Rio Grande do Sul

NA RESISTÊNCIA

“Esse criminoso tem que estar fora da eleição”, afirma a deputada federal Fernanda Melchionna

Deputada foi a única parlamentar brasileira a participar do GT do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Deputada federal Fernanda elchionna (PSOL-RS) conversou com o Brasil de Fato PB - Foto: Roger Zaballa / PSOL Divulgação

A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) está entre as parlamentares de maior destaque no cenário político nacional, sobretudo, quando a pauta é o enfrentamento ao governo de Jair Bolsonaro (Sem Partido). “Esse criminoso tem que estar fora da eleição”, disse a parlamentar, durante entrevista ao Brasil de Fato. Firme em suas posições políticas, acaba de ser eleita uma das melhores deputadas de 2021.

A bibliotecária e bancária revelou que vai disputar mais uma eleição como deputada federal. “Sou um soldado do partido, dos movimentos sociais e populares”, é essa sua definição sobre seu papel na política.

Em 2008, Fernanda elegeu-se vereadora de Porto Alegre, com 2.984 votos. Em seu segundo mandato, recebeu 7.214 votos, a melhor marca entre as mulheres eleitas. Na eleição municipal de 2016, Fernanda concorrendo novamente ao cargo de vereadora obteve 14.630 votos, a maior votação do pleito para vereador da cidade.

Ela foi a única parlamentar brasileira a participar do grupo de trabalho do Conselho de Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, realizado entre os dias 24 e 29 de outubro, desse ano, na cidade de Genebra, na Suíça. 

A seguir, Fernanda responde questões sobre apoio a Lula (PT), a chamada “terceira via” e os encaminhamentos da CPI da Covid-19.

Brasil de Fato PB - Autoridades da Organização das Nações Unidas (ONU) receberem da senhora, recentemente, em Genebra, na Suíça, uma cópia do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), sobre a pandemia da covid-19. Qual sua avaliação da receptividade internacional em relação a esse documento?

Fernanda Melchionna - De forma geral, todas as autoridades da ONU que nos receberam ficaram muito preocupadas com a forma que a pandemia de covid-19 foi tratada no Brasil. Durante o tempo que passei em Genebra, pude conversar, também, com jornalistas e ativistas e é nítida a sensação de desconforto e incompreensão generalizadas sobre como Bolsonaro tratou uma situação tão grave, usando o negacionismo como estratégia para sabotar o combate à pandemia.

O atraso e a corrupção na compra de vacinas, a distribuição de medicamentos anticientíficos que propagavam a falsa cura da covid-19, vinculados à estratégia de imunização de rebanho, deixaram evidentes as motivações econômicas e corruptas por trás do boicote à Ciência. Nesse sentido, os relatores da ONU ficaram muito curiosos e me pediram para explicar quais são os próximos passos no sistema de Justiça brasileiro para as denúncias que foram sugeridas no relatório final da CPI no Senado.

A ONU e outras organizações internacionais já ficaram muito atentas em como se desenrolou a CPI na fase da investigação, mas esse interesse mostra que estarão ainda mais atentos com as possíveis consequências. Isso precisa ficar como um alerta para as autoridades brasileiras.

BdFPB - Por que a senhora não teve direito à fala no Grupo de Trabalho da ONU, durante a plenária do Conselho de Direitos Humanos?

Melchionna - Atribuo isso ao lobby político do Itamaraty, que segue orientações do governo para abafar quaisquer tentativas de críticas a Bolsonaro. Fui para um grupo de trabalho que discute um tratado vinculante para responsabilizar empresas transnacionais por violações de direitos humanos. O papel que o governo Bolsonaro tem cumprido na discussão sobre o tratado tem sido de tentar desidratá-lo.

Eu já tinha feito uma intervenção no primeiro dia das negociações, falando sobre os casos de Mariana e os mil dias de impunidade no caso de Brumadinho, que vitimou 270 pessoas por conta da irresponsabilidade corporativa da Vale. Reforcei que é necessário avançar na compreensão de que os direitos humanos e ambientais valham mais do que os interesses das transnacionais e que isso é muito importante na atual situação do capitalismo mundial, com o peso que as multinacionais possuem.

