Paraíba

ECONOMIA POLÍTICA

Marx e Keynes, ainda e mais uma vez

Sem deixar de considerar os riscos do ecletismo teórico, ambos tangenciam um campo de questões instigantes e complexas

João Pessoa - PB |
Karl Marx (1818-1883) e John Maynard Keynes (1883-1946) - Reprodução

Por Jaldes Meneses*

Assistindo, ontem, no YouTube, uma entrevista do grande intelectual José Paulo Netto, meu ex-professor, admirável professor, e figura humana extraordinária que muito prezo. 

Zé Paulo vem de lançar uma erudita biografia de Marx, inexcedível para os padrões, rigor e pesquisa historiográfica não apenas do marxismo brasileiro, mas internacional. Enfim, uma obra indispensável em termos de marxismo e marxologia. Sem exagero, a biografia já pode ser considerada um clássico do marxismo brasileiro. 

 

Em dado momento da entrevista (acima, na íntegra), Breno Altman, o entrevistador, pergunta sobre a relação entre Marx e Keynes. Zé Paulo é cuidadoso na resposta, diz que não conjuga com os marxistas que desprezam Keynes, mas lembra - corretamente - a passagem da biografia do Lord inglês em que ele afirma que, em política e ideologia, “na guerra de classes”, ele sempre estará ao lado da “burguesia ilustrada”. Não há dúvida que Keynes tem lado. Também alerta para os perigos do ecletismo em misturar Marx e Keynes. Como sempre, uma resposta inteligente, mas, neste caso, telegráfica, quase um haikai ou um twitter. As relações Marx/Keynes não cabem num twitter
 
Em primeiro lugar, mais além do ecletismo, Marx e Keynes podem ser pensados em seus aportes para uma teoria da moeda. Em segundo lugar, as lições práticas de política econômica de Keynes e de alguns autores neokeynesianos, que rondaram questões da estagnação, demanda efetiva e emprego, tangenciam um campo de questões instigantes e complexas. Tais questões são importantes na ação em ciclos de crise no capitalismo. Mas também em regimes de transição ao socialismo. Em ambos os casos, estão em jogo problemáticas, a que os marxistas devem estar atentos, da imprevisibilidade econômica dos mercados, que também afligem experiências iniciais de transição ao socialismo, no que tange à convivência e desenvolvimento do mercado socialista e das relações de troca desigual no comércio internacional. 

Por último, ainda mais complexo, Keynes é um interlocutor para pensar as possibilidades de regulação do capitalismo e das experiências de “desenvolvimentismo socialista”, digamos - algumas radicais, como o Chile de Allende -, na América Latina, Ásia e África, ou seja, um mercado determinado (Gramsci) em determinada e viva formação social. Keynes não deve ser visto como um receituário (é verdade que alguns keynesianos que circulam por aí estão repletos de receitas prontas). Não postulo um “marxismo-keynesiano”, longe disso, mas trata-se de um autor criativo e máquina de hipóteses decisivas.
 

*Professor Titular do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Edição: Cida Alves