Paraíba

CRÍTICA

Cabaceiras: a ilha da fantasia

Estamos na ilha da fantasia, onde não há pandemia, não há creche, não há laranjas na merenda escolar...

Cabaceiras-PB |
Letreiro cartão-postal de Cabaceiras-PB - Karime Xavier/Folhapress

Por Kleitinho Mendes de Albuquerque*

No Brasil, alcançamos 480 mil vidas perdidas para a Covid-19 na aliança da morte, a do vírus com o governo Bolsonaro. A Paraíba tem o seu pior momento, o Cariri bate recordes diários de contaminados e mortos, o sistema de saúde está em colapso. 

Dentre tantas vidas perdidas, hoje, recebemos a notícia de mais uma, a do jovem prefeito de Riacho de Santo Antônio, Gilson Lima. Nas redes sociais, lideranças da região lamentam a morte, mas é bem possível que o seu colega da ilha da fantasia não se pronuncie, pois, hoje, a ilha da fantasia está em festa. Realiza a famosa Festa do Majestoso "virtual", para celebrar não sei, de fato, o quê. Pelo alinhamento com os apoiadores de Bolsonaro no estado, é bem possível que seja o número de mortos. 

É possível, mas certamente não. Talvez, comemoramos o baixo número de casos na nossa ilha, o menor da região - quem sabe, o menor do Brasil. Nessa semana, tivemos dois dias com zero caso, pelo menos assim trazia os boletins. Sempre ficamos com um dos menores números do estado, mesmo sendo uma cidade turística que não acompanha o cumprimento dos decretos estaduais. 

Certamente, essa é a comemoração. Pois aprendi que festa é celebração, momento de alegria, de comemorar. Assim nasceu a festa nordestina mais prestigiada: o São João, para celebrar a colheita do milho, com mesa farta de canjica, pamonha... assim também, nasceu a nossa mais tradicional festa, a do Santo das Cobras, para celebrar e agradecer o livramento das cobras no mês de agosto.

E, nesse ano, a festa do majestoso celebra? 

Virtual para quem está em casa, nem tanto para a gravação das apresentações, com dezenas de pessoas envolvidas para a realização e mais outras dezenas de convidados a se aglomerar na famosa pousada da cidade.

O decreto estadual desse final de semana está mais rígido, afinal, o sistema de saúde está em colapso. Proíbe aglomerações, fecha bares, restaurantes, quadras de esportes, igrejas... Mas não na ilha da fantasia aonde o decreto estadual não alcança, não aqui, sobretudo no dia da festa virtual de sua majestade, onde alguns restaurantes parecem ter licença pra funcionar na ilha (não todos, claro). 

Afinal, é só uma live e, certamente, diferente das inúmeras na Paraíba em que já baixou a polícia. Sendo que, aqui, a polícia baixou também, mas não se preocupem: não foi para fechar nada, nem atrapalhar o bom andamento da festa; foi para fazer a segurança, e a segurança não é virtual, é claro, só em dias de festa aparecem três viaturas. 

Mas, caso você queira fazer o teste de Covid-19, ou mesmo procurar o médico, embora seja muito difícil isso acontecer na ilha da fantasia, é só procurar o centro de referência para Covid-19 inaugurado em agosto passado. Opa! Lembrei! Está fechado há meses, pois a pandemia praticamente acabou na ilha. 

Sendo assim, procure a policlínica no centro, lá é seguro para você: as demais pessoas da fila procuram outros tipos de atendimento, certamente, você não vai se contaminar com elas. E não se preocupe caso você tenha suspeita ou mesmo confirmação do vírus, você não será incomodado, o monitoramento é só um nome no boletim (esqueci: não temos contaminados, sendo assim, não temos monitoramento). 

Na ilha da fantasia, também não é obrigatório o uso da máscara, é só recomendação, inclusive para o comércio. Se não quiser usar (e tem quem não use), não tem problema, você não será multado. Pelo menos, até agora, ninguém foi, as multas seguem os boletins zerados... 

Estamos na ilha da fantasia, onde não há pandemia, não há creche, não há edital para acesso a bolsa de estudantes, não há laranjas na merenda escolar...

Houve comemorações, primeiro, por não haver nenhuma morte em Cabaceiras. Já não é esta a realidade. Pouquíssimas pessoas infectadas inicialmente; isso também não é real. E o futuro? Ah, a ilha da fantasia fez inaugurações, como a de uma passagem molhada, com bastante aglomeração, liberou eventos esportivos com aglomerações de centenas de pessoas na zona rural, e não houve nenhuma preocupação com medidas de distanciamento como manda a OMS (Organização Mundial da Saúde). 

Então, para que se preocupar com o futuro? Vamos fazer festa e, se precisar, distribuímos pães e chamamos um circo para ofertar o que mais é necessário nesse momento da pandemia: festa, discursos e aplausos!

 

*Militante da Pastoral da Juventude Rural - PJR
 

Edição: Heloisa de Sousa