Paraíba

Coluna

Rede de Mulheres Negras do Nordeste: um breve relato sobre sua criação

Encontro Estadual da Rede de Mulheres Negras do Nordeste (RMNN) durante o seminário "A utopia de Bem Viver das Mulheres Negras: Perspectivas e Desafios", em Recife (PE). - Reprodução
compreendemos a importância da Rede não apenas para o nordeste, mas para outras regiões do país

Por Rosa Marques* 

 

Resiliência1

Por outras portas hei de passar tranquilo

Encontrarei o desafio e passarei a segui-lo

Inalcançáveis janelas poderei romper

O final não vai acontecer

Talvez eu tenha que saltar um muro

Posso até quebrar as pernas e ficar doente

Mas não me entregarei simplesmente

O mal não vai encontrar futuro (..)

Este pequeno relato traz um pouco de como nasce a Rede de Mulheres Negras do Nordeste (RMNNE). Entretanto, uma militante escrever sua própria história sem ser neutra e restritamente acadêmica, é um desafio que contradiz o proposto pela experiência do Bem Viver para as mulheres negras – Você precisa ser você mesma! Sua história deve ser contada na primeira ou terceira pessoa se assim você desejar. Então leitoras/res, em algum momento as afirmações ou informações ultrapassarão dados, citações, pois a práxis vos falará.

A Rede de Mulheres Negras do Nordeste, ela nasce no processo de organização da Marcha Nacional de Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver realizada em Brasília em 2015, uma construção de cinco anos em todas as regiões do país. As mulheres negras na ocasião da marcha afirmaram em sua carta política que:

Na condição de protagonistas oferecemos ao Estado e a Sociedade brasileiros nossas experiências como forma de construirmos coletivamente uma outra dinâmica de vida e ação política, que só é possível por meio da superação do racismo, do sexismo e de todas as formas de discriminação, responsáveis pela negação da humanidade de mulheres e homens negros. (Carta da Marcha, 2015, p. 1)

Essa superação do racismo e da violência, por exemplo, contribui para o exercício pleno do Bem Viver. Apesar do termo Bem Viver aparecer com maior ênfase na marcha, para as mulheres negras ele traduz a sabedoria milenar de suas ancestrais, e uma utopia de viver e construir o mundo de todas(os) e para todas(os). A ancestralidade é muito importante para estas mulheres negras, ao reconhecer as que vieram antes, tais como: Dandara, Tereza de Benguela, Maria Firmina dos Reis, Antonieta de Barros, Ludelina Campos de Melo, Felipa do Pará, Leila Gonzáles, Beatriz Nascimento, Luiza Bairros, e tantas outras (que não caberiam nestas três páginas), pois reafirmam sua identidade, fortaleza e irmandade.

Em setembro de 2013 nasce a Rede de Mulheres Negras do Nordeste na cidade do Recife decorrente da execução do Projeto “Tecendo a Rede de Mulheres Negras do Nordeste”, idealizado pelo Instituto Odara de Salvador, em parceria com a Fundação Ford e a Coordenadoria Ecumênica de Serviços – CESE. Este projeto tinha como objetivo - “desenvolver o mapeamento, a mobilização e a estruturação articulada com o fortalecimento institucional, sustentabilidade e formação política das jovens e mulheres negras, com foco nas dimensões de raça, gênero e orientação sexual, buscando assim, incidir de forma concreta nas políticas públicas de combate ao racismo, sexismo, à lesbofobia e para a promoção de igualdade em toda Região Nordeste”.

Este encontro oportunizou além da construção dessa rede, apresentar a um maior número de coletivos, organizações e ativistas negras, o andamento da Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo e pelo Bem Viver, e homenagear Carolina de Jesus pelo centenário de seu nascimento. Na ocasião do encontro Valdeci Nascimento do Instituto Odara/2013, reafirma:

Nós temos uma tarefa e acreditamos que vamos mudar o mundo, estamos tecendo a rede de mulheres com juventude, quilombola, baianas do acarajé e todas que podem contribuir desafios captação de recurso, mobilização, plano de comunicação e vamos investir na formação política que nos dá a capacidade de transformação.2

Em setembro do mesmo ano, em Salvador, foi realizado o segundo encontro, neste com duas representações por estado para iniciar os trabalhos do projeto Tecendo a Rede de Mulheres Negras do Nordeste, construindo também a estrutura de funcionamento e gestão da Rede. Naquele momento foi instituído um Núcleo Gestor composto pela organização Ayabas- Instituto da Mulher Negra do Piauí, Bamidelê (PB), Odara (BA), Uiala Mukaji (PE) e Mãe Andresa (MA).

