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Como diminuir a fome e tornar as dietas saudáveis acessíveis?

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Nathalia Williany - Assentados trabalhando na feira Ecovárzea, João Pessoa-PB
Em 2020, 1 a cada 3 pessoas não teve acesso à alimentação adequada: 2,37 bilhões em todo o mundo

Por Marcelly Thaís Marques Ribeiro*

Durante os últimos seis anos, os índices de insegurança alimentar têm aumentado gradativamente: a população tem estado mais vulnerável à fome.  É o que aponta o relatório Estado da Fome e da Segurança Alimentar e Nutrição do Mundo em 2021 (SOFI), elaborado pela Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (IFAD), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Programa Mundial de Alimentos e a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Segundo o relatório, em 2020, em decorrência da pandemia, esse aumento foi acentuado: uma a cada três pessoas não teve acesso à alimentação adequada, o que representa um total de 2,37 bilhões. Além disso, outra preocupação apontada é com o aumento do preço das dietas saudáveis. Uma dieta saudável no ano de 2019 era de aproximadamente quatro dólares por pessoa, o que já era um valor alto e inacessível a 41,9% da população mundial. Com o aumento do preço dos alimentos, junto a outros fatores, em 2020, mais de 800 milhões de pessoas enfrentaram a fome e 928 milhões a insegurança alimentar severa, o que significa 148 milhões a mais que o ano anterior. 

Assim, o primeiro ano da pandemia da Covid-19 foi responsável por intensificar as tendências negativas já existentes. Em números, isso significou um retrocesso de até duas décadas nos avanços do cumprimento da Agenda 2030. Em edição anterior da coluna Fome e Pandemia, foi abordada a relação entre a fome e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), presente no capítulo 3 do SOFI 2021. Essa semana o foco é no capítulo 4: o que pode ser feito para transformar o sistema agroalimentar para garantir a Segurança Alimentar e dietas saudáveis acessíveis? A palavra-chave para essa  resposta é  transformação. 

O principal obstáculo para essa transformação é a falta de um diálogo unificado entre as políticas nacionais, regionais e globais existentes. Além da ausência de coordenação entre as estratégias, os investimentos e a legislação.  O relatório SOFI 2021 propõe seis caminhos para ampliar as linhas de diálogo e promover essa transformação por meio de ações intersetoriais, considerando conflito, variações climáticas e variações climáticas extremas,  desacelerações econômicas, dietas saudáveis inacessíveis, pobreza e desigualdade como os principais impulsionadores da insegurança alimentar. 

Os planos de ação são, respectivamente: a integração de políticas humanitárias, de desenvolvimento e construção da paz em áreas afetadas por conflitos; o aumento da resiliência climática em todos os sistemas alimentares; o fortalecimento da resiliência dos mais vulneráveis às adversidades econômicas; a intervenção ao longo das cadeias de abastecimento de alimentos para reduzir o custo de alimentos nutritivos; o combate à pobreza e às desigualdades estruturais, garantindo que as intervenções sejam a favor dos pobres e inclusivas; e o fortalecimento dos ambientes alimentares e mudança do comportamento do consumidor para promover padrões alimentares com impactos positivos na saúde humana e no meio ambiente. Apesar dos exemplos bem sucedidos  elencados pelo relatório, ainda é possível observar a  prevalência de discursos contraditórios, sobretudo no que tange à concentração de terras e à autonomia e soberania da população sobre sua alimentação. 

O relatório considera vital a interação de quatro sistemas principais para a mudança do sistema alimentar: o ambiental, o de proteção social, o agroalimentar e o de saúde, além de outros menores. Contudo, é falho ao reafirmar o papel da terra e da produção familiar na segurança alimentar e nutricional. Ao tratar da proteção social, as soluções elencadas partem de uma perspectiva vertical, em alguns momentos voltada para o assistencialismo, em detrimento da descrição de iniciativas de favorecimento da agricultura familiar,  não considerando a população como soberana na autonomia pela alimentação. 

Por fim, o relatório explora boas soluções para a redução dos preços das dietas saudáveis e possíveis soluções para a tentativa de reduzir os impactos negativos na segurança alimentar e nutricional ocasionados pela pandemia, como também, do aumento gradual da fome dos últimos anos.  Contudo, é importante reiterar que uma transformação substancial no valor das dietas, na segurança alimentar e nutricional e no sistema agroalimentar só pode ser concretizada considerando a soberania alimentar dos povos, com acesso à terra e consonância entre os principais atores dos sistemas relacionados. 


*Graduanda em Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e integrante do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (FomeRI) da UFPB.
fomeri.org
 

Edição: Maria Franco