Paraíba

FISSURAS E SUPERAÇÃO

Geovan da Conceição ganha 2° lugar no 25º Festival Internacional de Dança

"Essa ferida para mim não sara" diz Geovan, que transformou a violência em movimento, dança e visibilidade

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Geovan da Conceição em 'Fissurar'. - Secom-PB

Geovan da Conceição conquistou o segundo lugar no 25º Festival Internacional de Dança de Stuttgart, na Alemanha, edição 2021 e mostrou a todos que tudo pode ser transformado, até mesmo dores profundas. Foi com “Fissurar”, nome da apresentação disponibilizada em vídeo, que Geovan ganhou o prêmio neste domingo (16). Ele mesmo criou a coreografia, dançou e editou a música.  

“No festival não foi fácil, eu recebi a proposta e eu treinei muito, me dediquei muito. Criei a coreografia, fui a pessoa que preparou e editou a música. Não tive coreógrafo, poucas pessoas me ajudaram. A grande parte fui eu que fiz. Não foi fácil. Foram alguns meses e muitas madrugadas acordando e mexendo na coreografia e na música. E hoje, recebendo um prêmio num dos maiores festivais de dança do mundo... ainda não absorvi, é muito bom. Vai me dar visibilidade. Vai mostrar a nossa Paraíba. Eu fui o único brasileiro selecionado, então não estou representando só a Paraíba, mas também o Brasil. Mas, obviamente, eu dou crédito a minha cidade e ao estado. Porque sou daqui e gosto demais dessa cidade. É um prêmio que é nosso”, finaliza. 

Na dança, que é forte e até perturbadora para quem assiste, o bailarino fala de uma infância marcada pela violência. Em relação ao nome da apresentação, ele conta que pensou em algo que fizesse o sentido de abrir brechas, fendas, rachaduras, em relação à adversidade.

“Basicamente eu narrei a minha infância na comunidade da Citex. Um lugar violento na década de 1990. Lá presenciei homicídios e perdi parte da minha família. Era pobreza extrema. Eu vi muita coisa ruim e de certa forma isso mexe muito comigo até hoje”, lembra. 

Geovan conta que a família era desestruturada. O pai era traficante e vivia agredindo a sua mãe. Ele viu um dos tios assassinando um rapaz em sua frente e um outro tio foi assassinado. “São cenas que a gente não esquece. Essa ferida para mim não sara. Então eu quis trazer toda essa parte sentimental para dentro da minha coreografia, o que não foi fácil, porque retratava muita violência. Foi muito doloroso, tanto fisicamente, porque tive que fazer movimentos bem pesados, complexos, com muita batida, muita pancada, mas também mentalmente por ter que relembrar tudo que me aconteceu. Por muitas vezes chorei montando a música, até que ela fosse ideal. Eu pensava que tinha que ser uma música visceral que mostrasse bem a realidade. Graças a Deus eu consegui dentro do Festival repassar isso para os jurados e para o público”, pontua.


Da Comunidade do Citex para a Morada do Betinho, em Bayeux. De Bayeux para o Bolshoi, em Santa Catarina. / Secom-PB

Toda essa história de violência caminhou para o sucesso só depois de algumas viradas na vida. Aos sete anos, Geovan teve a primeira virada, quando a avó dele o tirou de casa e o colocou em um abrigo, em Bayeux, região metropolitana de João Pessoa. O abrigo Morada do Betinho. Lá, começou  uma nova realidade.


Geovan e as oportunidades. / Secom-PB

O bailarino disputou com cerca de 300 artistas de todo o mundo inscritos no Internationales Solo-Tanz-Theater Festival Stuttgart, considerado um dos maiores festivais de dança do mundo, construindo uma coreografia a partir de sua própria experiência de violência, dor e superação vivida na infância. 

Oportunidade


Geovan foi selecionado para o Balé Bolshoi, em Santa Catarina, aos 11 anos. / Secom-PB

Aos 11 anos, surgiu um chamado: a seleção para o Bolshoi. Mais de 64 mil crianças ficaram interessadas, mas Geovan acabou selecionado entre os 20 melhores e passou por mais uma seletiva em Joinville, Santa Catarina, quando ficou entre os 10 que de fato ganhariam a bolsa. Passou oito anos em estudo e lá conheceu diversos profissionais, entre eles nomes renomados do Balé Bolshoi como Vladimir Vasiliev e Ekaterina Maximova. Teve aulas de flauta, piano, coral, danças populares, danças clássicas, contemporânea, dueto, repertório e muitos outros cursos. Geovan entende que teve formação cultural, mas também ética e moral. 

Ao final do processo, em 2011, retornou para João Pessoa, pois sentia que precisava ajudar a mãe. Construiu uma casa para ela e hoje mora próximo, mas sem perder os sonhos. Em 2012, começou a trabalhar no Centro Estadual de Arte (Cearte). 


Geovan: desejo de mudar e 'milagre'. / Secom-PB

Para Geovan o que aconteceu com ele foi um milagre. “Entre uma em um milhão uma pessoa consegue conquistar as coisas que eu estou conquistando na vida e ter uma mudança radical como eu tive”, acredita. E a notícia do Festival veio numa boa hora. Geovan explica que com a pandemia teve perdas financeiras. “Isso mexeu dentro da minha casa, tive crises psicológicas, de ansiedade. Mas eu ficava com o desejo de mudar, de não deixar minha vida regredir. E eu lutei com todas as minhas forças para que a minha vida desse certo. Mesmo diante da pandemia surgiu a oportunidade desse festival e outras oportunidades e isso me ajudou a me reerguer”. 

 

 

Edição: Heloisa de Sousa