Paraíba

ENTREVISTA

Fernanda Ferreira e Del Santos avaliam o cenário cultural para artistas pretas e pretos

O Fórum de Artistas Pretas e Pretos na Paraíba é aliado na luta pela reparação histórica do povo negro

Brasil de Fato | João Pessoa-PB |
Fernanda Ferreira e Del Santos, integrantes do Fórum de Artistas Pretas e Pretos na PB - Foto Divulgação

O Brasil de Fato PB realizou entrevista com Del Santos e Fernanda Ferreira, do Fórum de Artistas Pretas e Pretos na Paraíba (FAP/PB). As artistas apontam a necessidade de fomentar a cultura preta, as cotas raciais nos editais, a promoção de políticas públicas culturais específicas, como também a importância da reparação histórica promovida por essas ações. Confira a seguir:

O que levou a criação do Fórum de Artistas Pretas e Pretos na Paraíba?

Fernanda Ferreira: Gosto de dizer que somes filhes do Caos em busca de uma Nova Ordem! O FAP/PB surge em meio ao agravamento da chamada primeira onda deflagrada pela Pandemia Covid-19 em 2020 quando, após muita luta, artistas e os movimentos culturais em todo o Brasil estavam se reorganizando para entender e acessar os recursos da Lei Aldir Blanc (LAB 14.017/20), que até então era o maior recurso destinado à Cultura na história do Brasil e única garantia de manutenção e sobrevivência para este setor durante o contexto de calamidade pública e isolamento social. Nossa assembleia de criação foi realizada em 02 de setembro de 2020, cuja pauta era Ações Afirmativas e Cotas Raciais nos editais e políticas culturais no estado da Paraíba, uma reivindicação que se alinhava com a luta do Movimento Negro Unificado (MNU), em âmbito nacional pela campanha Cotas na Lei Aldir Blanc. Já nesta reunião, contamos com a presença e fortalecimentos de artistas e representantes dos Movimentos sociais pelos Direitos Humanos da população negra em João Pessoa e Movimento cultural organizado, a exemplo do Fórum dos Fóruns de Cultura da Paraíba (FdP/PB), da Marcha da Negritude Unificada João Pessoa (MNUJP), do Movimento do Espírito Lilás (MEL) e do Movimento de Mulheres Negras na PB (MMNPB).
 


Participantes do FAP/PB na Funjope, pautando as reivindicações da comunidade negra / site PMJP.


Quais os avanços e retrocessos nas políticas de cultura voltadas para o fortalecimento da identidade negra, em sua avaliação?

Del Santos: O avanço mais significativo ainda é a Lei de Cotas. Lutamos para garantir e ampliar sua aplicação em todos os tipos de concursos. Já os retrocessos são muitos: falta de sensibilidade de gestores, falta de iniciativa e competência para atender de forma real às necessidades de artistas pretes, respeitando suas demandas específicas e promovendo ações eficazes de reparação e fortalecimento do povo e da arte preta.

Fernanda Ferreira: Estamos vivendo um momento muito difícil no cenário político nacional para a cultura e isto afeta diretamente a nossa realidade local. Nunca foi fácil para es artistas pretes, para as manifestações e estéticas pretas/negras de matriz africana se firmar e afirmar artística e culturalmente, neste país, sem que houvesse algum tipo de apagamento, desqualificação ou apropriação por parte das linguagens hegemônicas. Mas a realidade é que conquistamos, em um dado momento, algumas vitórias, por exemplo a estruturação do Sistema Nacional de Cultura (SNC), que viabilizou a maior participação popular e, portanto, negra no acesso aos recursos públicos para as artes e cultura. Num passado não muito distante, penso que nosso maior avanço foi ter conseguido colocar Gilberto Gil como Ministro da Cultura e com ele ter feito o Brasil reconhecer e valorizar seu pilar cultural fundante. Mas a complexidade do racismo estrutural e institucionalizado, que também é fundante das relações sociais e humanas no país, nos impede de avançar na velocidade que necessitamos. Em meio a tantas perdas e retrocessos, podemos colocar também na conta dos avanços a nossa própria resistência e persistência ao conquistar 30% nos editais gerais para os recursos remanescentes da LAB 1 no estado da Paraíba e a criação de um edital de premiação e reconhecimento des artistas pretes/negres, da arte periférica e de matriz africana na nossa capital João Pessoa.

A partir do momento que houver investimento, fomento e a arte e os artistas pretos configurarem como protagonistas nas vitrines das ações, políticas públicas, projetos e programações culturais, a própria sociedade, com o tempo, mudará o olhar sobre nós, artistas pretos.


Por que mapear as artistas pretas e pretos na PB é tão importante? E como tem sido feito?

Del Santos: Para que possamos conhecer e ter uma visão condizente com a realidade do nosso povo. Saber quem são, onde estão, como vivem, entre outros dados, é essencial para se fazer políticas públicas, que alcancem e supram eficazmente as necessidades reais destes artistas. O Fórum tem feito sua parte e compartilhado um questionário (google docs), no qual os artistas respondem e nos enviam. Contudo, entendemos também que nem todos têm acesso a equipamentos, instrumentos e/ou conhecimento das mídias digitais, justamente por se tratar da parcela mais carente e precarizada do meio artístico. Mas, em meio às limitações impostas pela pandemia, ficamos sem outra opção no momento. Já o poder público, que deveria ser o verdadeiro tutor do seu povo, infelizmente não tem tomado iniciativa para fazer este levantamento.

Qual é a maior reivindicação do Fórum de Artistas Pretas e Pretos na Paraíba neste momento?

Fernanda Ferreira: Desde que nos reunimos, a pauta do FAP é a mesma: Reparação por meio de Ações Afirmativas para es artistas e trabalhadores pretes/negres da cultura. Nossas reivindicações são transversais às mais diversas linguagens artísticas. Portanto, nossa luta é por políticas públicas estruturantes, para que a cultura brasileira seja de fato diversa e não somente no discurso. Estamos em nível estadual pautando, junto aos gestores da cultura, editais específicos para as linguagens e manifestações culturais pretas/negras, periféricas e de matriz africana, bem como cotas raciais nos editais gerais.

Como o investimento em cultura pode contribuir para combater o racismo?

Del Santos: O investimento gera valorização e visibilidade à arte de um povo que há séculos é marginalizado, no sentido figurado e literal: tanto por ser colocado à margem da sociedade, das políticas públicas, da acessibilidade e, geograficamente, nas periferias, quanto por serem tidos como marginais, pessoas, que só pelo tom da pele, são consideradas perigosas e ameaçadoras à sociedade. A partir do momento que houver investimento, fomento e a arte e os artistas pretos configurarem como protagonistas nas vitrines das ações, políticas públicas, projetos e programações culturais, a própria sociedade, com o tempo, mudará o olhar sobre nós, artistas pretos.

O que mais você ou vocês gostariam de dizer a quem for ler esta entrevista e que não perguntamos?

Fernanda Ferreira: Acho importante divulgar a rede social do Fórum e pedir para a negrada se afrochegar na luta. No mais, é Fora Bolsonaro e Mourão, Fora Racistas Fascistas, Vidas Negras importam, Cotas na Lei Aldir Blanc, Reparação Já e mais importante: Mulheres Negras em Movimento Movimentam as Estruturas.

Edição: Carolina Ferreira