Entretanto, já é a segunda vez que vou neste encontro e os parlamentares sempre falam quando se inscrevem. Eu tinha preparado uma outra intervenção depois da votação do relatório da CPI, que tinha como objetivo poder falar dos resultados da investigação, quando fui informada de que não poderia falar, o que certamente foi resultado de uma atuação que eu suspeito que tenha sido do próprio governo Bolsonaro para inviabilizar minha fala de denúncia.

Um governo que é indiciado por crimes contra a humanidade dentro do seu próprio país não tem moral nenhuma para falar de direitos humanos e ambientais e sobre o fim do poder corporativo e da arquitetura da impunidade que protege as transnacionais. Então não me surpreendo que queiram abafar denúncias.

BdFPB - Efetivamente, a senhora acredita que o presidente Jair Bolsonaro e os demais indiciados na CPI serão punidos pelos crimes citados no relatório?

Melchionna - Nós temos um histórico de impunidade muito grande no Brasil em relação a autoridades políticas. E, especificamente, no governo Bolsonaro, temos dois agentes garantidores da impunidade presidencial: o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que ao ter controlado um orçamento secreto paralelo, tem na mão o controle de boa parte dos deputados do Centrão e demais partidos de sua base alugada. Nós sabemos que há ministros de Bolsonaro que cometeram tantos crimes que já deveriam estar atrás das grades e, tenho certeza, que em algum momento Bolsonaro e os cúmplices desse genocídio serão condenados. Não podemos ignorar a gravidade do que aconteceu e a atenção com que organizações internacionais estão dando para os possíveis desfechos da pandemia.

O que eu acho mais importante, entretanto, é entendermos que esse discurso, que às vezes aparece por aí, de que não vai dar em nada, não pode ser uma justificativa para que não se lute. Nossa arena para essa luta é a mobilização social e as ruas. O problema é que muitas forças políticas já estão apostando todas as fichas no calendário eleitoral, o que é uma irresponsabilidade com o povo, que está morrendo nas mãos de um governo criminoso. É também dar sorte para o azar, deixando que a extrema direita chegue com possibilidades de concorrer ainda ao pleito de 2022. É uma dupla irresponsabilidade. A luta contra Bolsonaro é ainda em 2021, pelo impeachment.

Sabemos que a CPI se limita a uma investigação institucional e seus próprios encaminhamentos refletem como pensam setores das classes dominantes nesse momento histórico. Então, o fator determinante para que as denúncias sejam feitas é a combinação dessa luta jurídica com a pressão de fora para dentro através das mobilizações populares de rua. Não podemos deixar o Brasil entrar para a história como o país em que um presidente age para impulsionar mortes em uma pandemia e nada acontece.

BdFPB - O PSOL vem se destacando como um dos principais partidos de oposição ao governo de Bolsonaro, mas tem enfrentado dificuldades em fechar alianças com grandes partidos, como o PT, para as eleições do ano que vem, a exemplo da disputa ao governo de São Paulo. Podemos esperar uma união dos partidos progressistas contra o Bolsonaro e a onda crescente da extrema direita no país, para as eleições de 2022?

Melchionna - Uma coisa é a unidade de ação para derrotar Bolsonaro e sua política de extrema-direita. Nós defendemos a mais ampla unidade na ação com esse objetivo. Evidentemente, que o PT e outros partidos são aliados no enfrentamento à extrema-direita, mas essa luta deveria ser agora. Intensificar a rua pós-CPI, fortalecer e ampliar os atos de rua pelo impeachment. Jogar essa necessidade para o calendário eleitoral é um erro. Esse criminoso tem que estar fora da eleição. Com a extrema-direita não se pode dar sorte para azar, apostando que é mais fácil vencer Bolsonaro.

Agora, ser aliado na luta para derrotar Bolsonaro não significa ter o mesmo programa. Ao contrário, fundamos o PSOL para ser uma alternativa de esquerda anticapitalista para o povo trabalhador. Sabemos que não é possível fazer uma política conciliatória que sirva a dois senhores. Não tem como você ter um governo que esteja abraçado com a burguesia e ainda assim atenda às demandas de quem mais passa fome e sofre com a vulnerabilidade econômica.

O PSOL nasceu, justamente, quando os deputados Heloísa Helena, Luciana Genro, João Fontes e Babá foram expulsos do PT, por terem votado contra a reforma da Previdência que estava sendo feita por Lula, em 2003. Em São Paulo, por exemplo, o PSOL mostrou muita força na disputa municipal e tem condições de liderar a corrida. No Rio Grande do Sul, lançamos recentemente a pré-candidatura de Pedro Ruas, que é o que está melhor colocado da esquerda nas pesquisas eleitorais.

