Paraíba

Coluna

Exploração da natureza, emergência climática e fome

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Guilherme Cavalli - Manifestação em Glasgow, Reino Unido, durante a COP-26
A COP 26 deveria debater a insustentabilidade do atual modo de produção e a desigualdade resultante

Maria Eduarda Angeiras Menezes*
Alexandre Cesar Cunha Leite**

Entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro de 2021, realizou-se, em Glasgow, Escócia, a 26ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança no Clima (UNFCCC - COP 26). Nestes dias, toda a comunidade internacional voltou sua atenção para um dos problemas mais urgentes que tem afetado toda a vida humana no planeta, a saber: as alterações extremas que estão acontecendo no clima do globo terrestre. 

A temática debatida na COP 26 é das mais importantes e urgentes para a continuidade e para a qualidade da vida humana no planeta. As mudanças climáticas são ocasionadas por fenômenos naturais, mas, sobretudo, pelas ações antrópicas no meio ambiente, conforme mencionado no relatório do IPCC deste ano . São as ações antrópicas que têm provocado consequências que vão além da área ambiental. O aumento da incidência de eventos climáticos extremos, a alteração de ecossistemas e a drástica diminuição da biodiversidade são alguns dos efeitos comumente citados como consequência da ação humana. Estes eventos tendem a acarretar e agravar problemas econômicos e sociais. 

Nós já estamos vivenciando as consequências dessas mudanças e todos os exercícios para se pensar futuros cenários da vida no planeta indicam que continuaremos impactados pelas alterações no clima global. Nestas estimativas, dadas as mudanças sistêmicas, projeta-se a possibilidade de um maior contingente populacional afetado pelos eventos climáticos, resultando, inclusive, em aumento das taxas de mortalidade em decorrência de eventos extremos. Consequentemente, dentre esta população atingida, direta e indiretamente, existirão aqueles/as cujas mortes serão decorrentes da fome. 

O relatório SOFI 2021  (julho/2021), uma publicação conjunta da Organização para Alimentação e Agricultura (FAO), Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Programa Mundial de Alimentos da Nações Unidas (WPF) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), reiterou que as mudanças climáticas estão impulsionando o aumento da insegurança alimentar no mundo. São os efeitos no clima global que comprometem o objetivo da ONU de acabar com a fome até 2030. Da mesma forma, as metas estipuladas pelos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) estão comprometidas caso as ações barganhadas e negociadas entre os países não sejam colocadas em prática, e com urgência. O relatório SOFI 2021 alerta para a necessidade de um compromisso global, de uma ação conjunta internacional, diante de uma “conjuntura crítica” marcada por dois fortes vetores negativos, a pandemia de SARS-CoV-2 (Covid-19) e as mudanças climáticas. 
 
James Lomax, gerente do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), afirmou que os sistemas alimentares atuais, termo que inclui todas as atividades desde a produção ao descarte dos alimentos, estão exercendo uma pressão danosa sobre o meio ambiente. O modelo atual é responsável por um terço das emissões humanas de gases do efeito estufa (GEE), considerado o principal agravante para as alterações climáticas. 

A afirmação de Lomax é, no mínimo, inquietante. Como se pode dizer que a produção de alimentos esteja no cerne da contribuição para o aumento da fome global? Entretanto, apesar da afirmação parecer, à primeira vista, contraditória, há razão que embasa a assertiva. Se nos voltarmos para a base da estrutura produtiva, o atual sistema agroalimentar, corporativo, dominado por grandes corporações, monopólios e oligopólios globais, que controlam toda a cadeia produtiva, desde os insumos até o produto final, é possível perceber que é esse sistema, inclusive os grandes conglomerados do setor de supermercados, que promove e fortalece a segmentação do consumo alimentar da população. 

Repare que, aos poucos, a afirmação de James Lomax começa a fazer mais sentido. Subordinar os recursos naturais, a terra, a ação humana ao processo produtivo e à criação de consumo é parte do método. Segmentar o consumo dos produtos alimentares é inerente a esse sistema corporativo. Capitalismo? Claro! Por isso é necessário compreender que o sistema agroalimentar vigente é parte fundamental da dinâmica capitalista atual. Consumir a terra e os recursos naturais do planeta é essencial para “alimentar” essa dinâmica. Extrativista onde for possível, nos países e espaços que dependem da atividade econômica extrativa. E, onde não é possível, subordinam-se, financeira e politicamente, os espaços onde a atividade extrativista seja “necessária” e aceita.
 
