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As propostas do novo Relator Especial da ONU para o Direito à Alimentação

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Michael Fakhri, novo Relator Especial para o direito à alimentação pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU - Reprodução
Percebe-se uma orientação para lidar com questões alimentares sob a ótica do direito internacional

Por Geovana Porto*

No dia 1º de Maio, Michael Fakhri, professor da Escola de Direito da Universidade de Oregon (Estados Unidos), iniciou seu mandato como Relator Especial para o direito à alimentação pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). A posição faz-se de extrema importância no contexto da pandemia de COVID-19, que agravou ainda mais o problema da fome, e é necessário atentar-se aos próximos passos do relator.

Mas, afinal, o que é um Relator Especial para o direito à alimentação?

Nos anos 2000, a ONU aprovou uma resolução que criava a Relatoria Especial. Seu objetivo era criar mecanismos que pudessem monitorar questões específicas, sejam de um país ou de todo o mundo. Os Relatores Especiais são responsáveis por acompanhar, informar e produzir inquéritos e relatórios sobre situações de violação dos direitos humanos, além de sugerir recomendações para lidar com os problemas identificados. Para isso, os relatores podem realizar visitas e pesquisas nos países envolvidos na situação, além de dialogar com autoridades e outros indivíduos afetados. Seu trabalho é independente, e o mandato de um relator dura três anos. Há Relatores Especiais da ONU para diversos assuntos específicos e um deles é o que trata do direito à alimentação. 

Especificamente, o Relator Especial designado para essa temática é responsável por monitorar a situação do direito à alimentação em todo o mundo e a evolução da crise alimentar mundial. Ele deve buscar meios de promover a garantia ao direito à alimentação, e isso normalmente é feito através das suas pesquisas e relatórios, mas também da realização de reuniões, seminários e conferências, junto a especialistas. No entanto, o Relator Especial para o direito à alimentação não tem a autonomia de decidir ou ordenar que o Estado envolvido na questão tome alguma decisão a respeito. O que pode ser feito pelo relator é alertar sobre a situação em questão e solicitar ao governo informações, comentários ou esclarecimentos. 

Nas Relações Internacionais, colocar uma questão em evidência não é algo trivial, pois a credibilidade é fundamental para os países, empresas e outros agentes serem considerados parceiros atrativos e confiáveis. Assim, quando um relatório oficial da ONU aponta que um governo não protege direitos humanos, por exemplo, esse país passa a enfrentar custos reputacionais.

Em seu primeiro relatório como Relator Especial, Michael Fakhri alerta para o que ele considera que sejam questões relevantes enfrentadas pelos países atualmente, no que diz respeito à fome e à crise alimentar. O relatório, lançado em dezembro de 2020 e denominado A/HRC/46/33, pode também ser considerado como seu plano para os próximos anos de seu mandato, evidenciando qual será seu foco e as direções que seguirá. 

Para Fakhri, quatro áreas temáticas serão prioritárias durante seu mandato: COVID-19 e a crise da fome, sistemas alimentares e governança global, sementes e direitos dos agricultores, e o direito à alimentação em conflitos armados e crises prolongadas.

No relatório, Fakhri afirma que, antes mesmo da Covid-19, o mundo já possuía uma deficiência em garantir plenamente esse direito, mas, com a pandemia, essa tendência foi acelerada. Essa crise não é facilmente superada, pois exige cooperação, coordenação e atuação solidária, além da responsabilidade interna de cada país. E, de acordo com o relator, não houve nenhuma ação coordenada efetiva entre os países para tentar evitar essa piora, sendo a questão da fome muitas vezes ignorada pelos governos. Fakhri pediu que o Comitê de Segurança Alimentar Mundial e a Organização Internacional do Trabalho atuassem juntos, formando uma aliança para enfrentar a crise da fome. Isso faz sentido porque a fome é decorrente da pobreza, da falta de renda e, por isso, o salário é instrumento essencial para alimentar as pessoas.

Outro ponto importante na movimentação dos países e organizações no combate à fome durante a pandemia é a cúpula de sistemas alimentares, da ONU, que acontecerá em outubro de 2021 e tem como objetivo dialogar com governantes, organizações internacionais e a sociedade civil sobre formas de atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2, Fome Zero e Agricultura Sustentável, até 2030. O relator ressaltou a importância e a urgência da cúpula, mas, após ouvir protestos de organizações sociais da área que representavam milhões de pessoas, Fakhri reconheceu que a cúpula refletia interesses comerciais e econômicos, nem sequer incluía a perspectiva dos direitos humanos. Sendo assim, o relator recomendou que a agroecologia e os direitos humanos fossem o centro da discussão e lembrou que, na crise, alguns países eram mais vulneráveis do que outros.

Essa crítica é estendida por Fakhri quando o relator trata sobre sistemas alimentares, governança global e o direito à alimentação. Para ele, a política comercial tem se concentrado principalmente nas estruturas econômicas e tem ignorado ou desmerecido as preocupações com os direitos humanos das pessoas. O relator afirma que, para que isso mude, é necessário fornecer uma alternativa institucional ao regime existente, que inclua a perspectiva dos direitos humanos e tenha como foco a promoção do direito à alimentação, levando também em consideração as mudanças climáticas. 

Quanto às sementes e direitos dos agricultores, Fakhri explica sobre como os camponeses e outras pessoas que trabalham nas áreas rurais são amparados pelo direito internacional com o direito de manter, controlar, proteger e desenvolver suas próprias sementes e conhecimentos tradicionais. Apesar disso, ele alerta sobre o crescimento da indústria de sementes, que concentra o mercado em algumas poucas empresas e que pode influenciar significativamente o preço das sementes, o que aumenta o custo da agricultura e torna mais difícil a obtenção de lucro pelos agricultores, ameaçando os meios de subsistência dos produtores de alimentos e o acesso das pessoas aos alimentos de forma mais ampla. 

Dessa forma, Fakhri alerta que os direitos dos agricultores ainda precisam ser articulados com mais detalhes e promete acompanhar o trabalho de Especialistas Técnicos sobre Direitos dos Agricultores, bem como produzir uma análise do estado do compartilhamento global de sementes por meio do mercado e de instituições públicas, como bancos de sementes.

Levando em consideração seu primeiro relatório, é possível perceber uma orientação para lidar com as questões alimentares através da ótica do direito internacional, o que é muito interessante, visto que é fundamental assegurar que esses temas estejam amparados normativamente. Além disso, a preocupação com minorias, a agroecologia e outros temas normalmente marginalizados mostra que há uma atenção em inserir essas questões no debate e que o relator, em seus próximos dois anos, pretende fornecer meios que permitam melhorar a compreensão do direito à alimentação em termos políticos, econômicos e ecológicos. A conferir.

 

*Bacharel em Relações Internacionais pela UFPB. Membro do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB.
fomeri.org
 

Edição: Heloisa de Sousa