Do ponto de vista programático e estratégico, creio que é preciso um programa estrutural que faça os milionários pagarem a conta da crise, enfrentar a fome, taxar as grandes fortunas, auditar a dívida pública, apostar e defender o caráter estrutural do combate ao racismo, ao machismo e a LGBTfobia. É preciso fazer uma reforma agrária radical e o enfrentamento ao sistema financeiro. É preciso apostar na auto-organização e na mobilização, batalhar para ampliar as liberdades democráticas. Inclusive, para enfrentar a extrema-direita e o bolsonarismo, que não acabará com a saída de Bolsonaro, é preciso uma esquerda antissistema e anticapitalista. Por isso, o PSOL é um partido necessário.

BdFPB - O PSOL vai apoiar Lula para presidente da República ano que vem?

Melchionna - Já deixamos claro que apoiaremos Lula ou qualquer outro candidato no segundo turno para derrotar Bolsonaro, mas no primeiro turno estou entre aquelas que defendem um PSOL com candidatura própria. A hipótese de Lula não estar no segundo turno é muito remota e não há chance real de Bolsonaro ganhar no primeiro turno, então não há motivos para que o PSOL não tenha oportunidade de levar à discussão pública, como nos debates, por exemplo, temas que são de vital importância para o futuro do país.

O PSOL tem tradição de trazer os temas que outros partidos não querem tratar, como foi com Luciana Genro em 2014, que foi a primeira candidata na história a citar os direitos da população LGBTQIA+ em um debate de televisão, assim como apresentar um programa estrutural anticapitalista, tais como taxação das grandes fortunas e enfrentamento aos interesses do sistema financeiro. Como disse na resposta anterior, precisamos de um programa que vá à raiz da profunda crise econômica, social e de representatividade.

Dentro do PSOL, a minha corrente política, o Movimento Esquerda Socialista, tem defendido que o melhor nome no momento é o do deputado federal Glauber Braga, assim como defende a maior parte da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados. O Congresso do partido, que foi realizado pouco tempo atrás, decidiu que a decisão sobre ter candidatura própria ou não será tomada no ano que vem. Até lá, temos um debate importante a ser feito.

BdFPB - Mesmo com todas as barbaridades praticadas durante essa gestão federal, Bolsonaro ainda aparece em segundo lugar nas pesquisas de opinião de votos, sempre variando entre 22% e 25% do eleitorado. Como a esquerda pretende convencer a esse eleitor que Bolsonaro não deu certo e que precisamos virar essa página sinistra na política nacional?

Melchionna - Acredito que o povo tem se convencido de que a política de Bolsonaro só tem gerado miséria e morte. Isso vai ficar ainda mais evidente quando as campanhas eleitorais relembrarem como foi trágico o que o Brasil passou com a incompetência e corrupção dele, principalmente na gestão da pandemia. Acho importante ressaltarmos que neste momento, somos a maioria. A maioria do povo quer o impeachment (56% de acordo com o DataFolha) e a popularidade de Bolsonaro está baixíssima, chegando a nível recorde de 64% de desaprovação, conforme o PoderData.

É preciso mostrar que Bolsonaro é o filho mais podre desse sistema político apodrecido, e que além de manter e aprofundar uma agenda econômica antipovo, percebida cotidianamente pela população com a explosão dos preços dos alimentos, dos combustíveis e a ampliação do desemprego, além disso, ele tenta a todo tempo fechar as liberdades democráticas para que o povo não possa se organizar para lutar.

BdFPB - Outro fator preocupante é a chamada “terceira via”, que visa lançar um candidato com perfil muito parecido com o atual governo. Nomes como Sérgio Moro, Ciro Gomes e Dória surgem como possibilidades, para enfrentar Lula e Bolsonaro. A terceira via, apoiada por alguns meios de comunicação tradicionais, a exemplo da Rede Globo, deve prejudicar mais a situação ou a oposição?

