Paraíba

Coluna

A política de representação eleitoral no Brasil e a necessidade de um modelo democrático

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Jackson Macêdo, gestor público e atual presidente do PT da Paraíba. - Reprodução
Vamos juntar forças e gritar por um sistema que garanta a representação justa

Por Jackson Macêdo*

 

A política local e as relações e dinâmicas que envolvem seus atores e suas particularidades é um vasto tema de discussão para compreensão do desenho institucional das cidades. Esse arco-íris de relações e suas diversas faces, tão característica do poder local, com o passar do tempo, ampliou-se para outros ambientes da federação.

No caso da representação legislativa, suas principais atribuições nesta agenda são representar (os eleitores e a comunidade), legislar (em defesa do bem comum), fiscalizar (a aplicação do dinheiro público) e assessorar (encaminhamento de indicações ao executivo municipal). Podemos dizer então que tal papel confunde-se com uma espécie de representação dos interesses dos eleitores.

Para entender a representação parlamentar no Brasil, precisamos compreender o sistema político atual que elege esses representantes. No caso do parlamento, a escolha se dá através de uma votação proporcional por lista aberta que desfavorece a relação ideológica e o controle por parte dos partidos em relação aos candidatos, favorecendo de certa forma a representação individualizada de cada parlamentar. Segundo o professor americano Scott Mainwaring, no seu livro Sistemas Partidários em Novas Democracias, esta ineficiência favorece a indisciplina e infidelidade partidária, aumentando a ação individualizada e independente dos legisladores. Mesmo não existindo no sistema político eleitoral brasileiro uma legislação que garanta a representação distrital ou regional, cresce a cada dia lideranças políticas que são produtos de determinadas regiões geográficas e cada vez mais, buscam por meio de ações de políticas públicas financiadas com recursos e por programas de governo, a manutenção destes espaços de representação. Esse processo é conhecido na ciência política americana como pork barrel. Assim, essa ação parlamentar, de certa forma independente, e os movimentos e ações dentro da institucionalidade para a manutenção política destes espaços, é uma crescente nas relações entre poder executivo e legislativo não só no ambiente local, mas também estadual e nacional.

Câmara Municipal de João Pessoa e Assembleia Legislativa da Paraíba

Trazendo o debate para a cidade de João Pessoa, vemos que o retrato da representação da Câmara Municipal nas duas últimas legislaturas (2017/2020 e 2021/2024) reforça a compreensão do crescimento de uma representação ainda mais regionalizada. Boa parte dos vereadores e das vereadoras são resultado de redutos eleitorais geograficamente identificados. A maioria de sua votação é definida a partir de uma ou no máximo duas zonas eleitorais da capital da Paraíba. Também é importante ressaltar que tal identificação eleitoral regional não é uma exclusividade de parlamentares filiados a partidos conservadores, verifica-se também casos de parlamentares filiados a partidos de esquerda. Em alguns destes exemplos, a partir de uma análise da Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO e da definição das ações do orçamento local na Lei Orçamentária Anual - LOA, vemos, no caso de João Pessoa, que requerimentos legislativos e destinação de emendas, entre outras ações (características do parlamento) têm uma destinação específica e direcionada para bases eleitorais identificadas com cada parlamentar. O esforço de garantir recursos públicos para a manutenção destes espaços políticos é justamente a prática de pork barrel.

Onde queremos chegar com tal debate? É simples. Mesmo não existindo uma eleição distrital para as casas legislativas no Brasil, essa representação regionalizada já existe fortemente no debate local, nos estados e também na representação federal. A regionalidade do voto, que era uma característica tão marcante no início do século XX, no período da República Velha (1889-1930), ainda é presente nos tempos atuais.

