Paraíba

DESABAFO

Quem matou Cida Sarinho?

"Se tivéssemos Presidente, as chances de Cida e de milhares de pessoas que morreram até agora teriam sido muito maiores"

Brasil de Fato | João Pessoa-PB |
Quem matou Cida Sarinho? - Foto Divulgação

Por Gilson Renato.

Cida Sarinho partiu muito cedo e eu não consigo acreditar que haja uma razão para isso, que a sua morte foi apenas por um vírus, esse que, provavelmente, nasce da hipocrisia que ela combatia, das desrazões humanas que maltratam o que nos é mais essencial e nos constitui, os recursos naturais. Eu sei que ela e milhares de pessoas poderiam ainda estar vivas se não tivéssemos um governo que, desde as primeiras mortes, governa para o sucesso do vírus. Talvez alguém me acuse de politizar esta perda irreparável, mas, inclusive por respeito a ela, não cometerei o equívoco de separar o inseparável.

O atendimento à saúde, à educação e a promoção da vida, principalmente para as comunidades mais carentes, o público jovem, os idosos e as mulheres, foram, durante toda a sua vida profissional, objeto de muita dedicação técnica, política e afetiva. Uma Assistente Social de verdade desaprende rápido a separar essas três coisas, pois descobre, também rapidamente, que a técnica não basta, que a política não basta e que é com a massa dos afetos que ela, mesmo sabendo que jamais conseguirá de forma plena, tentará tapar todos os buracos, curar todas as feridas e promover vida, dignidade e alegria no coração das pessoas mais carentes.

Quem não conheceu Cida Sarinho e quiser ter notícias dela, vá até a Favela do S, até o Gervásio Maia, o Baixo Roger e tantas outras comunidades da periferia de João Pessoa. Em qualquer desses lugares, procure por uma mulher que transformou a vida de dezenas de adolescentes e que, também, perdeu outras dezenas para a violência, a miséria e as drogas (na realidade brasileira, a/o Assistente Social que não aprende a perder não consegue jogar e nem descobre a importância de um gol, mesmo quando o placar fecha em 10 a 1).  

Procure mulheres violentadas pela própria história, que conseguiram, através do trabalho de Cida Sarinho, conquistar dignidade e autoestima; encontre, também, outras tantas que não conseguiram, mas que reconheciam Cida nas ruas, vinham abraçá-la e muitas vezes, mais uma vez, chorar de alegria ou de tristeza nos seus ombros.

Pois foi essa mulher, que viveu intensamente tantas vidas, que nunca perdeu a chance de investir seus próprios recursos para sanar uma necessidade mais radical ou para pagar um lanche para adolescentes famintos, essa mulher que lutava, diariamente, pela igualdade de direitos e de oportunidades, que transformava a sua indignação em atitude e força de trabalho, essa mulher intensa em tudo e em tudo que exercia apaixonada, que morreu do que sempre combateu: a incompetência na gestão dos recursos e das políticas públicas. 

Não posso garantir que Cida Sarinho estaria viva se, há um ano, tivéssemos iniciado um esforço de combate ao Covid-19 coordenado pelo governo federal, que potencializasse os recursos regionais de forma racional, proativa, multidisciplinar e com respaldo técnico e científico. No entanto, certamente estaríamos poupando milhares de vidas e livrando, da dor e da perda, milhares de famílias. Talvez esta dor não estivesse agora na casa de Iago, Caíque e Jéssica, na casa de Osvaldo e de Rosa, na casa de Méa, de Déa, de Helena, de Mariinha, de tantos de nós. Muito provavelmente Cida, sim, estaria viva.

O que todos sabemos é que o presidente, desde a primeira oportunidade, em meados de fevereiro de 2020, negligencia, ignora, escamoteia, tergiversa e ironiza o poder letal da Covid-19 e, como um subverme institucional, fragiliza o Ministério da Saúde e subtrai o poder de reação natural e de articulação das instituições públicas de saúde de todo o país. 

Se tivéssemos um Presidente, as chances de Cida e das milhares de pessoas que morreram até agora teriam sido muito maiores. Este raciocínio também é válido para as que serão infectadas amanhã, para as que amanhã morrerão e, inclusive, para as pessoas que discordam de mim agora e morrerão em breve do mal que defendem. Os brasileiros não têm, mas o vírus tem um presidente pra chamar de seu. Muitos vermes também têm. 

Cida e mais 2.151 pessoas morreram, neste dia 12 de março de 2021, pela ação do Covid-19 e pela incompetência insana e genocida do verme mor que preside o nosso país. Se ele fizesse o que tinha e tem que ser feito, se ao menos não atrapalhasse quem quer fazer, muitos milhares de vidas estariam sendo poupadas; e, se não fossem tantas, mas apenas uma vida fosse salva, todo o esforço já teria sido válido. 

Um Governante não tem direito de errar, mas é humano e erra. O que não se pode perdoar ou admitir é a insistência no erro, mesmo com as pessoas caindo mortas ao seu lado, sob sua ironia e insensatez. Um governante é para a sua comunidade, para o bem dela e só o bem da população justifica o poder que ele concentra. Não vivemos em uma monarquia da idade média, não estamos a serviço do rei. Se há um déspota no poder, a democracia está vilipendiada, o povo está sob o poder de um governo criminoso.

Luz e paz para Cida Sarinho, justiça para todas as pessoas que morreram e que morrerão por consequência da mediocridade na política e na gestão pública brasileira.

 

Gilson Renato – jornalista
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Edição: Maria Franco