Entre 2014/2015, o Núcleo Gestor muda o nome para coordenação, criam estratégias de pleitear novos recursos para estruturação da rede, bem como realização de ações com maior incidência regional. Atualmente a coordenação é formada pelo Grupo Mãe Andresa (secretaria executiva), a Ayabás – Instituto da Mulher Negra do Piauí (Comunicação), e Rede de Mulheres Negras de Pernambuco (Articulação Política).

Desde sua criação a RMNNE vêm acumulando experiência do trabalho em rede, tais como: realização de diagnóstico sobre a realidade das organizações das mulheres negras no Nordeste, olhando dificuldades, fragilidades e potencialidades; parceria com a região Norte para consolidar o processo de mobilização e articulação da Marcha de Mulheres Negras; articulações com agências internacionais de cooperação; intercâmbios com organizações de mulheres na América Latina e Caribe e também da Pan Amazônia, além de encontros estaduais para monitorar projetos e planejar suas ações.

Em 2020, com a pandemia, ela enviou uma carta aos governadores, prefeitos e secretários estaduais e municipais cobrando programas, políticas de prevenção e cuidado que contemplassem as populações negras e pobres do nordeste. Ela também apoiou as candidaturas de mulheres negras nas últimas eleições, foi parceira junto a Campanha Eu Voto em Negra3, uma inciativa da Casa da Mulher do Nordeste, Centro das mulheres do Cabo, Movimento de Trabalhadoras Rurais do Nordeste e parceria com a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco5.

Foi perguntado a Concita Cantanhede, uma das integrantes do Mãe Andresa (MA), o que a rede representa para sua organização e para o nordeste. Em linhas gerais, para ela, “os encontros regionais são fundamentais para o alinhamento político de algumas das principais organizações e coletivos de mulheres negras na região, e que multiplicam e exercem influenciam em seus estados”. Ela também fala da importância para o nordeste da construção coletiva do julho das Pretas.

O Julho das Pretas4 é um calendário unificado criado em função da comemoração do dia 25 de julho, dia Internacional das Mulheres Negras Latino Americana e Caribenha. Ele foi proposto dentro da rede pelo Instituto Odara. O Julho das Pretas é uma ação que envolve um conjunto de outras ações realizadas pelas membras integrantes da rede dos 09 estados do nordeste. Este ano O Julho das Pretas continuou sendo virtual por conta da pandemia.

De acordo com a equipe de comunicação da rede, este ano as atividades inscritas estavam em torno de 300 (trezentas), e segundo elas, esse ano triplicou devido a inserção das atividade de outras organizações antirracista, e de organizações de mulheres negras que não estão na rede.

Encerrando esse breve relato, compreendemos a importância da Rede não apenas para o nordeste, mas para outras regiões do país, diante de sua capacidade de articulação e diálogo, de honrar seu compromisso na luta contra o racismo ou quaisquer violação aos direitos das mulheres negras, das incidências políticas, bem como o respeito a ancestralidade, a diversidade, a solidariedade e o autocuidado com seus pares. Esse conjunto de atributos, é o que faz as mulheres negras que a compõe se orgulharem.

Notas

1 Cristiane Sobral. “Resiliência” in Não vou mais lavar os pratos. Brasília: Garcia, 2016

2 Sistematização do Relatório do Lançamento da Rede de Mulheres Negras do Nordeste. (2013, p. 5)

3 Maiores informações, visitem a página da Campanha. Fonte: http://euvotoemnegra.com.br/ Acessado em 15/07/21

4 Informações a partir de Relatórios de encontros estaduais e registro pessoais da autora.

* Mestre em Ciências Sociais. Colaboradora do NEABI/PB, e integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e uma das coordenadoras da Rede de Mulheres Negras do Nordeste

Edição: Heloisa de Sousa