Melchionna - O governo que temos hoje é genocida, tem inclinações protofascistas e quer eliminar tudo que for diferente da ideologia conservadora que aplica. É importante fazer essa diferenciação, se não colocamos todos no mesmo balaio e não entendemos a gravidade do que está acontecendo hoje e a prioridade que temos que ter nessa luta para derrotar Bolsonaro e os bolsonaristas. Evidentemente, as elites têm o mesmo programa econômico, como o famigerado teto de gastos, a reforma da Previdência e trabalhista. Já no campo econômico, acredito que o Brasil precisa de uma mudança que vá à raiz dos problemas, com uma taxação de grandes fortunas, com políticas que enfrentam o predatório capital financeiro internacional e resgate direitos dos trabalhadores, com a revogação de todas as reformas, responsáveis pelo retrocesso dos direitos sociais nos últimos anos. Neste sentido, nenhum candidato destes que você citou deu sinais de que vai, por exemplo, revogar as reformas trabalhistas e da previdência. Lula ao se aproximar de Alckmin e sinalizar a renovação da política de conciliação de classes já feita antes, também mostra-se disposto a negociar temas que são centrais para um programa anticapitalista.

Acredito que o principal "problema", ou desafio que a oposição tem, é fortalecer um programa que resolva os problemas do país, não de conciliação com as elites econômicas. Por isso, estou entre aquelas que defendem a apresentação do nosso programa na eleição de 2022. Se Bolsonaro não for impedido até lá, a tarefa principal será derrotá-lo, mas apresentando um programa alternativo para o país. Quando havia a chance de ir extrema-direita e direita liberal para o segundo turno, chegamos a defender uma unidade ampla de todos da centro-esquerda para impossibilitar esse cenário. Com a restituição dos direitos políticos de Lula, uma vitória democrática, isso na prática acabou. Se Bolsonaro estiver no segundo turno, estaremos com quem estiver contra ele, sem compor governos que tenham partidos burgueses, mas chamando voto anti-bolsonaro como fizemos em 2018.

BdFPB - A senhora foi escolhida como uma das melhores parlamentares entre os 513 deputados e deputadas, ficando em 11º lugar na votação do júri popular, com 18.262 votos pela internet. Com mais um reconhecimento nacional em mãos, Fernanda Melchionna pretende mais um mandato como deputada ou tem outros planos?

Melchionna - Sou um soldado do partido, dos movimentos sociais e populares. O PSOL terá o desafio grande de vencer a cláusula de barreira, um ataque regressivo e para inviabilizar os partidos ideológicos, por isso acredito que a indicação do PSOL do Rio Grande do Sul é de que eu seja candidata a deputada federal junto com demais companheiros e companheiras para manter e ampliar uma bancada tão aguerrida como a nossa.

Entendo que temos uma responsabilidade muito grande de continuar fazendo a resistência às ideias da extrema-direita e ao mesmo tempo trabalhar por conquistas concretas. Neste primeiro mandato, conseguimos aprovar projetos importantes. A primeira lei de minha autoria é a que garante a indenização para as famílias de trabalhadores da Saúde vitimados pela covid-19 e a trabalhadores que ficaram incapacitados. Garantimos, também, o duplo auxílio emergencial (R$ 1.200) para mulheres chefes de família, que foi fruto de uma emenda feita pela bancada do PSOL quando eu era líder. Além desses, aprovamos mais seis projetos, entre os que garantem medidas para abrigar mulheres em situação de violência doméstica na pandemia e a Lei da Emergência Cultural - Aldir Blanc, que garante medidas emergenciais para o setor cultural de todo país.

Sempre colocamos o mandato como uma caixa de ressonância das lutas dos movimentos sociais e como uma ferramenta de organização e mobilização dessas lutas. E os desafios ainda são muitos. Independentemente de quem governar o Brasil a partir do ano que vem, vamos ter que lidar com as consequências da destruição que foi feita, até agora, por diversos governos, mas principalmente por Bolsonaro. Teremos o desafio de fazer frente à retirada de direitos dos trabalhadores, de garantir condições para que o povo tenha vida digna e lidar com os efeitos colaterais da pandemia na economia e no tratamento de saúde das pessoas que ficaram com sequelas.

Os desafios são enormes e coloco não apenas meu nome à disposição, mas o projeto coletivo que construímos e que tem feito o PSOL ser um partido coerente e referência de renovação no campo de esquerda.

Fonte: BdF Paraíba

Edição: Marcelo Ferreira e Heloisa de Sousa