Vejamos o caso da atual legislatura na Assembleia Legislativa da Paraíba (2019/2022): com raríssimas exceções, houve um aumento da representação familiar com identificação nas mais diversas regiões do Estado naquela casa. São deputados e deputadas eleitos e eleitas a partir de regiões onde suas famílias atuam politicamente por muitos anos e gerações. Tal representação divide o mapa político do Estado de acordo com a força eleitoral destas famílias tradicionais. Em muitos casos, o poder executivo estadual reforça a tese do pork barrel, mantendo a força destas representações regionais, loteando cargos e definindo políticas públicas e benefícios, tendo estes representantes como espécie de “elo institucional” do governo com as regiões geográficas.

Distritão

Recentemente, no Brasil, voltamos ao debate das formas de representação eleitoral dentro da chamada “nova reforma do sistema político eleitoral”. A democracia representativa no país, em especial a representação parlamentar, deveria privilegiar os partidos políticos e seus programas, a representação das minorias e a garantia cada vez maior da presença feminina nas casas legislativas. Na contramão do sistema ideal, volta mais uma vez à mesa de negociação, na Câmara dos Deputados, a possibilidade de termos eleições majoritárias nos parlamentos, o chamado Distritão.

Tal formato, que elege nas câmaras locais, assembleias legislativas e na câmara dos deputados, os parlamentares mais votados, só existe no mundo em quatro países, a saber: Ilhas Pitcairn, Vanuatu, Jordânia e Afeganistão. Um formato que diferente do que dizem seus defensores, é desigual, favorece o poder econômico e praticamente extingue a importância dos partidos políticos e seus programas. Em palavras mais frias: seriam eleitos os mais ricos, mais conhecidos e ninguém precisaria de um partido político para se eleger, pois qualquer um serviria.

Para alterar o sistema e as regras eleitorais de representação no Brasil, visando adotar esse formato de “Distritão”, seriam necessários (por se tratar de uma PEC – Projeto de Emenda à Constituição) 3/5 dos votos dos deputados e deputadas federais e ainda a mesma votação no Senado Federal. Esperamos com expectativa que o parlamento federal não aprove esta aberração política.

Qual o sistema eleitoral de representação seria ideal para o Brasil?

Vimos que o atual sistema favorece a representação regionalizada e as oligarquias familiares com a interferência do executivo na representação legislativa, no entanto, as possíveis novas regras em discussão buscam dificultar ainda mais a presença das minorias nesta representação, criando uma regra - a do "distritão - que favorece o poder econômico e diminui a importância dos partidos.

Desde o começo dos anos 2000 que partidos de esquerda discutem a possibilidade de termos uma representação legislativa eleita a partir de uma lista preordenada de nomes. Uma forma que garanta dentro da lista de candidatos, a presença de segmentos sociais que historicamente são excluídos em outros modelos de regras de representação. A lista preordenada favorece o voto nas ideias e nos programas partidários. Os eleitores votariam no partido para vereador e vereadora, deputados e deputadas. Isso diminuiria a força do poder econômico e da representação dos currais eleitorais oligárquicos. Seria um avanço no sistema de representação política no país. A construção das listas obedeceria a uma regra estabelecida que favorecesse a democracia interna e garantisse a presença de todos e todas nesta representação. Ainda, o sistema de ordenamento de lista é usado na maioria das grandes democracias do mundo.

Em um país formado na sua maioria por mulheres e negros, a atual legislatura na Câmara dos Deputados está longe de refletir este quadro. Hoje, apenas 15% das cadeiras daquela casa são ocupadas por mulheres e só 17,8% por deputados auto afirmados negros e negras.

Após o recesso parlamentar da metade do ano de 2021, vai começar fortemente o debate no Congresso Nacional das possíveis mudanças nas regras eleitorais já para as eleições de 2022. Partidos democráticos, movimentos sociais e a sociedade brasileira devem unir forças contra uma regra que favorece os ricos, os grandes empresários da política e os novos coronéis do voto. Vamos juntar forças e gritar por um sistema que garanta a representação justa e que favoreça a construção da presença de minorias e das mais diversas representações de gênero, culturas e juventudes.

*Gestor Público e atual presidente do PT da Paraíba.

Edição: Heloisa de Sousa