Paraíba

RECONHECIMENTO

Prêmio Mulher Cidadã Anayde Beiriz é concedido pela ALPB a três feministas paraibanas

Propositura é da Deputada Estela Bezerra (PSB); Gilberta Soares, Roselita Vitor e Glória Rabay foram as homenageadas

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Videoconferência do Prêmio Mulher Cidadã Anayde Beiriz 2021 - Reprodução

A premiação do Diploma Mulher Cidadã Anayde Beiriz aconteceu na manhã desta quinta (15), através de videoconferência. "A Paraíba e a Assembleia Legislativa da Paraíba reconhecem o protagonismo e a contribuição que estas mulheres dão para a visibilidade, para a cidadania e para o respeito às mulheres paraibanas e brasileiras”, justificou a deputada estadual Estela Bezerra.

O momento reuniu o reconhecimento à história de vida de três grandes feministas que marcam a luta pelos direitos das mulheres na Paraíba: Gilberta Soares, Roselita Vitor e Glória Rabay, as homenageadas como cidadãs 'Anayde Beiriz'.

“Esse diploma é de muitas mulheres que lutam comigo de mãos dadas. Isso é ser revolucionária. Ninguém consegue fazer nada sozinha. Que a gente possa resistir e viver novos momentos, com mais cidadania, mais saúde e mais igualdade”, disse Gilberta Sores, feminista e fundadora da Cunhã Coletivo Feminista, além de ser Doutora em Estudos de Gênero e Feminismo e ter sido Secretária Estadual da Mulher e Diversidade Humana, no período de 2011 a 2019.


Banner divulgação sobre Gilberta Soares, do prêmio Anayde Beiriz. / Reprodução

 

Glória Rabay, que é professora da UFPB e fundadora do Centro da Mulher 8 de Março, disse durante a premiação que a trajetória de cada homenageada  foi construída coletivamente. "Não tem nenhuma mulher que resista sem o apoio de outras mulheres. Estamos vendo o movimento se renovar através das mulheres jovens, das negras, das mulheres periféricas, que têm mostrado a força do feminismo. Haverá sempre uma razão para lutar por um mundo justo, enquanto não alcançarmos isso”, declarou Glória .


Banner divulgação sobre Glória Rabay, do prêmio Anayde Beiriz. / Reprodução

Já a agricultora Roselita Vitor, integrante do Polo da Sindical da Borborema, assentada da Reforma Agrária, na cidade de Remígio, no Projeto de Assentamento Corredor, dedicou o prêmio a todas as suas companheiras de luta.

 “Dedico a todas as minhas companheiras, muitas agricultoras. Juntas nós vamos em busca da defesa de mulheres vítimas de violências e lutamos para protegê-las. Esse diploma é de todas as mulheres que se atiram na construção de um mundo justo e solidário. Desejo que a gente consiga fazer de tudo isso muita resistência e força na construção de um mundo diferente”, declarou Roselita, que também organiza, todos os anos, a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, reunindo mais de 5 mil mulheres a cada evento.


Banner divulgação sobre Roseltita Vitor, do prêmio Anayde Beiriz. / Reprodução.

O prêmio Diploma Mulher Cidadã Anayde Beiriz foi instituído em 2002 pela Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) com o intuito de homenagear mulheres aguerridas, que contribuíram e contribuem para a defesa dos direitos das mulheres.

O nome que leva o título do prêmio não é à toa: Anayde Beiriz*


Anayde Beiriz / Reprodução

Nascida em 1905, na capital da Paraíba, Anayde Beiriz foi uma mulher que deixou sua coparticipação na mudança de comportamento das mulheres paraibanas da década de 1920, com o seu estilo moderno.

Ela horrorizou a elite retrógrada paraibana da época com suas atitudes vanguardistas. Integrou os grupos de intelectuais masculinos e espalhou a ideia da liberdade e da independência feminina.

Anayde Beiriz, nascida e criada na capital paraibana, arremessou-se na vida social e intelectual de forma bem expressiva. Numa época em que as mulheres de “decência” não podiam sair às ruas, Anayde foi uma mulher que não se sujeitava às regras sociais. Encarou os preconceitos na provinciana cidade paraibana e, para a sociedade, aos poucos, ela se tornou alvo de inquietação. Até mesmo por alguns colegas do meio literário, a escritora Anayde sofria preconceito, não só por ser uma mulher de ideias avançadas, como também por ser mestiça. Ela percebia a existência da discriminação dupla: pelo sexo e pela cor da pele.

