Paraíba

ENTREVISTA

Tony Sérgio analisa cenário em curso sobre privatização dos Correios

"O objetivo que está por trás da privatização é entregar o setor de encomendas para a iniciativa privada"

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Tony Sérgio - Sindicato dos Correios. - Reprodução

O governo federal mudou a estratégia e definiu o modelo de privatização dos Correios que tentará aprovar na Câmara dos Deputados. Após cogitar "fatiar" a empresa e conduzir o processo de forma gradual, o Executivo quer vender 100% do capital da estatal.

Em maio, a Câmara dos Deputados aprovou, sob intensos protestos, a tramitação de urgência do PL 591/2021, que abre caminho para a privatização dos Correios. De autoria do governo Bolsonaro, o pedido foi avaliado pelos parlamentares e recebeu 280 votos favoráveis e 165 contrários à medida.

Com a decisão, a proposta pode ser votada diretamente no plenário, sem necessidade de apreciação pelas comissões legislativas. Do ponto de vista do conteúdo, o PL liberava o Poder Executivo para converter a estatal, que hoje está 100% nas mãos do poder público, em uma sociedade de economia mista. A nova estratégia, contudo, prevê a venda integral dos Correios.

Nesta terça (07), foi retirado da pauta de votação da Câmara dos Deputados, o PL 591/2021, que privatizaria os Correios, mas a batalha continua e a vigilância em relação a tramitação do projeto também.

Correios dá lucro

Em 31 de maio, no entanto, o governo federal propagandeou a aprovação do Conselho de Administração dos Correios às Demonstrações Contábeis de 2020 da estatal. O relatório aponta que a empresa apresentou lucro líquido de R$ 1,53 bilhão – maior resultado nos últimos 10 anos.

Em nota, o Executivo destacou ainda “outros indicadores financeiros importantes”, como o crescimento de 84% em relação ao ano de 2019 no patrimônio líquido dos Correios, totalizando, aproximadamente, R$ 950 milhões.

Sobre os impactos da entrega da estatal ao setor privado, como propõe os Projetos de Lei (PL) da família Bolsonaro 7488/2017 e 591/2021, que tramita em regime de urgência no Congresso Nacional, o Brasil de Fato Paraíba conversou com Tony Sérgio, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios da Paraíba (Sintect-PB). Segundo ele, a privatização terá impactos seríssimos contra o povo brasileiro.

BdF – PB – Entre os argumentos do governo, está a afirmação de que os Correios não têm condições financeiras de melhorar a qualidade dos serviços prestados à população. Qual sua avaliação sobre isso?

Tony Sérgio  - Um absurdo que tá sendo colocado pelo governo. Primeiro que, no ano passado, os Correios teve um lucro de 1 bilhão e 500 milhões de reais, de 2017 a 2019  foram 930 milhões de reais de lucro anuais, então o problema não é simplesmente o lucro até porque vivemos numa pandemia e datas comemorativas como Natal, Dia dos Namorados, Dia das Mães, os Correios vêm batendo recorde de postagens e de entrega e esses recordes significam aumento da receita dos Correios.

O grande problema que está por trás dessa discussão, não é o fato dos Correios ter ou não lucro, mas é o fato de atender um papel social porque, constitucionalmente, ele tem que atender esse papel social, e não o lucro, esse não é o objetivo da empresa. Esse lucro é consequência do trabalho que os seus funcionários vêm desenvolvendo, inclusive, com a redução do quadro porque até 2016 nós chegamos a 125 mil funcionários, hoje estamos com 95 mil funcionários e um detalhe: as cidades estão crescendo, há o aumento de encomendas sendo postadas, esse é o objetivo que está por trás da privatização é entregar o filé mignon, que é justamente a entrega de encomendas, o setor de encomendas para a iniciativa privada. Eles não querem cartas, correspondências, telegramas, eles só querem a entrega de encomendas.

Um detalhe, esse setor já trabalha em regime concorrencial, ou seja, você concorre com a Fedex, empresa de logística americana, você concorre com a UPS, você concorre com a DHL, você concorre com várias empresas, inclusive com a Magazine Luiza, então eles querem, na realidade, tirar os Correios por conta da eficiência dos Correios, para eles aumentarem a lucratividade dessas empresas, esse é o objetivo. Oque está em jogo é isso, simplesmente liquidar o serviço dos Correios para aumentar a lucratividade dessas outras empresas, porque já há um regime concorrencial, não há monopólio nesse setor.

BdF-PB - São dois projetos de lei (PL) em tramitação que visam a privatização dos Correios. Qual o impacto dessas propostas caso sejam aprovadas?

Existem dois projetos de 7488 de 2017, de Eduardo Bolsonaro, e esse 591/2021, que foi apensado nesse 7488 esse projeto 591, ou seja, juntaram esses dois projetos em um único projeto onde o objetivo, na realidade, é a venda total dos Correios. O impacto para a população vai ser gigantesco.