A COP 26 deveria debater, além dos efeitos do extrativismo no clima, da ação antrópica exclusivamente na natureza global, a insustentabilidade do atual modo de produção e a desigualdade resultante deste mesmo sistema. A desigualdade causada por esse sistema é, simultaneamente, inerente ao seu funcionamento e consequência deste. Desta desigualdade, emergem problemas econômicos e sociais que não podem ser ignorados ao se propor medidas, sejam atenuantes ou estruturantes, diante do quadro de mudanças climáticas e suas consequências. 

A forma como as mudanças climáticas e suas consequências foram tratadas nas conferências quadro anteriores à COP 26 indica um problema de diagnóstico na sua essência. Não reconhecer a ação humana e as consequências sistêmicas do capitalismo indicam uma alternativa em não enfrentar a origem do problema. A COP26 chegou ao fim apresentando ao mundo o mesmo “bla bla bla”, nas palavras da ativista Greta Thumberg, das conferências que a antecederam. Estas não se mostraram capazes de articular uma resolução que efetivamente responsabilize os países mais poluidores (normalmente, países desenvolvidos) nem soluções que contemplem a desigualdade existente entre os países do globo. O capitalismo não só produz desigualdades extremas, o capitalismo também não se preocupa em amenizar os rastros e as consequências derivadas da desigualdade crescente. 

Se o atual sistema agroalimentar atende aos objetivos e interesses daqueles que movimentam o sistema e acumulam os ganhos, deveria ser uma lógica imperativa que as soluções propostas para atenuar os efeitos das mudanças climáticas no globo passariam por considerar as posições diferenciadas de cada país. É um erro grosseiro supor que políticas uniformizadas, padronizadas, tenham efeitos semelhantes em países com tamanha desigualdade. Seja no que concerne aos problemas climáticos seja na consequente piora nos indicadores de insegurança alimentar. 

Logo, políticas públicas globais dentro dos moldes de produção vigentes, convenientes ao sistema capitalista, dificilmente enfrentarão a essência causadora dos problemas climáticos. Cientes que o atual regime agroalimentar tem na base do seu processo decisório grandes corporações que controlam toda a cadeia produtiva e de distribuição, e que estas são as exploradoras dos recursos naturais, temos um problema. Podemos constatar que não se pode contar com as grandes corporações extrativistas, que têm sua atividade econômica baseada no consumo desenfreado da natureza, para atenuar os efeitos das mudanças climáticas. 

Assim, alternativas que destoam dos moldes capitalistas, como a agroecologia, vêm se apresentando como caminhos tão possíveis quanto necessários. A agroecologia recupera princípios tradicionais dos povos indígenas ao valorizar a extração consciente, tirando da terra o essencial para a sobrevivência. Procura respeitar os processos naturais dos ecossistemas e busca a redução da utilização de combustíveis fósseis, que são agravantes do efeito estufa. A produção agroecológica fortalece os pequenos produtores e beneficia diretamente os trabalhadores envolvidos nas atividades desde o cultivo até o alimento chegar à mesa do consumidor. A adoção de sistemas alimentares agroecológicos ainda se apresenta como uma resposta integral a diversos problemas globais que estão interconectados, como a degradação ambiental, escassez de água, mudanças climáticas e a insegurança alimentar.  

A agroecologia não entende aquilo que a natureza nos oferta como recursos a serem subjugados pela ganância produtiva do capitalismo. É para essas alternativas que devemos voltar nossas atenções e depositar nossas esperanças. E é para esses caminhos que as próximas grandes conferências internacionais que tratam a temática das mudanças climáticas precisam e deveriam se direcionar.


* Graduanda em Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Membra do SACIAR (@_saciar).
** Docente da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), criador do SACIAR (@_saciar) e pesquisador do FOMERI/UFPB.

Edição: Maria Franco