Segundo Joffily: Anayde Beiriz, com o diploma na mão de professora, foi uma das primeiras mulheres a andar desacompanhada nas ruas, usando o cabelo curto à la garçonne, e abandonar saias que se arrastavam pelo chão – símbolo da subordinação feminina. (JOFFILY, 1980, p.36)

“Nasci

Nasceu

Cresceu

Namorou

Noivou

Casou

Noite nupcial

As telhas viram tudo

“Se as moças fossem telhas não se casariam” (BEIRIZ in JOFFILY ,1980)

Atenta à leitura, principalmente de algumas autoras francesas como Emma Goldman e outras, foi sendo influenciada pelas ideias feminista vindas da França, nos anos 1920, em que a luta pela liberdade e igualdade era muito forte. Ela, uma professora, escritora e poetisa, que frequentava os ambientes literários e os saraus poéticos com opinião própria, afrontava a sociedade “medieval” paraibana com sua ousadia, sendo uma pessoa notável, forte e decidida para uma mulher do início do século XX (PIMENTEL, 2002). 

Revolução de 30**

O nome de Anayde Beiriz está envolvido na Revolução de 30, inclusive sendo apontada como o estopim dessa revolução, pela tragédia do assassinato de João Pessoa, pelo advogado e jornalista João Duarte Dantas, com quem ela mantinha um relacionamento amoroso.

Anayde iniciou um romance com João Dantas, em 1928. Um advogado solteiro, que era contra os projetos políticos de João Pessoa e, por isso, passou a ser seu opositor. Na cidade de Princesa Isabel cultivavam-se as medidas coronelistas, através do chefe político, o fazendeiro José Pereira.

Devido aos fortes conflitos instalados entre as cidades de Parahyba (nomenclatura da capital à época) e Princesa, João Dantas foge para Recife, Pernambuco. A partir de então, ele passa a se corresponder com Anayde por cartas. Para impedir uma revolta na capital, João Pessoa mandou que a casa de opositores fosse invadida, entre elas, a de João Dantas.

Nessa invasão, todas as correspondências trocadas com Anayde Beiriz foram encontradas e publicadas na imprensa. Quando soube da divulgação, Anayde foi até Recife informar a João Dantas o que havia acontecido. João Pessoa também estava na cidade. No dia 26 de julho de 1930, portanto, João Dantas foi ao encontro de João Pessoa na confeitaria Glória, no Recife, e o matou.

Com a morte de João Dantas na prisão – ele foi degolado juntamente com outro que fora preso junto com ele – Anayde se sentiu julgada pela sociedade, censurada publicamente por pretextos políticos e morais, tendo sua vida exposta em público. Viu-se, pois, abalada de todas as maneiras, tanto profissional como moralmente, marcada por todos como sendo a “prostituta do bandido que matou o Presidente” (JOFFILY, 1980, p. 46).

Acuada, desesperada, sem ter onde se abrigar e ainda isolada do mundo e banida da sociedade, cometeu então suicídio, em 22 de outubro de 1930, sendo enterrada como indigente no Cemitério de Santo Amaro - PE, Certidão de Óbito Nº 2585. Ela tinha 25 anos. Por muitos anos sua memória foi silenciada e repudiada pelos paraibanos. Em seus artigos, podemos considerar Anayde Beiriz como libertária e marcada pela fatalidade. Entretanto, se partirmos da análise sociológica de Durkheim (1986), em que ele aponta o suicídio como resultado de diversos fatores sociais, essa história ganha outra conotação. Torna-se possível antever o resultado de um julgamento social, não de uma fatalidade simplesmente.

O resgate de Anayde Beiriz

Anayde foi uma vítima da disputa de poder de uma sociedade “hipócrita”, “conservadora”, que ocultava a verdade dos fatos acontecidos ao longo do governo de João Pessoa e as causas que realmente levaram ao assassinato do estadista. Somente depois de muitos anos sua história foi resgatada e ressignificada como sinônimo de força, ousadia e poesia, poetisa, feminista, e uma das pioneiras no Ensino de Jovens e Adultos (EJA) na Paraíba.

Outro fator importante para apresentar as práticas femininas de Anayde Beiriz, encontramos nos artigos, que passam a ser usados como arma de luta. Através da publicação nos jornais e revista, seus textos se tornavam um importante instrumento por meio dos quais ela expunha seu posicionamento moderno, diante das “bandeiras” levantadas pelas feministas. Para Anayde Beiriz, os artigos se tornam espelhamento de si, um lugar em que seus sentimentos de liberdade, de coragem e de conquista se refletiam nos leitores, contagiando-os, de forma transgressora e vanguardista. 

Anayde não teve um fim natural, diante dos fatos conturbados do contexto de sua morte; suicidou-se, supostamente por envenenamento, sendo enterrada como indigente. A sociedade paraibana desejou apagar o nome Anayde Beiriz da história por mais de 50 anos, mas não conseguiu, sua história foi resgatada pelas feministas.

 

*Fonte: Revista de Ciências Humanas, Viçosa, v. 16, n. 1, p. 117-135, jan./jun. 2016

**Fonte: Com base em pesquisa da professora doutora Alômia Abrantes (UEPB) e na Revista de Ciências Humanas, Viçosa, v. 16, n. 1, p. 117-135, jan./jun. 2016 

Edição: Heloisa de Sousa