Em nível nacional, temos mais de 5.570 municípios. Segundo o general Juarez, ex-presidente dos Correios, inclusive foi demitido porque estava na defesa da empresa pública - diferente do atual general Floriano Peixoto, que é um capacho de Bolsonaro - ele falou que existia 324 municípios nos quais os Correios estavam presentes que são lucrativos, então mais de 5 mil e 200 municípios teriam agências fechadas pela lógica do capital. Então o impacto é gigante para a população.

Recentemente, foi noticiado principalmente na Argentina, que os Correios, que foram privatizados lá, decretou falência e vai ser fechado, ou seja, o impacto para a população, além de fechamento da agência, é nem ter o serviço. Em Portugal, por exemplo, quase 15% das cidades não tem Correios e é um país bem menor que a maioria dos estados brasileiros, então imagine o Brasil com as dimensões continentais que possui, com áreas das mais diversas culturas, cidades como as do interior do Amazonas, do interior do Nordeste, interior do centro-oeste, como ficaria essa entrega? Porque os Correios, constitucionalmente, ele atende a um papel social, inclusive, não é nem para dá lucro mas sim para cumprir o papel social, por exemplo, os Correios americano tem anos que dá prejuízo mas o governo estadunidense mantém os Correios público porque atende vários municípios que empresas, com a Fedex não atende.

É bom citar que as grandes empresas usam os Correios, um exemplo, você vai no site da Fedex, ele coloca que está presente em mais de 5 mil municípios brasileiros, mas ele usa a rede de logística dos Correios, por exemplo, cidades como João Pessoa e Campina Grande ele atende, mas cidades menores como Boqueirão, ele vai lá e posta pelos Correios e os Correios vai e faz a entrega lá, veja a diferença, então o impacto vai ser muito grande.

BdF- PB - E na Paraíba? Qual será o impacto?

Não é diferente do cenário nacional. Há uma estimativa nossa, com base no que arrecada os Correios, que no máximo vai ter agências dos Correios, se for privatizado, em João Pessoa, Campina Grande, Patos, chegando, ao  máximo,  em 10 municípios, nós temos mais de 220 municípios, então como é que vai ficar essas cidades? Os Correios por exemplo, trabalha com um serviço de logística reversa. A logística reversa é o seguinte: você vende um produto pela internet, o produto apresenta algum defeito, está dentro da garantia, mas ele não tem autorizada na cidade então o que é que faz? O fornecedor do produto, entra em contato com o cliente para gerar um código, esse código a pessoa vai na agência dos Correios, posta o objeto, leva para a autorizada para ser consertado, retorna para o Correios, o Correios vai entrega na cidade aonde foi postado o endereço do cliente, então essa logística reversa com certeza não vai ser atendida pelo capital privado.

Também tem outros serviços que os Correios prestam como, por exemplo, o CPF, Plano Nacional de Livro Didático, que é os Correios que faz a distribuição em todo o país, como vai ficar isso? E ainda tem o e-commerce, os pequenos e micros empresários que dependem dos Correios, que tem na sua cidade um determinado produto e ele usa os Correios para distribuir nacionalmente e internacionalmente, como é que vai ficar? O custo vai ser muito caro, ele não vai ter condição de concorrer, por exemplo, com a Amazon ou até mesmo com a Magazine Luiza, então essas empresas não tem interesse porque os pequenos e microcomerciantes vão ser completamente sufocados, vão quebrar, a exemplo de quando acabou o banco postal em março do ano passado, o comércio local caiu muito porque acabou a circulação de dinheiro na cidade e fez com que esse comércio tivesse pouca venda e o comércio local fechou, então a privatização é ruim a exemplo da Vale do Rio Doce.

BdF-PB - A privatização de serviços postais parece não ser uma tendência mundial, pelo contrário, países onde houve a venda para empresas privadas estudam a reestatização, frente ao fracasso da privatização, por quê?

Exatamente isso. O correio argentino e o correio português são exemplos disso. Existem 8 correios no mundo totalmente privatizados e mesmo assim em países pequenos e onde houve a privatização total ou parcial dos Correios já se fala em reestatização.

BdF-PB - Outros setores estratégicos também estão em vias de privatização no Brasil, como vocês tem se articulado para enfrentar essa ofensiva?

A gente está se articulando não só em nível nacional, mas local. Na Paraíba, temos o Comitê Paraibano em Defesa do Serviço Público contra as Privatização, onde estamos articulando com os bancários, da DataPrev, Serpro e da Cagepa, além dos ferroviários que representa a CBTU na construção de atividades conjuntas, inclusive participando na construção dos atos contra a política econômica e de privatização do governo, que são agendas que atendem o capital nacional e internacional na sanha de entregar o patrimônio público para empresas estrangeiras favorecendo o mercado, que não tem interesse nenhum em atender a população a não ser que tenha lucro e muito lucro.

 

Edição: Heloisa de Sousa