Paraíba

AUXÍLIO BRASIL

AUXÍLIO PARA LIBERTAR E NÃO PARA MANTER O POVO NO CABRESTO

"O aumento do auxílio prometido à população não nasce do coração, mas do interesse pela reeleição."

Brasil de Fato | João Pessoa-PB |
 Zé, um cortador de cana aposentado. Eu achava que tinha mais de 90 anos, mas não chegava nem aos 70. O rosto estava queimado pelo sol e enrugado pela fadiga.
Zé, um cortador de cana aposentado. Eu achava que tinha mais de 90 anos, mas não chegava nem aos 70. O rosto estava queimado pelo sol e enrugado pela fadiga. - Rogério Paiva / Ascom MPT

Uma das experiências mais fortes na minha vida foi o encontro com Zé, um cortador de cana aposentado. Eu achava que tinha mais de 90 anos, mas não chegava nem aos 70. O rosto estava queimado pelo sol e enrugado pela fadiga. Não precisava de registro na carteira para comprovar seus anos de trabalho. Os calos nas mãos e as cicatrizes nos braços e nas pernas eram os comprovantes de seus longos e terríveis anos de duro trabalho. Sua aposentadoria era uma mixaria. Contou-me que pegava no pesado todo dia. Morava na fazenda junto com outras famílias, mas a moradia era uma covardia. A fazenda ficava longe de tudo. Para comprar o necessário para viver só existia o mercadinho do patrão. Os preços eram altíssimos.

Aumentavam a cada semana, mas o salário permanecia o mesmo. E quando aumentava pela graça de Deus, o aumento era sempre inferior àquele dos preços do mercadinho. Ninguém dava conta. No mesmo dia em que recebia o mísero salário já estava endividado. Pagava as compras da semana anterior, mas nunca conseguia zerar o passivo. A dívida aumentava cada vez mais. Virava uma bola de neve daquelas que nem o sol quente daquela região conseguia derreter. A obrigação de ficar na fazenda era a garantia do pagamento. O regime era de escravidão.

Lembrei-me dessa história ao acompanhar as discussões de economia destes últimos dias. O presidente prometeu o “Auxílio Brasil” de 400 reais. O mercado enlouqueceu, pois o teto dos gastos vai furar. Na realidade o buraco está mais em baixo. Não está no telhado, mas nos fundamentos dessa economia sem compaixão. Deus queira que esta torre que só dá acesso a uns privilegiados possa ruir para construir no lugar dela uma casa onde tem lugar para todo mundo. O povo acompanha com certa trepidação com a esperança que vai melhorar. Pura ilusão. O que vai acontecer é a mesma coisa que se passava na fazenda do Zé. Nessa economia de exploração essa miséria de auxílio nunca vai gerar proteção. Além do mais, o povo vai ter que gastar num mercado cujos preços são estabelecidos pelos patrões. Com essa inflação às alturas, os preços não vão assegurar a compra da mistura. 400 reais parecem um bom aumento, mas quando chegarem no bolso do povo vão valer tanto quanto os 150  atuais que garantem pouco mais do pão com ovo. 

O regime de exploração é sempre o mesmo. Veste o casaco da benfeitoria, mas só promove malfeitoria. Transferir renda para os mais pobres é URGENTE, mas não é dar esmola. É  garantir trabalho em condições humanas, salários justos, aposentadorias dignas e benefícios adequados conforme reza a Constituição. O que estamos vendo nestes dias é a perpetuação da cultura da escravidão, a mesma que humilhou seu Zé na fazenda do patrão. 

O auxílio Brasil não vai ser pago com a taxação das grandes fortunas, mas pelos impostos pagos pelos trabalhadores e as trabalhadoras. Quem ajuda na partilha não são os marajás, mas a classe média e os próprios pobres. O assalariado trabalha duro, ganha mal e paga imposto sobre tudo, até sobre itens essenciais para sua sobrevivência. Além do mais deve endividar-se para comprar aquilo que ele mesmo produziu. É o fim da picada.

O dinheiro do auxílio Brasil, também, não vai ser tirado dos gastos exorbitantes da manutenção da máquina pública, dos salários escandalosos e dos penduricalhos, mas da verba destinada ao pagamento dos precatórios, isto é, do dinheiro público separado para pagar as pessoas que ganharam na justiça o direito a serem ressarcidas pelo Estado. Portanto, na fonte do auxílio há um calote. 

Portanto, não venham com conversa fiada. O aumento do auxílio prometido à população não nasce do coração, mas do interesse pela reeleição. Não vem da compaixão pelo desespero dos pobres que não tem o que comer, mas do desespero de perder a eleição. Seu Zé estava preso na Fazenda no regime de escravidão, o povo hoje arrisca de ficar amarrado para sempre ao regime de opressão em nome da sobrevivência. Em tudo isso, não sinto o cheiro de solidariedade, mas o fedor de voto de cabresto.

 

*Pastoral do Menor da Paraíba

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Cida Alves