Seus empenhos influenciaram diretamente a implementação de políticas públicas na Paraíba.
Há dois anos, neste dia de Iemanjá, em 2020, faleceu Fernanda Benvenutty ativista cultural e dos direitos humanos para LGBT, em especial para Travestis e Transexuais.
Fernanda Benvenutty nasceu em 1962, na cidade de Remígio, Paraíba. Sua vida foi cheia e desafios, logo cedo, quando se percebeu travesti, obteve a fúria preconceituosa da família. Assim, recém descoberta como travestis e por ter relações afetivas com rapazes, foi expulsa de casa, porém irreverentemente foi acolhida pelo Circo Babilônia, sendo encorporada como 'palhaço'. A partir daí nasceu uma artista engajada, que mais tarde seria uma das maiores revelações do Carnaval Tradição de João Pessoa.
Quando jovem, Fernanda foi uma das primeiras travestis a residir em João Pessoa, foi empregada doméstica e estudava no curso técnico de enfermagem.
Infelizmente não pode escapar à prostituição, porém não permaneceu muito nessa profissão, pois quando, com bastante sacrifício, terminou o seu curso, iniciou sua profissão de enfermeira.
Rememoram Breno Correia e Ferreirinha, militantes do MEL, que na praça Sólon de Lucena, na Lagoa, sempre avistavam Fernanda Benvenutty passando, vestida de branco e com sua maleta à espera do ônibus, em rota ao trabalho.
Na Maternidade Cândida Vargas, Fernanda foi assistente de obstetra, sendo "parteira" de muitos paraibanos e pessoenses. Ela exerceu o papel materno indiretamente sendo a "mãe parteira" como se exalta no Samba Enredo da Escola de Samba Unidos do Roger, fundada por ela.
Fernanda fundou duas escolas de Samba: Império do Samba e Unidos do Roger e dedicava-se, de dezembro a janeiro, tanto à visibilidade Trans, como as costuras de fantasia e organização do Carnaval Tradição
Em 2001, ela chegou no MEL, sendo acolhida por Luciano Vieira, Cleudo, Felipe, Marli e tantos outros. Fernanda Benvenutty chegou no MEL como uma pessoa forte e determinada. "Ela tinha três objetivos: escrever um livro, fundar uma associação de travestis e estar na carreira política", conta Cleudo.
De fato, em 2002, Fernanda funda a ASTRAPA, dez anos pós Jovanna Baby funda a ASTRAL na região Sudeste. Ao lado do MEL, do Maria Quitéria e Gayrreiros do Vale da Paraíba, Fernanda protagonizou a luta pela dignidade de pessoas travestis e transexuais. Em 2004, foi candidata a vereadora pelo PT e, tristemente não foi eleita, porém houve uma reação depois dessa experiência, a conquista de uma visibilidade.
Também no ano de 2004, houve o lançamento nacional da campanha "Travesti e Respeito" que desenvolveu políticas públicas para travestis no campo da saúde e principalmente na área de prevenção ao HIV/Aids. A data da campanha, posteriormente se converte em dia da Visibilidade Trans e Fernanda teve um forte papel nessa construção.
Em 2010, ela se candidata a deputada estadual com o slogan "A voz de todas as bandeiras". Também não obteve vitória, embora sua campanha fez surgir novos militantes para o movimento LGBTQIAP+ e após isso, passou a integrar a ANTRA e os quadros do movimento LGBTQIAP+ nacional, foi Conselheira nacional de saúde e protagonizou o direito à saúde plena e de qualidade para travestis. Seus empenhos influenciaram diretamente a implementação de políticas públicas na Paraíba.
Em 2005, a ASTRAPA elaborou o primeiro Centro de Referência LGBT da Paraíba que funcionou por três anos e teve Felipe Santos como o Coordenador. O Centro, que chamava-se Marcos Mercês, atendeu muitos da comunidade LGBTQIAP+ e serviu de modelo para ser estadualizado em 2010. Cleudo Gomes e Renildo Moraes reelaboraram a experiência da ASTRAPA e surgiu em 2011 o Espaço LGBT da Paraíba que hoje chama-se Pedrinho, e funciona há dez anos.
Na cena cultural além de estruturar a Parada do Orgulho LGBTQIAP+, Fernanda fundou duas escolas de Samba: Império do Samba e Unidos do Roger e dedicava-se, de dezembro a janeiro, tanto à visibilidade Trans, como as costuras de fantasia e organização do Carnaval Tradição.
Sua escola, Unidos do Roger, ganhou as edições 2019 e 2020, em plena avenida no último carnaval antes da pandemia o samba enredo "Abram Alas que ela vai Passar" recontava a biografia da ativista Fernanda Benvenutty que, por causa de câncer no estômago, faleceu antes de seu aniversário no dia 09/02 e antes de presenciar a segunda vitória de sua amada Unidos do Roger.
Fernanda Benvenutty deixou amigos, dois filhos adotivos, a ASTRAPA, hoje ASPTTRANs, e um legado de luta e afirmação pelos direitos humanos.
Viva Fernanda Benvenutty e a luta histórica das Travestis e Transexuais do Brasil. Seu legado brilha e ecoa em nós, como bandeira de luta!
*Cleber Ferreira Silva é professor, militante do MEL e dos Direitos Humanos para a população LGBTQIAP+
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.
Edição: Cida Alves