado pelo proponente. Isso elimina faixas de valores como ocorreu no LAB II que um projeto da faixa máxima teve uma nota maior que um do valor médio, mesmo tendo merito foi para a suplência. Ou seja, o projeto estava aquem par aa faixa de R$50 mil e estava superior para a Faixa de R$30 mil, resulta que um projeto com menor avaliação garantiu a vaga.

Muitas regiões tiveram projetos com notas baixas em relação a outras regiões e foram aprovados. Esta situação precisa ser corrigida de duas maneiras. Projetos estaduais que promoverão circulação no estado e áreas de pouca produção cultural poderão migrar de região para atender demandas de diversificação. A realização regional é importante, mas se torna injusto um projeto de nota 90 ser reprovado numa região e outro com nota 75 ser aprovado. É necessário debater outras maneiras de garantir qualidade e desenvolvimento de projeto cultural. Aprovar um projeto estritamente por uma cota regional é insuficiente.

Sobre os segmentos

Sobre os segmentos para negros, mestres e mestras da cultura popular, LGTBQI+, grupos étnicos e pessoas com deficiência ocorreram muitos debates e ainda assim não foi suficiente para esse público uma análise e distribuição eficiente e justa. Deve se formar uma câmara técnica, jurídica e dos movimentos para identificar as falhas nos recentes editais e definir o que deve ser aperfeiçoado, ser apresentado a todos interessados e ajustar, somente com participação das partes se chegará a um termo aceitável.

A discussão é vasta, não se esgota aqui e pelo valor que virá à cada ano essa condição artesanal de análise precisa modificar e se amparar nas tecnologias da informação e em pareceres mais aferíveis pela sociedade. O governo irá arrecadar mais de R$14 milhões em ICMS dos R$86 milhões da Lei Paulo Gustavo e seria bem justo investir parte desse imposto em tecnologia e qualificação de equipe e favorecimento de seus trabalhos.

Para finalizar essa contribuição, em sendo uma política permanente, um modo de desafogar demandas é oferece financiamento por dois ou mais anos, afinal, um projeto bom é bom por 2 ou 3 anos e a comissão de análise deveria indicar os que devam ser financiados no segundo e terceiro ano. Tal medida desafogaria as comissões à cada ano de análise e liberariam os artistas de todos os anos serem obrigados e remodelar propostas ou criar novas para concorrências anuais.

Para essa nova LAB e Lei Paulo Gustavo indico duas discussões fortes. Será realizado um primeiro edital apenas para projetos que ficaram na suplência em 2020 e 2021. Um segundo edital para os que que foram desclassificados ou nunca concorreram e um terceiro edital para quem teve aprovação em 2020 e 2021.  Essa separação seguiria uma ordem de três quadrimestres, mantendo quase um fluxo contínuo, reduzindo uma demanda maciça em só um mês e distribuindo o trabalho ao longo de todo ano.

São sugestões que precisam ser iniciadas já, com pautas definidas, como check list de preocupações e algo que está totalmente falho é a ausência de acompanhamento sobre a efetividade das realizações. O aferimento e análise de desenvolvimento cultural pelo valor aplicado é ínfimo e isso precisa ser melhorado, inclusive no que tange ao impacto positivo na cadeia produtiva da cultura.

Não se pode ter um aporte de R$86 milhões para um setor complexo e variado e as análises e procedimentos não receberem atenção de corpo técnico e tecnológico compatível com tarefa tamanha. A margem será sempre para defeitos, desvios e inconsistências.

Por fim, se usarmos o coeficiente de retorno em PIB realizado pela Fundação Getúlio Vargas em 2018 afirma que para cada R$1,00 investido em Cultura há um retorno em PIB de R$1,59. Isso significa que os R$86 milhões da Lei Paulo Gustavo investidos na Paraíba trará em PIB o equivalente R$136 milhões para o estado da Paraíba.

¹ A Lei Cultura Viva criou vários mecanismos para efetivar projetos de curta e longa duração, seu acompanhamento, correção de rumos e prestação de contas para Organizações da Sociedade Civil da árra de Cultura. O documento chave do projeto se denomina Termo de Compromisso Cultural – TCC e dá prioridade ao projeto executado como 1a prestação de contas e sua possível aprovação pelo objeto executado e não estritamente pelas Notas Fiscais apresetadas. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13018.htm

² O MROSC cria um instrumento de chamamento público e substitui o conveniamento entre entes públicos Organizações da Sociedade Civil e que substitui a Lei de licitações e concorrência. Tanto seu funcionamento como o repasse lembra a Lei Cultura viva em algusn dos seus aspectos, ms o acomapanhamento garante readequações que antes eram mais difícieis de ocorrer. A prestação de contas também dá enfase no projeto executado como prioritários as Notas Fiscais e favorece correção de algum erro de execução sem criminalizar os responsáveis com Tomadas de Contas especiais. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13019.htm

*Antônio Sobreira é Doutor em Geografia pela Faculdade de Ciência e Tecnologia (UNESP). Tem experiência na área de Geografia, atuando principalmente nos seguintes temas: produção cultural, arte educação social, pensamento geográfico, anarquismo, formação de professores, ensino e cidadania, agrotóxicos e meio ambiente. Atuou na auto-gestão do Ponto de Cultura Prudente em Cena-Federação Prudentina de Teatro e Artes Integradas- FPTAI, Pres. Prudente-SP e como palhaço, equilibrista, malabarista e músico excêntrico do Grupo de Circo Teatro Rosa dos Ventos, Pres. Prudente - SP e autor do blog: educanarquista.blogspot.com (2011-). Ex-Gerente de Identidade Cultural da Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba. 

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

 

Edição: Cida Alves